Diretor de escola de elite de SP é omisso contra casos de racismo, apontam pais

Pais de alunos e ex-alunos do Colégio São Domingos, ligado à Igreja Católica e localizado em bairro de classe média alta, afirmam que gestor Silvio Barini barra ações antirracistas: “não tem noção do que é desenvolver uma escola antirracista”

Colégio São Domingos | Foto: Reprodução / Facebook

Quando se deparou com o terceiro episódio de racismo envolvendo a sua a filha de 10 anos de idade, a psicóloga Adriana Castilho, 44 anos, decidiu que era hora de procurar o Ministério Público para denunciar o que ela afirmar ser uma questão de persistente descaso da diretoria do Colégio São Domingos, escola particular localizado em Perdizes, bairro de classe média alta na zona oeste da cidade de São Paulo.

O caso não é isolado. Pelo menos outras três famílias contaram à reportagem da Ponte que retiraram seus filhos da escola ou não irão renovar a matrícula para o próximo por acreditarem que a instituição de ensino, mantida pela Fundação São Paulo, entidade ligada à Igreja Católica, não sabe lidar com casos de racismo que ocorrem dentro do ambiente escolar.

Um dos motivos que fez Adriana matricular a filha no Colégio São Domingos no início de 2022 é a proposta pedagógica que a instituição se propõe a oferecer aos seus alunos. Tida como uma escola humanista, a forma de ensino e conteúdo é diferente da grande parte das escolas do país, como, por exemplo, o uso de literatura contemporânea como material de estudo para diferentes disciplinas.

Passado o primeiro semestre do ano letivo, a mãe começou a perceber uma mudança no comportamento da filha, que parecia mais abatida e triste, que teria sido causada por episódios ocorridos por conta da cor da pele da criança. Adriana, que é branca, afirma que a filha foi vítima de seguidos ataques racistas dentro da sala de aula.

Segundo o relato da mãe, o primeiro episódio de racismo ocorreu quando um grupo de meninas questionava a todo momento a filha sobre o seu cabelo, como ela fazia para lavar quando ficava sujo e pedindo para tocar nele. A garota chorou ao chegar em casa dizendo que não havia ninguém igual a ela na escola.

A pedido da aluna, o professor da turma autorizou que a menina pudesse falar para toda a sala de aula como se sentia com as agressões. A atitude do educador e da escola não agradou Adriana.

“Fiquei pasma, pois o colégio naturalizou o fato da criança que sofreu o racismo ser a responsável por orientar a sala. Neste momento ficou evidente o total despreparo do colégio na condução da situação. Inclusive a coordenação e direção julgaram desnecessário qualquer comunicação direta comigo, não houve contato algum por parte dos responsáveis”, lembra a mãe da criança.

As outras duas agressões sofridas pela filha de Adriana Castilho foram feitas por um mesmo garoto, que estuda na mesma classe em que ela. Durante uma atividade que abordou, dentre outras questões, o racismo na Europa e como as pessoas eram perseguidas por isso, o estudante disse que se a filha de Adriana morasse lá estaria “ferrada”. 

“Mais uma vez foi evidenciado o despreparo do colégio para tratar do episódio. Novamente não fui procurada pela escola, só tive conhecimento do segundo ataque racista à minha filha muito tempo depois, quando ela comentou o caso em casa”, explica Adriana.

Quando soube que a filha foi novamente alvo de comentários racistas, a psicóloga caiu em prantos. O episódio ocorreu no dia 24 de outubro deste ano. Desta vez, o professor da sua filha ligou avisando que a criança havia sido vítima de racismo mais uma vez. 

Na ocasião, segundo a mãe, a garota relatava para as amigas uma situação que aconteceria em países do Oriente Médio, onde homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. Ao ouvir a história, o aluno afirmou diante toda a turma que a menina nunca passaria por tal situação por suas características físicas.

“O colégio agendou uma reunião para o dia seguinte. Foi uma noite de desespero, angústia e medo”, relata Adriana.

A cineasta Maristela de Vasques, que também tem uma filha que estuda no São Domingos, estava ao lado de Adriana quando a amiga recebeu a ligação da escola informando do terceiro caso de racismo sofrido pela criança. Vendo o abalo emocional de Adriana, ela se ofereceu para acompanhá-la durante a reunião que teria com o colégio.

