Inovação no jornalismo e diversidade nas redações dominam Festival 3i, no Rio

    Ponte apresentou workshop sobre cobertura de protestos e organizou mesas sobre formas de fazer jornalismo fora das redações tradicionais e diversidade

    Pedro Borges, do Alma Preta, traz dados sobre a falta de diversidade racial nas redações | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Três dias de evento, oito oficinas, oito mesas, 42 palestrantes, mais de 300 convidados discutindo o jornalismo pelo viés inovador, inspirador e independente. Esse poderia ser o resumo da 2ª edição do Festival 3i, que rolou na Fundição Progresso, no centro do Rio de Janeiro, no último fim de semana, e que reuniu mais de 400 pessoas em cada um dos dias. Mas na verdade foi muito mais que isso.

    Na sexta-feira (18/10), primeiro dia de evento, o nosso fotojornalista Daniel Arroyo ministrou uma oficina sobre cobertura de protestos. No sábado (19/10) e no domingo (20/10) rolaram as mesas de debate. No segundo dia, os destaques foram as mesas sobre desinformação, criada pela Agência Lupa e a Nova Escola, e os perigos que os repórteres podem sofrer quando eles viram alvos, organizadas pelo O Eco e Congresso em Foco.

    Público encheu o auditório da abertura do festival | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    No terceiro dia, as mesas sobre crescimento e engajamento para dialogar com a audiência, apresentada pelo Nexo, e as duas mesas que a Ponte ajudou a pensar foram muito aplaudidas – a primeira sobre a cobertura da cidade fora das redações tradicionais, da Ponte com a Énóis, e a última mesa do festival que abordou a falta de diversidade nas redações, do Marco Zero Conteúdo e da Ponte.

    Confira o que rolou no 3i:

    Dia 1: Workshop sobre cobertura de protestos

    Daniel Arroyo, fotojornalista da Ponte, durante workshop sobre cobertura de protestos | Foto: José Cícero da Silva/Festival 3i

    Tiro, porrada e bomba. Normalmente é isso que Daniel Arroyo, fotojornalista da Ponte, enfrenta quando sai para uma cobertura de protesto. O workshop que ele apresentou no Festival 3i trouxe detalhes dessas coberturas, todas as violações que a polícia comete nos atos e dicas para quem tá afim de começar a fazer esse tipo de jornalismo.

    Cerca de 12 pessoas se inscreveram para a oficina com Arroyo e saíram de lá com uma cartilha completa do que fazer e do que não fazer quando estiver na rua cobrindo uma manifestação. Uma das dicas preciosas que Daniel compartilhou com o público é algo que ele sempre faz. Toda vez que sai para cobrir um ato, Arroyo vai com duas câmeras, uma maior e uma que dificilmente as forças policiais identificam como câmera: uma go pro, conectada na parte superior da outra câmera, como se fosse um flash.

    “Quando acontece alguma coisa, é o Estado falando. A polícia, na manifestação, é o Estado. Sempre é bom gravar, por isso a go pro ajuda. Se pedirem para apagar, você recupera o material e tem o vídeo da denúncia”, explica o fotojornalista.

    Com isso, Daniel já conseguiu flagrar diversas violações dos PMs nas ruas paulistanas, inclusive o momento exato em que um policial atirou contra ele em janeiro desse ano, que acabou atingido na perna durante a cobertura de um dos atos contra o aumento da tarifa do transporte. Outro caso foi quando a polícia chegou durante uma ocupação e obrigou Daniel a apagar o material que tinha coletado, mas ele estava com a câmera secundária ligada e registrou a ação.

    Oficina sobre cobrir protesto com Daniel Arroyo | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Daniel Arroyo também falou sobre itens de segurança e destacou algumas violações comuns que já presenciou por parte da polícia contra a imprensa: pedir para desligar a câmera, tentar de impedir uma filmagem, confiscar equipamento, agressão física ou verbal, pedir para verificar o celular, obrigar um jornalista a testemunhar na delegacia e prisões ilegais para averiguação ou por desacato.

