Desemprego e aumento da tarifa do transporte: a quebrada duas vezes castigada

    Reajuste de R$ 0,10 na passagem afeta orçamento do desempregado e até mesmo o direito de ir e vir de quem fecha a conta do mês com dificuldade em SP

    A técnica em comunicação Barbara Gonçalves, 29 anos, teve que pedir dinheiro emprestado para pagar a passagem e ir até entrevista de emprego | Foto: Arquivo pessoal

    “Era setembro do ano passado quando a coisa pesou. Chegamos quase no limite da fome, de não ter dinheiro para comer. Em outubro finalmente fui chamada para fazer uma entrevista de emprego. Uma vizinha me emprestou dinheiro para eu poder pagar a passagem”. É assim que a técnica em comunicação Bárbara Gonçalves, 29 anos, conta como os gastos com transporte têm pesado no orçamento. Ainda mais se o planejamento financeiro tiver sofrido um desfalque, como foi o caso dela.

    Ela é uma entre os quase quatro milhões de desempregados no estado de São Paulo, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de abril do ano passado.

    Moradora de Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, Barbara desembolsou R$ 8,60 para ir e voltar ao local da entrevista, na Vila Prudente, também na zona leste. Preferiu ir somente de ônibus para não ter que pagar a integração com o metrô e, por isso, levou quase quatro horas entre o trajeto de ida e volta. Mesmo com o esforço ela não conseguiu a vaga.

    Barbara nunca trabalhou de carteira assinada e atualmente sobrevive com a pensão de viuvez que sua mãe recebe pelo falecimento de seu pai desde o fim do ano passado. Ela se considera mais uma entre os milhões de prejudicados pelo aumento da passagem de transporte público em São Paulo.

    Desde 1 de janeiro de 2020, a tarifa de ônibus, metrô e trem passou a custar R$ 4,40, um reajuste de R$ 0,10. Já a integração do cartão Bilhete Único aumentou R$ 0,17, passando de R$ 7,48 para R$ 7,65. A Prefeitura e o Governo de São Paulo, comandados pelos tucanos Bruno Covas e João Doria, respectivamente, afirmam que o aumento de 2,33% está abaixo do teto da inflação anual de 3,86%.

    Em resposta, o Movimento Passe Livre (MPL) já organizou quatro protestos desde o início do ano. O primeiro deles foi no dia 7 de janeiro, uma terça-feira, e acabou com a detenção de mais de 30 manifestantes pela Polícia Militar na capital. O segundo aconteceu numa quinta-feira (9/1) e ficou marcado pela repressão policial e pelo enquadro que a PM deu na equipe da Ponte antes mesmo de a manifestação começar.

    No dia 16 de janeiro, durante o terceiro ato do MPL contra o aumento, mais repressão policial: PMs arrastaram mulheres pelos cabelos, entre elas a ativista Andreza Delgado que, em entrevista à Ponte declarou: “Fui alvo por racismo”. O script se repetiu na última quinta-feira (23/1), quando duas mulheres foram agredidas antes de serem detidas pela PM.

    Com o reajuste válido desde o 1º dia do ano, o usuário agora tem de pagar R$ 15,30 entre ida e volta, levando em conta o uso de dois ou mais modais. O aumento de R$ 0,10 pode parecer pouco, em um primeiro momento, mas para quem está à procura de emprego significa um gasto a mais no orçamento.

    “Esse valor de R$ 4,40 vai continuar sendo pesado, não condiz com a qualidade do serviço. Eu acredito que o transporte público aqui é insuficiente. Para uma cidade de 13 milhões de habitantes não dá. É superlotado, dá até pânico de usar em horários de pico. Fora a condição do transporte, com muitas falhas e atrasos”, avalia Barbara, que espera “desde criança” a chegada do monotrilho em Cidade Tiradentes.

    Em 1994, ano de implementação do Plano Real e quando Bárbara tinha apenas 3 anos, a passagem unitária de ônibus custava R$ 0,50, já o bilhete de trem e metrô era comprado por R$ 0,60. O salário mínimo era de R$ 70. Em 2020, os três serviços têm o mesmo valor de R$ 4,40 e o salário mínimo aprovado em janeiro pelo Governo Federal é de R$ 1.045. 

