Depois de atirar em pai e filho, PM culpa uma das vítimas por depredar moto da corporação

    “É mentira. A moto estava de pé”, diz esposa de Marcelo Monteiro Silva, 46 anos, baleado na Favela do Sapé, zona oeste de São Paulo; o filho do casal também foi atingido

    Marcelo (à esq.) e Abraão (à dir.) seguem internados após serem operados | Foto: Arquivo Ponte

    A Polícia Militar de São Paulo atirou no zelador Marcelo Monteiro Silva, 46 anos, e em seu filho, Abraão de Araújo Silva, 21, em ação na Favela do Sapé, zona oeste da cidade de São Paulo, na noite de domingo (19/7). Na versão oficial, a PM culpou a vítima pelo ferimento, alegando que o homem danificou uma moto da corporação. Tanto que o boletim de ocorrência registrado no 14º DP (Pinheiros) enquadra Marcelo em dano ao patrimônio.

    Os policiais militares alegam que ele teria derrubado a moto usada por um Rocam (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas). No entanto, a versão de quem estava na Favela do Sapé por volta de 18h é diferente da contada pelos PMs.

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    O relato dos moradores indica que os policiais estavam em uma perseguição, quando um deles caiu da moto. As pessoas que viram a queda começaram a fazer brincadeiras, irritando o PM.

    A manicure Cirlene Maria da Conceição Araújo Silva, 40 anos, é companheira de Marcelo e mãe de Abraão. Ela estava na rua General Syzeno Sarmento, no Rio Pequeno, quando os PMs apareceram e rebate a versão oficial.

    “É mentira. A moto, em todo tempo, estava de pé. Quem caiu foram eles”, diz, em conversa com a Ponte. A mulher detalha que os PMs perseguiam três jovens com moto, mas não conseguiram alcançá-los.

    Em um retorno durante a ação, um dos policiais caiu sozinho com a moto e não demorou muito para tirar satisfação dos risos. Quando a população começou a gravar, o policial jogou o aparelho do produtor cultural Nelson Tobias, 33 anos.

    “Meu esposo foi perguntar o motivo daquilo e o PM mandou se afastar. O Abraão estava gravando tudo, foram pegar o celular dele e, quando ele recusou e virou de costas, o PM deu um tiro na perna dele”, conta.

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    O jovem passou por cirurgia em um hospital na Vila Alpina, zona leste da capital paulista, enquanto o zelador, atingido na coxa, passou por procedimento cirúrgico no hospital da Cidade Universitária da USP (Universidade de São Paulo). A Ponte questionou o estado de saúde de ambos aos respectivos hospitais, mas, até a publicação, não obtivemos retorno.

    Segundo os PMs, Marcelo teria danificado a moto e, por conta disso, estava sob escolta mesmo com cuidados médicos. Cirlene não teve acesso a ele. Recebeu informação de um funcionário do hospital de que a ordem era dos policiais.

    “Pelo vídeo, o Marcelo não chegou nem perto da moto. Eles [PMs] levantaram a moto. Não estava nem próximo, estava no meio da rua e meu marido no muro. Dá uns metros”, afirma a manicure.

    Roupas de Marcelo ficaram sujas de sangue | Foto: arquivo pessoal

    A mulher conta que ficou de “boca aberta” com a alegação dos policiais militares. “Eles não têm o que alegar e alegam isso. Ninguém nem agrediu”, diz, lamentando o modo de agir da PM na periferia. “Não temos voz de nada por sermos favelados. Eles têm por serem autoridades”.

    O advogado Augusto Luiz de Aragão Pessin, colaborador da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e que está auxiliando no caso, buscou junto de Cirlene identificar o motivo de Marcelo estar sob escolta. Eles souberam do motivo através da Ponte.

    Para o advogado, há ilegalidade quando as polícias se negam a explicar o motivo da prisão. “A grande ilegalidade nesse momento é a ausência de declaração dos motivos da prisão ao réu e à família e, quando um advogado não criminalista amigo da família se dispôs a ajudar, igualmente não declararam”, argumenta.

    Cirlene esteve no Hospital da Cidade Universitária e afirma não ter tido acesso ao esposo. “A companheira foi impedida. Assim, a pessoa está sendo impedida de receber visitas de solidariedade, em violação às prerrogativas do profissional do direito, enquanto padece de ferimento grave impingido pela polícia”, completa.

    A Ouvidoria da Polícia de São Paulo abriu procedimento para acompanhar as investigações. “Imagens mostram policiais militares atirando contra moradores. É preciso investigar as circunstâncias da ação dos policiais”, diz nota enviada pela assessoria do ouvidor Elizeu Soares Lopes, acrescentando que o órgão “está à disposição de moradores e líderes comunitários que possam contribuir com informações para subsidiar as investigações”.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), sobre a ação na Favela do Sapé.

    Em nota, a assessoria de imprensa da pasta, a InPress, informou que há um inquérito no 51º DP (Rio Pequeno) para investigar o caso de “depredação e incêndio a três ônibus ocorridos durante o tumulto”.

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    “Na ocasião, a PM foi hostilizada, após tentar abordar um grupo de motociclistas que estaria envolvido em roubos a motos na avenida Politécnica”, diz texto da secretaria, alegando que dois PMs ficaram feridos na ação.

    “Os fatos também são analisados em IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado pelo 23º BPM/M e acompanhado pela Corregedoria da instituição.”

    Atualização às 11h53 de terça-feira (21/7) para incluir posicionamento da Ouvidoria da Polícia.

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