Segunda a mãe da menina agredida, ao saber que ela estava acompanhada por Maristela, Silvio Barini Figueira Pinto, diretor da escola, teria se negado a receber a Adriana e afirmado que só falaria com ela a sós. Alegando precisar do apoio da amiga, a psicóloga se recusou em ter a reunião nas condições impostas pelo gestor da instituição de ensino.

“Ali não era mais apenas o sofrimento de minha filha a partir dos ataques racistas de um coleguinha de sala, era o ataque de um  adulto, o diretor de um projeto educacional, um homem branco em situação de poder, exercendo abuso de poder e racismo sobre uma mãe emocionalmente afetada”, critica Adriana.

“Era um momento de muita fragilidade dela. O diretor não reconheceu essa situação dela, de uma mãe que estava extremamente sensível ao saber que a filha estava passando por constantes momentos traumáticos dentro da escola por conta do racismo”, conta Maristela.

Diretor acusado de omissão

Além de Adriana e Maristela, outros pais de alunos e ex-alunos do Colégio São Domingos afirmam que Silvio Barini sempre teve uma postura de negação em relação a casos de racismo dentro ambiente escolar e que nunca se mostrou favorável para que ações de combate à intolerância racial fossem implementadas na instituição.

Citando a Lei 10.639 de 2003, que torna obrigatório, dentre outras determinações, o ensino de história africana em todas escolas do país, o sociólogo e ex-pró-reitor de assuntos comunitários e políticas afirmativas da Universidade Federal do ABC Acácio Almeida, 62 anos, diz que colégios como o São Domingos precisam saber identificar episódios onde crianças negras são vítimas de discriminação.

“A lei, que completa duas décadas no próximo ano, também foi pensada para diminuir situações como essa. Não é apenas no São Domingos, diversas escolas insistem em não usar o nome racismo para esses casos tratando apenas como bullying”, afirma o acadêmico, que retirou a filha do São Domingos após ela ter estudado na escola durante 11 anos.

Em seu site, o Colégio São Domingos informa que promove anualmente campanha de descontos de até 50% na anuidade para crianças e jovens negros e indígenas como parte de uma política afirmativa de ampliação do acesso desses grupos à uma educação de qualidade.

Companheira de Acácio, a advogada Cleude de Jesus, 52 anos, formava um dos únicos casais de negros que tinham filhos matriculados no Colégio São Domingos durante anos. Em 2020, em plena pandemia e após a morte de George Floyd nos EUA, ela e o marido, lideraram junto com outros pais de crianças negras a criação do Núcleo Equidade Racial da escola.

“Sempre tivemos uma vida muito ativa na comunidade escolar. Num momento em que o mundo todo passou a falar de questões raciais, sentimentos a necessidade da criação do grupo. Durante todo esse tempo, o diretor da era a única interlocução entre o núcleo e a escola”, explica Cleude.

A advogada conta que diversas ações e observações feitas pelo grupo para serem implementadas na escola eram repelidas por Silvio Barini. A atitude do gestor da escola espantou Cleude, já que a filha estudava ali há anos.

“Nós vivenciamos algo muito desagradável e constrangedor porque ele passou a negar os casos de racismo que havia na escola. Ele começou a se portar como racista, dizendo que queríamos constranger os brancos e criar ‘pautas identitárias’.”

A postura de Silvio Barini diante das questões raciais na escola foram preponderantes para que Cleude e Acácio tirassem a sua filha do São Domingos após ela ter ficado no colégio por mais de uma década. “Estávamos em um lugar que não sabíamos que estávamos”, relata a advogada. 

Para Eduardo Jeolas era fundamental que as ações debatidas dentro do Núcleo de Equidade Racial fossem implementadas na escola. O administrador de 59 anos é um homem branco e pai adolescente negro estudante do São Domingos. “Quando o núcleo foi criado ele já não foi bem recebido pela direção. O Silvio não tem noção do que é desenvolver uma escola antirracista”, explica.

De acordo com o administrador, o seu filho já foi vítima de racismo dentro da escola por conta do cabelo. O pai conta que alunos da mesma sala fizeram sons imitando um macaco para ofendê-lo. Após o episódio Eduardo foi chamado para uma reunião na escola, mas garante que em momento nenhum o fato foi tratado como um ataque racial.