    Barbara não conseguiu concluir a faculdade de Publicidade e Propaganda. Ela teve de interromper as aulas na metade da graduação por não conseguir bancar a mensalidade. Ainda assim, fez um curso técnico em Comunicação Visual para melhorar seu currículo. Sem experiência, porém, sua carteira de trabalho segue em branco. 

    Subemprego é realidade

    Essa realidade atinge também quem tem formação universitária concluída. O historiador e museólogo Leonardo Vieira, 27 anos, tem mestrado pela USP (Universidade de São Paulo) e mesmo com a experiência acadêmica ainda não conseguiu se inserir no mercado de trabalho. Para ele, o momento econômico do país resulta na oferta de subempregos e salários baixos.

    Leonardo Vieira nunca trabalhou de carteira assinada na sua área de formação | Foto: Arquivo Pessoal

    “Eu tenho uma formação acima da média e as empresas acabam não tendo interesse em mim por eu ser uma ‘mão-de-obra cara’. Tem muita gente que aceita ganhar menos para fazer esses trabalhos. A última vez que fiz uma entrevista de emprego era para uma vaga que exigia ensino médio. A questão não é começar por baixo, é que às vezes a diferença do que posso oferecer é tão gritante que não compensa”, avalia.

    Leonardo mora em Ermelino Matarazzo, entre as estações USP Leste e Comendador, ambas da Linha 12-Safira da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Por mais que tenha duas opções à disposição, a lentidão dos trens é um complicador para ele cumprir seus compromissos com pontualidade. “Eu até consigo me locomover, mas com uma condução só. Em questão de rapidez e conforto é muito melhor andar de ônibus e metrô”, diz, criticando “mais um aumento” na passagem.

    Para além do reajuste da tarifa, o historiador também se diz prejudicado pela exclusão de linhas de ônibus noturnos na gestão Bruno Covas, alternativas úteis quando ele saía a passeio pelo centro da cidade. No passado recente, ele tinha a opção de pegar o transporte 24 horas e voltar para sua casa. Agora a única alternativa é esperar o metrô abrir as portas às 4h40. “Se eu fosse voltar com Uber, gastaria R$ 50 mais ou menos. Não tem orçamento de desempregado que aguente”, desabafa.

    Ele preenche o tempo livre com freelas e um coletivo de cultura atuante na região. No entanto, parte dos seus dias é dedicada a tomar conta do bar de seu pai. Ele cobre diariamente os horários de almoço, além de ter que abrir e fechar o estabelecimento quando o dono tem outros compromissos.

    Essa tarefa se tornou diária desde que se formou e não conseguiu emprego na área. Voltar para a casa dos seus pais foi a única solução. Ao descrever a rotina como “caótica”, Leonardo afirma sentir dificuldade para organizar sua vida profissional por conta dos horários instáveis. Tem dias na semana que os portões do bar são fechados depois da meia-noite.

    Ele também tem contra si a insegurança por conta da violência que atinge a periferia. “Sempre que para um carro ou passa alguém olhando muito, você imagina que pode acontecer alguma coisa ruim”, lamenta.

    Negros são os que mais sofrem com desemprego

    A interrupção de planos aparenta ser constante entre os adultos desempregados. Wellington Santana Jr. passou 2018 inteiro à procura de emprego. Depois de ouvir dezenas de “retornaremos o contato” ou sequer receber respostas de recrutadores, conseguiu uma vaga no início de 2019. Era tido como o emprego dos sonhos, ele assumiu o cargo de analista de segurança e risco em uma empresa multinacional de transporte por aplicativo. Nem mesmo as duas horas para chegar ao trabalho no Morumbi, zona sul de São Paulo, eram um obstáculo.

    Wellington Santana Jr. foi demitido logo após ter mudado de casa | Foto: Arquivo Pessoal

    A aparente estabilidade financeira concretizou os objetivos da família de sair do aluguel em uma casa no Jardim Danfer para um apartamento na Vila Matilde, na zona leste, e ter acesso a mais ofertas de transporte público para facilitar a mobilidade. A reviravolta veio seis meses depois do novo emprego. “Nós já tínhamos a ideia de mudar há um tempo. Cinco dias depois que nos mudamos, eu acabei sendo demitido. Foi um balde de água fria. Eu não esperava mesmo”, recorda.

