Conselho veta uso de contêineres para isolar presos com suspeita de Covid-19

    Entidade critica votação que abre possibilidade de implantar nova estrutura provisória; votação foi classificada como ‘confusa’ e ‘show de horror’

    O CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) vetou o uso de contêineres como uma das maneiras de abrigar e isolar presos com suspeita de coronavírus, como desejava o Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Os dois órgãos são vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A decisão foi tomada nesta sexta-feira (15/5), durante reunião de membros do colegiado.

    No entanto, tal resolução, que ainda não foi publicada, definiu que podem ser usadas estruturas temporárias para abrigar detentos com suspeita de Covid-19, o que deixou em alerta entidades ligadas aos direitos humanos, que temem uma manobra por parte do colegiado.

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    Não foi especificado como seriam tais estruturas, mas elas não podem ser usadas além de sua capacidade, evitando assim a superlotação, como ocorre na maior parte das unidades prisionais, além da necessidade de respeitar diretrizes do Ministério da Saúde.

    O documento que irá dispor sobre todas as informações ainda não havia sido elaborado até a publicação desse texto. Monitoramento do Depen atualizado nesta sexta-feira indicou que 29 presos morreram devido ao coronavírus nas prisões do Brasil. Há ainda 715 casos confirmados e 350 casos suspeitos de infecção.

    A falta de informações mais precisas sobre como seriam tais estruturas provisórias preocupa o ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), organização de direitos humanos que tem como uma de suas funções combater o encarceramento e que sempre se posicionou contrária as prisões de lata. De acordo com o órgão, “nem as próprias organizações que estão acompanhando sabem exatamente o que foi decidido”.

    “O uso de contêineres foi proibido, porém aprovaram resolução que permite a construção de estruturas provisórias. A interpretação sobre o que são as estruturas provisórias ficará a cargo dos estados, abrindo brecha para que seja utilizado algo ainda pior que os contêineres”, explicou Raissa Maia, advogada e pesquisadora do ITTC.

    Mesmo acompanhando todas as discussões sobre o tema desde o início, o ITTC afirmou que o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária teve uma postura “antidemocrática” ao não permitir que o organização participasse da reunião que culminou na votação, a qual Raissa Maia classificou como um “show de horror”.

    “O modo como a reunião se deu, com comentários racistas e fake news, a falta de transparência, já que ainda não temos a resolução com o texto final, e a própria política penitenciária, condenando pessoas à morte diariamente neste cenário de pandemia, nos coloca em uma posição difícil de dizer vitória”, sustentou.

    Para Raissa Maia a única questão a se comemorar foi o fato da pressão popular barrar o plano que teve início ainda quando o Ministério da Justiça era chefiado por Sergio Moro. “Sabemos que a mobilização de movimento de familiares e organizações de direitos humanos foi muito importante e teve impacto”.

    A pesquisadora do ITTC ainda pontuou que não se pode haver uma desmobilização sobre o assunto, já que ainda não se sabe que tipo de estrutura provisória poderá vir a ser utilizada.

    “Ficou em aberto. Quando eles falam de construção de estruturas provisória a gente não sabe o que estão falando. É muto confuso, é muito aberto. Pode ser uma estrutura muito similar aos contêineres”.

    Para o ITTC, a discussão sobre o uso ou não das prisões de lata deveria ser substituída pela recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Logo no início da pandemia, afim de se evitar a superlotação, o órgão solicitou à tribunais de Justiça estaduais a análise na manutenção da prisão de presos considerados do grupo de risco, como idosos, lactantes e portadores de doenças crônicas.

    Assim que lançada, a proposta dos contêineres recebeu um enxurrada de críticas de órgãos ligados aos direitos humanos e de organizações que lutam pelos direitos das pessoas em privação de liberdade, o que fez com a que a votação, que deveria ocorrer em 28/4 fosse adiada.

    Em ofício, as entidades afirmaram que “contêineres violam direitos fundamentais, sendo uma pena cruel, e também violam os manuais de prevenção ao coronavírus”.

    A crítica das entidades ganhou peso com os posicionamentos do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal) ambos presididos pelo ministro Dias Toffoli, que consideraram o uso de contêineres ilegal.

    A proposta inicial era de que além dos presos com suspeita de estarem infectados, os equipamentos também poderiam abrigar aqueles recém chegados ao sistema prisional e que deveriam ser mantidos em “quarentena preventiva” antes de serem inseridos em pavilhões com outros detentos. Não poderia permanecer na estrutura provisória quem tivesse a doença confirmada.

    Em reportagem publicada no dia 8/5 a Ponte revelou ter tido acesso a dois documentos do Depen, dos dias 23/4 e 24/4. Um deles, aponta que a estrutura poderia ser aproveitada de maneira permanente depois da pandemia (leia íntegra aqui). O outro é uma apresentação que traz detalhes da proposta, como tamanho das celas (leia íntegra aqui). Uma cela para 10 presos, caso o pedido fosse aprovado, teria 12 metros de comprimento; uma para 4 pessoas terá 6 metros. O documento também aponta que os contêineres devem considerar “critérios de custos, velocidade e sustentabilidade”.

    Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que “o CNCPC aprovou a resolução estabelecendo as diretrizes extraordinárias e específicas destinadas ao enfrentamento da disseminação do Covid-19, no âmbito dos estabelecimentos penais, e , uma das medidas, foi o veto ao uso de contêineres para abrigar e isolar presos com suspeita de coronavírus”.

    Procurado pela Ponte, o Depen não se pronunciou.

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