    Dia 2: Desinformação, colaboração jornalística, vazamentos e dados, e repórter como alvo

    No segundo dia de 3i, os workshops deram espaço para as mesas de debate. Apresentadas pelas instituições organizadoras, as mesas contaram com temas diversos e ao menos três jornalistas, além dos mediadores, para debater tais assuntos. Em todas elas sempre tinha, pelo menos, um jornalista estrangeiro.

    “Hache” Ariel Merpet, do argentino Chequeado, participou da mesa de abertura do segundo dia | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    A primeira mesa, apresentada pela Agência Lupa e Nova Escola, tratou da desinformação e das fake news. A mediação foi de Gilberto Scofield, da Lupa. Os jornalistas convidados foram: Tania Montalvo, do Animal Político (México), Adriana Barsotti, do Projeto Colabora, e “Hache” Ariel Merpet, do Chequeado (Argentina).

    No debate, Ariel Merpet contou como o Chequeado lida com as questões de fake news. “Há pessoas que não vamos conseguir alcançar, pois estão com idades que não vão ser atingidas. Por isso, tentamos imunizar todos que podem aprender a participar do debate público. Ensinar os jovens que estão preparados e capacitar os jornalistas para checagem de dados nas eleições”, explica Merpet.

    Adriana Barsotti, que além de fazer parte do Colabora é professora na UFF (Universidade Federal Fluminense), do Rio, trouxe alguns dados sobre desinformação. “Quanto mais a gente ouve um boato, mais se acredita nele. Se você ouve de seis pessoas diferentes, ele vira verdade. Procuramos argumentos que dizem aquilo que queremos acreditar. Para piorar, temos uma memória seletiva, então quando repassamos um boato escolhemos o que tem a ver com a nossa ideologia”, conta Barsotti.

    Tania Montalvo, do Animal Político (México), Adriana Barsotti, do Colabora, e Ariel Merpet, do Chequeado | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Já Tania Montalvo contou um caso de sucesso do Animal Politico e outros veículos do México para que as notícias falsas não atrapalhassem o resultado das eleições. “A desinformação não está só no meio digital. Então fizemos textos longos, didáticos, e manuais de conduta para que as pessoas levassem no dia da eleição. Também fizemos vídeos com animações e ilustrações divertidas”, narra Montalvo.

    O alcance da campanha contra a desinformação no México teve um alance gigantesco. No site criado para a campanha, foram mais de 5,4 milhões de visitas. No período das eleições, o site do Animal Politico teve 10 milhões de acessos. Com os conteúdos educativos, o engajamento nas redes sociais passou de 90 mil. Só no primeiro vídeo o número de compartilhamentos bateu a casa dos 20 mil. A campanha integrava televisão, rádio e os jornais locais, além das redes e dos portais digitais.

    “É importante dialogar dentro e fora da internet, trazer para a vida real, pois, para combater a desinformação, é preciso envolver as pessoas, ouvir o que o cidadão quer saber. Não podemos deixar as ferramentas digitais de lado, pois as pessoas também estão lá muito pela falta de credibilidade da imprensa”, conclui Tania.

    A segunda mesa do dia, apresentada pelo Projeto Colabora e pela Agência Pública, trouxe a colaboração jornalística para o centro das discussões. A mediação foi de Agostinho Vieira, do Colabora. Os jornalistas convidados foram: María Teresa Ronderos, do El Clip (Colômbia), Natalia Viana, da Agência Pública, e José Roberto de Toledo, da Revista Piauí.

    José Roberto de Toledo, editor-executivo da Revista Piauí, participou da mesa sobre colaboração no jornalismo | Foto: José Cícero da Silva/Ponte Jornalismo

    María Teresa, diretora do El Clip, falou sobre os principais problemas da Colômbia: lavagem de dinheiro com cigarro, investigação nas eleições e conflito armado, além de explicar a criação do Clip, que reúne matérias sobre os assuntos que mais preocupam os colombianos.

    José Roberto de Toledo, editor-executivo da Piauí, contou como foi o trabalho dos mais de 400 jornalistas, de 100 veículos diferentes, na colaboração jornalística que originou o Panamá Papers, uma das maiores investigações de casos de corrupção da história. Segundo Toledo, foram mais de 11,5 mil arquivos registrados por 40 anos que chegaram na mão do time responsável pela publicação do escândalo de corrupção. O resultado foi tão grande quanto a apuração: queda de governantes, investigações policiais em 82 países, 1,2 bilhões de dólares recuperados, empresários presos, leis mudaram e 19 prêmios internacionais.