    Além de amargar a demissão, Wellington integra outra estatística: a dos negros sem emprego formal. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2019, divulgada pelo IBGE, a taxa de desocupação da população preta e parda no Brasil atingiu 14,1% em 2018. Já os brancos somaram 9,5%. Ainda segundo o instituto, no terceiro semestre do ano passado, 65,2% dos desempregados eram pretos e pardos.

    Os indicadores da cidade de São Paulo também seguem a mesma linha. O Mapa da Desigualdade 2019, lançado pela Rede Nossa São Paulo, revela que os distritos com mais negros e pardos são os que mais sofrem com baixos índices de emprego formal. 

    Por exemplo, o Jardim Ângela, na zona sul da capital paulista, onde mais de 60% dos moradores se declaram pretos e pardos, tem taxa de emprego formal de 0,50 a cada dez habitantes da população em idade ativa. Já na Barra Funda, com apenas 15,71% de pretos e pardos, os números de empregos formais são os mais altos da capital: 59,24 por dez habitantes da população em idade ativa.

    Para Wellington, a desigualdade racial no Brasil é expressa com a escassez de profissionais negros em cargos de liderança. Por onde trabalhou era comum ver funcionários somente na limpeza e segurança, e ele ser o único negro com ensino superior completo.

    Em 2018, o IBGE apontou que os brancos receberam salários até 73,9% mais altos do que pretos e pardos, grupo que participa de atividades com rendimentos mais baixos, como serviços domésticos (65,1%) e construção (62,6%), portanto com grau de escolaridade mais baixo. “Recentemente acompanhei um amigo em uma entrevista numa startup que tem crescido bastante. Fiquei lá aguardando e observei que lá entraram e saíram centenas de pessoas. Eu contei apenas cinco negros que trabalhavam na empresa”, observa.

    O dia a dia de Wellington Santana Jr. é outro desde que foi desligado da antiga empresa. Para ele é necessário “pôr o pé no freio” e reduzir os custos com lazer. Em um passado recente, aliás, o desemprego afetou diretamente a sua saúde mental e ele teve de fazer acompanhamento psicológico por um ano e meio. Embora hoje garanta não precisar até o momento, reconhece que o panorama do país desafia sua sanidade.

    “A saúde emocional fica muito abalada, principalmente por causa dos tempos que vivemos. Não apenas na política, mas na sociedade. Isso afeta bastante, dependendo da sua orientação política. Quanto mais tempo livre se tem para acompanhar as notícias, pior fica”, acredita ele.

    Viver de bico

    O estoquista Tarcisio Belchor, 32 anos, trabalhava com carteira assinada até ser demitido há um ano e meio. Atualmente, para complementar a renda, ele faz bicos na área de construção civil. Casado e pai de dois filhos, ele deixou de lado temporariamente o sonho do trabalho formal para fazer pequenos reparos. “Como eu tenho família não posso aguardar. É melhor ganhar pouco fazendo bico do que não ganhar nada. Tenho que correr atrás”, resume.

    Para ir a entrevistas de emprego, o morador de Itaquera usou o Bilhete Único do Desempregado. É um benefício de 90 dias oferecido para trabalhadores terem acesso aos serviços do Metrô de São Paulo e os trens da CPTM.

    Tarcisio Belchor está desempregado há um ano e meio | Foto: Arquivo Pessoal

    Entretanto, é preciso atender a uma série de requisitos para obter a gratuidade, como ter carteira assinada, ser demitido sem justa causa e estar fora do mercado de trabalho entre 30 dias e 6 meses. O pedido é feito presencialmente nas estações Marechal Deodoro (Metrô) e Barra Funda (CPTM). Dos três modais, apenas a SPTrans, empresa que administra o transporte de ônibus no município de São Paulo, não oferece nenhum benefício ao desempregado. 

    Em busca de economizar, Tarcisio prefere andar por pelo menos 20 minutos debaixo de chuva e sol até chegar à estação de trem mais próxima, a José Bonifácio (Linha 11-Coral da CPTM), do que pagar R$ 4,40 na passagem de ônibus.