“A escola se vende como progressista, mas quando acontecem essas coisas eles são conservadores e ficam relativizando a situação ao invés de enfrentar o problema. Eles não veem que o bullying é consequência do racismo”, explica o administrador, que garante que o filho não estudará mais no colégio. “Gostaria que ele terminasse o ensino fundamental lá e só no ensino médio a gente estava planejando mudar de escola, mas não vai ser possível”. 

Diferente de Eduardo, o músico Felipe Julián Goldfarb, de 46 anos, decidiu retirar a sua filha do colégio ainda no ano passado. Assim como Adriana, ele começou a perceber uma mudança de comportamento da filha e viu que a criança que era sociável e extrovertida parecia cada vez mais triste. A variação de humor da menina fez com que ele procurasse a escola.

Goldfarb conta que, em uma determinada reunião que teve com Silvio Barini e outros pais da escola, o diretor teria dito uma frase que o chocou bastante: “criança adotada dá muito trabalho mesmo”. Felipe é um homem branco pai adotivo de uma garota negra do ensino fundamental no São Domingos.

O músico descreve o diretor da escola como uma pessoa de visões sedutoras e modernas sobre o ensino, ao mesmo tempo que é paranoico em relação a perder o poder que ele tem dentro da instituição.

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“Ele se julga muito mais avançado que a média. Certa vez ele tentou justificar que não era racista porque tinha uma avó negra. Eu sei que as pessoas negras do Núcleo de Equidade Racial se sentiram ofendidas com esse discurso.”

Outro lado

O Colégio São Domingos informou que o diretor Silvio Barini Figueira Pinto não poderia conceder entrevista sobre as acusações dos pais por estar de licença médica após ter sofrido um acidente recentemente. Por meio de nota, a escola diz ser “estranha e improcedente qualquer afirmação de negligência do Colégio São Domingos e de seus representantes sobre racismo ou qualquer outro tipo de discriminação”.

A escola descreve no texto enviado a reportagem que 30% de seus educadores se autodeclaram negros, 50% de seus funcionários em todos os cargos se autodeclaram negros, que crianças negras têm prioridade na listade inscrição para vagas e estagiários cotistas em universidades públicas também gozam de prioridade para complementar sua formação na prática educativa do colégio.

O comunicado também ressalta que é trabalhado didaticamente autores negros com os estudantes. “Bem antes da lei 10693, a escola já colocava  relevo nas manifestações culturais de raízes afro. Adolescentes leem A. Mbembe, F. Fanon, E.Glissant, Bel Hooks, Sueli Carneiro, P. Gilroy, Carolina de Jesus, Itamar Vieira Jr. Crianças leem histórias escritas por negros e sobre negros, brincam com bonecas negras e brinquedos africanos. Lives com Djamila Ribeiro, Amailton M.Azevedo, Muryatan S. Barbosa – todos com filhos no Colégio – foram oferecidas para a comunidade”.

A escola entende que quem fez as denúncias contra o diretor quer que os estudantes sejam punidos fora de uma perspectiva educacional. “Portanto, somente pode entender essas práticas como negligência aqueles que têm no horizonte a expectativa de exclusão de crianças e pré-adolescentes que manifestam racismo numa fase de formação moral (geralmente menores entre 8 e 14 anos). O Colégio acredita na transformação pela educação que se faz no diálogo, na persuasão, na construção de repertório que abra horizontes para a afirmação da potência da alteridade”, finaliza o documento.

Ao saber da reportagem da Ponte, Silvio publicou uma carta aberta onde faz alusão a “interesses” que diz não saber que teriam levado à denúncia de Adriana. Ele ainda afirma que ela teria exigido a expulsão do aluno que ofendeu sua filha (o que ela nega) e que o caso foi levado ao Núcleo pela Equidade Racial, que não teria discordado das medidas adotadas pelo colégio. Por fim, diz que as denúncias são “improcedentes” e que “esse modo de agir é estranho aos nossos ideais de produção da vida comunitária”. Leia aqui o comunicado na íntegra.

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) confirmou que a denúncia foi recebida e está a cargo do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi). Segundo a assessoria de imprensa do MPSP, casos apurados por esse grupo são sigilosos.

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