Deputados querem interrogar ministro da Justiça sobre espião do Exército

    Comissão de Direitos Humanos analisa requerimentos que convocam Alexandre de Moraes, Raul Jungmann e Sérgio Etchegoyen para falar sobre o caso Balta Nunes

    Reunião da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
    Reunião da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

     

    A infiltração realizada em movimentos sociais pelo capitão do Exército Willian Pina Botelho, por meio da identidade falsa de Balta Nunes, revelada por Ponte e El País, colocou três ministros do governo Michel Temer (PMDB) na mira da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

    Três requerimentos, apresentados na semana passada pelo 2º vice-presidente da Comissão, deputado Nilto Tatto (PT-SP), pedem a convocação do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, do ministro da Defesa, Raul Jungmann, e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, para apurar se as ações do militar incorreram nas práticas de “crime de espionagem, crime de abuso de autoridade, crime de falsidade ideológica e ato de improbidade administrativa”.

    Tatto apresentou os três requerimentos na última quarta-feira (14/9), mas os pedidos não chegaram a ser apreciados pela comissão porque a sessão, marcada para aquele dia, não ocorreu por falta de quórum (as sessões precisam de dez deputados para serem abertas, mas apenas oito parlamentares, do PT, PSOL e PSB, registraram presença). Segundo o deputado, parlamentares governistas faltaram à sessão para impedir que os requerimentos fossem apreciados. “Os deputados da base do governo golpista não marcaram presença na reunião da comissão para inviabilizar a apreciação dos requerimentos. Fizeram de propósito”, afirma Tatto.

    Capitão Willian Pina Botelho em foto do Instagram (sim, o espião tinha Instagram)
    Capitão Willian Pina Botelho em foto do Instagram (sim, o espião tinha Instagram)

    Os requerimentos voltam a ser apreciados na próxima reunião deliberativa da Comissão, marcada para a primeira semana de outubro. O próprio autor dos pedidos, contudo, reconhece que será muito difícil aprovar os documentos. “Pessoalmente não acredito que vamos aprovar. Eles têm maioria para não dar quórum e, se tiver quórum, têm maioria para derrotar o requerimento”, diz Tatto.

    Boa parte dos titulares e suplentes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias são nomes ligados às bancadas da Bala e da Bíblia, como Marco Feliciano (PSC-SP), Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e Capitão Augusto (PR-SP, este suplente da própria coligação liderada pelo PT). São bancadas que mostram afinidade com a linha seguida pelo ministro Alexandre de Moraes, o que, nos primeiros meses de governo, já paralisou todas as áreas relacionadas aos direitos humanos e nomeou conselheiros ligados à ditadura para a Comissão de Anistia.

    Mesmo com todas as dificuldades, o deputado afirma que pretende seguir em frente com os requerimentos: “Não podemos deixar quieto pelo que representa esta atitude ou política de espionagem aos movimentos sociais. São movimentos pacíficos, legítimos e uma conquista da sociedade brasileira. Se a moda pegar, daqui a pouco será proibida qualquer forma de organização da sociedade civil. Não vamos admitir”. O presidente da Comissão, deputado Padre João (PT-MG), apoia a medida. “Não ficaremos omissos”, diz.

    “Instrumentos perversos”

    Em audiência pública realizada pela mesma comissão em 14/9, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat disse que o monitoramento de movimentos sociais, como o que parece ter sido feito pelo capitão Willian Pina Botelho, o Balta Nunes, é ilegal. A procuradora lembra que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2009, por conta de escutas telefônicas realizadas ilegalmente, dez anos antes, pela Polícia Militar do Paraná sobre cinco membros do MST (Movimento Sem-Terra) em Querência do Norte (PR).

    deborah duprat
    Procuradora Débora Duprat depõe na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em 14/9

    Com a decisão da Corte Interamericana, a União foi obrigada a pagar US$ 22 mil para cada um dos sem-terra espionados pela polícia. “A Corte Interamericana afirmou que os movimentos sociais não podem ser monitorados porque isso fere os direitos de liberdade de associação e, principalmente, o direito à intimidade, o direito de discutir, no interior do grupo, planos metas, estratégias, o que quer que seja, sem a interferência do Estado. Temos que lembrar insistentemente que temos um arcabouço jurisprudencial que precisa ser resgatado nessas horas”, afirmou Duprat.

    A procuradora falou numa audiência pública da Comissão que debateu a “repressão e a criminalização dos movimentos sociais”, ao lado do jornalista Fausto Salvadori, autor das reportagens da Ponte sobre as infiltrações do Capitão Willian, e de três vítimas da violência de Estado: o advogado Mauro Rogério Silva, que denunciou prisão ilegal e tortura pelas mãos da PM em Caxias do Sul (RS), e o também advogado Renato de Almeida Freitas, que afirma ter sido espancado pela Guarda Municipal de Curitiba (PR) por ouvir rap numa praça.

    Falando sobre o tema da perseguição do Estado a movimentos sociais, a procuradora afirma que os direitos de manifestação, expressão e reunião, firmados pela Constituição de 1988, estão ameaçados pelo que chamou de “dois instrumentos sociais absolutamente perversos”: a lei das organizações criminosas e a lei antiterrorismo,  ambas sancionadas pelo governo Dilma Rousseff. “Por essas normas, nunca sabemos se um objeto que portamos pode ser visto como um artefato para uma prática terrorista. Até uma caixa de fósforos pode ser enquadrada”, diz.

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