    Bilhete de desempregado pode ser usado por até 90 dias e prazo não pode ser renovado | Foto: Governo do Estado SP

    “Esse bilhete ajuda muito, mas o chato é não ter nada do tipo para pegar ônibus. E são 90 dias corridos, conta aí sábado e domingo. Quem faz entrevista nesses dias?”, questiona. “Eu acredito que o bilhete poderia ser integrado [ônibus, metrô e trem] e a validade seria até o momento que você começa a trabalhar. A pessoa passa na estação a cada 30 dias para renovar. Aí vai do caráter de cada um devolver, né?”, avalia.

    De janeiro a novembro de 2019, o Metrô emitiu 57.530 bilhetes de desempregado, enquanto a CPTM entregou 45.661 credenciais a moradores de São Paulo, segundo informações oficiais. Vale ressaltar que o benefício não pode ser renovado após os 90 dias.

    A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa Metrô e da CPTM para solicitar uma entrevista sobre o atual modelo de requerimento do bilhete de desempregado, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. A reportagem também tentou falar com a SPTrans para entender por que esse benefício não é concedido aos desempregados de São Paulo. O retorno, via assessoria, foi o seguinte: “A Prefeitura informa que, no momento, no município não há concessão de gratuidade para o trabalhador desempregado”.

    Quando anunciaram o aumento, em dezembro de 2019, prefeitura e governo disseram, em nota, que “se as tarifas seguissem a recomposição inflacionária, o valor sairia dos atuais R$ 4,30 para R$ 4,47”.

    ‘Transporte é máquina de lucro’

    A gratuidade em parte do transporte pode até ajudar em um primeiro momento, mas não acompanha a realidade do Brasil. Segundo o IBGE, dos 12,5 milhões de desempregados em todo o país, mais de 3,2 milhões (25,2% do total) estão à procura de emprego há dois anos ou mais, enquanto 1,7 milhão (13,6%) buscam se recolocar no mercado de trabalho entre um e dois anos.

    Em entrevista à Ponte, Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), afirma que o bilhete para desempregado exclui uma parcela significativa da população. Além do mais, ele acredita que pessoas de baixa renda naturalmente reduzem o uso dos modais quando o orçamento mensal fica mais apertado, seja porque perdeu o emprego seja por causa dos recorrentes aumentos de tarifa. 

    “É uma política que está desconectada da desigualdade econômica do Brasil. Eles [Metrô e CPTM] excluem os trabalhadores informais por meio do registro em carteira. Além disso, desconhecem a dinâmica dramática de desemprego que não tem perspectiva de melhora no curto e médio prazo”, assinala.

    O especialista critica a falta de transparência da prefeitura e do governo na justificativa do aumento da passagem. Além de considerar fora dos padrões, ele aponta que os trabalhadores de baixa renda e os desempregados são os mais prejudicados com o novo valor de R$ 4,40. Em outubro de 2019, os gastos das famílias brasileiras com transporte superaram os de alimentação pela primeira vez, de acordo com o IBGE.

    Segundo ele, a lógica do transporte público em São Paulo é alcançar o lucro acima de qualquer bem-estar social. “O custo no orçamento, sobretudo para pessoas em ocupações precárias, como os autônomos, pesa. Eles não têm vínculo laboral e direito assegurado do vale-transporte que pessoas com carteira assinada têm. Quem sofre é a sociedade que paga por um transporte que muitas vezes não tem qualidade, principalmente em regiões mais distantes”, destaca.

    Outra modalidade de bilhete gratuito é para estudantes de baixa renda. A dona de casa e estudante Natália Costa, 32 anos, usufrui desse benefício desde janeiro de 2019, quando decidiu investir na educação depois de 14 anos. Mãe de três filhos, ela vive no bairro de Guarapiranga, na zona sul de SP, e nunca trabalhou de carteira assinada. Os estudos são a alternativa para ela buscar independência financeira e, por isso, se divide entre cursos técnicos de manhã, supletivo à noite, manicure aos sábados, além de cuidar da família.

    Natália Costa depende da gratuidade do Bilhete Único para se locomover | Foto: Arquivo Pessoal

    Paulistana, ela afirma que só agora teve a oportunidade de conhecer o centro de São Paulo. O trajeto de ônibus e metrô da sua casa para a escola técnica leva cerca de 1h30. Natália sabe, porém, que a gratuidade do transporte só terá validade até ela concluir os estudos. O uso é por meio de uma cota mensal, ou seja, não é possível ultrapassar o número de passagens determinado pela prefeitura. O cartão também não cobre janeiro e junho, meses de férias escolares.

    “É tão naturalizada a cobrança da maternidade e do lar que eu me culpo às vezes por estar estudando. É tudo enraizado, mesmo sabendo que não é normal. A gente se culpa, mas sabe que essa culpa não é normal”, diz Natália.

    A população desempregada faz malabarismo para conseguir se locomover em São Paulo. Clemente Ganz Lúcio defende que o custo para os cidadãos deveria ser zero ou mais baixo do que se tem hoje. “O transporte público deveria ser público, com custo zero ou ao menos simbólico para estimular o seu uso e não o do carro. É uma política pública com efeito ambiental, pois diminuiria o trânsito, os engarrafamentos, e também melhoraria a qualidade de vida da população”, pontua.

    Para que isso fosse possível, o diretor técnico do Dieese aconselha que a população com maior renda deveria contribuir com mais pagamento de impostos. “A tributação no Brasil deveria ser progressiva de tal forma que, quanto maior o rendimento e patrimônio, mais tributos as pessoas pagariam. O retorno seria dado com a redistribuição da riqueza por meio de uma política pública que beneficiaria quem tem menor renda, maior necessidade do transporte público e esse acesso teria efeito no uso de sua renda disponível”, explica.

    Sem diversão

    A inacessibilidade do transporte público, no entanto, tem efeitos que vão além da busca por um emprego. Por morarem em regiões periféricas, essas pessoas também se deparam com a falta de opções de entretenimento e cultura. No caso de Natália Costa, isso reflete na qualidade de vida da sua família. 

    “Eu deixo de ir a vários lugares por conta do transporte caro. Se eu quiser ir ao parque, vou ter que pagar quatro conduções para ir e quatro para voltar. Deixo de sair com as amigas e as crianças por conta de transporte. Eles ficam entediados dentro de casa e só têm o celular como distração. É frustrante, dói muito”, lamenta, completando que a saída nas férias de janeiro tem sido fazer atividades dentro de casa com os filhos.

    Para ela, morar na periferia também compromete a liberdade de ir e vir até mesmo no próprio bairro. “Eu converso muito com meus filhos, principalmente o mais velho, que é negro e tem 16 anos. Depois do que aconteceu em Paraisópolis, tive que proibi-lo de jogar bola até as 23h. Se a polícia parar no meio do caminho, eles primeiro vão atirar para depois perguntar o que ele faz ali. Por isso digo para ele sempre abrir a mochila e chamar o policial de ‘senhor’”, argumenta.

    Na vida da técnica em comunicação Barbara Gonçalves são poucos os momentos de lazer que ela desfruta. Ela acaba optando por programas culturais gratuitos em Cidade Tiradentes ou distritos vizinhos. Para isso tem que caminhar até 30 minutos ou às vezes até mais. “Sem dinheiro eu não ponho o pé para fora de casa. Às vezes você está em um lugar diferente, quer comer algo e não tem dinheiro. Vai passar o dia todo com fome? Não dá.”

    Se os políticos usassem o transporte público em São Paulo, o valor da passagem seria mais baixo, avalia o autônomo Tarcisio Belchor. O valor de R$ 4,40 restringe o divertimento dele com a família. Ele saía com sua mulher e filhos todo fim de semana até ser demitido; agora, eles reduziram para duas vezes por mês. Os gastos apenas com transporte público em um dia seriam de R$ 61,20 para quatro pessoas.

    O ex-estoquista confessa que o desemprego afeta seriamente sua autoestima, só que ele não quer ser tomado pela tristeza e pretende estudar em 2020. “O que eu quero mesmo é arrumar um trampo próximo de onde eu moro. O transporte está tão ruim e caro que trabalhar perto de casa seria um grande benefício”, finaliza.

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