    Natália Viana, codiretora e editora da Agência Pública, trouxe dicas para um bom trabalho colaborativo. Para ela, é preciso ter paciência, acordos verbais e por escrito, flexibilidade, decisões em conjunto, compreensão dos ritmos, perfis e necessidades de cada parte envolvida na parceria.

    No intervalo da segunda e da terceira mesa, uma mini palestra da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, ocupou o stand do Facebook Journalism Project, que tratou de um caso de sucesso de financiamento coletivo.

    Karol Coelho e Anderson Meneses falam sobre o projeto “Minas da Várzea”, da Agência Mural | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Anderson Meneses e Karol Coelho, cofundadores e diretores da Mural, falaram sobre a HQ “Minas da Várzea”, que nasceu de um financiamento que arrecadou R$ 5.414 com 140 apoiadores. Com o dinheiro, eles conseguiram imprimir 9 mil exemplares da HQ que foram distribuídas em locais como a Comic Con 2018 e a Perifacon 2019.

    Na sequência, a terceira mesa, apresentada pela Agência Pública e Repórter Brasil, abordou a temática do trabalho jornalístico em vazamentos de dados. A mediação foi de Natália Viana, da Pública, e a mesa contou com Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, André Campos, do Repórter Brasil, e Giannina Segnini, da Columbia University Data Journalism/ Investigative Journalism (Costa Rica).

    Glenn Greenwald falou bastante sobre a “vaza-jato”, um dos maiores vazamentos de dados da história brasileira e cravou: “Temos obrigação como jornalistas de divulgar informações de interesse público”.

    Para Giannina Segnini, os dados devem ser vistos como um adicional ao trabalho do jornalismo, não como ponto central. “Por mais que as histórias sejam de interesse público, é preciso apurar o que está sendo vazado. Os dados são uma ferramenta a mais que temos na caixa de ferramentas do jornalismo”, argumenta Segnini.

    “Os dados são uma ferramenta a mais”, diz Giannina Segnini, da Columbia University Data Journalism/Investigative Journalism (Costa Rica) | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Para finalizar o segundo dia de Festival 3i, rolou a mesa “Quando o repórter vira alvo”, apresentada pel’O Eco e pelo Congresso em Foco. Quem mediu a mesa foi Samantha do Carmo, do Congresso em Foco. O time de jornalistas do debate contou com Fabiano Maisonnave, da Folha de S. Paulo, Nelly Luna Amancio, do Ojo Público (Peru), e Chico Otávio, d’O Globo.

    Fabiano Maisonnave contou um pouco sobre importantes coberturas que fez para a Folha, incluindo o massacre no presídio de Manaus, no Amazonas, as violências recorrentes em Altamira, no Pará, e ameaças constantes de morte que recebe.

    Nelly Luna Amancio explicou o atual contexto do Peru, em que os maiores riscos de ameaças de morte vem de pautas que denunciam a mineração ilegal, narcotráfico – onde o país disputa com a Colômbia, e tráfico de madeira. Já processos judiciais ocorrem quando as temáticas são corrupção e máfias organizadas.

    Fabiano Maissonave, da Folha de S.Paulo: constantes ameaças de morte por atuar em áreas de conflito | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Nelly contou um dos casos que o Ojo Público teve que enfrentar. Por causa de uma reportagem que denunciava o envolvimento de uma candidata à presidência, Keiko Fujimori, do partido Fuerza Popular, que, segundo denúncias tinha ligação com o narcotráfico, um juiz ordenou que o Ojo tirasse uma matéria do ar.

    A justiça também bloqueou computadores de jornalistas que participaram das investigações. O processo judicial, sem notificação, custou 200 milhões de dólares. Como o primeiro processo não foi notificado, o Ojo Público foi atrás e descobriu mais 10 denúncias não notificadas no valor de 600 milhões de dólares contra o veículo.

    Além disso, Nelly trouxe para discussão como é mais complicado para repórteres mulheres lidarem com pautas investigativas do que para os repórteres homens. “Eu nunca vou para uma pauta complicada com uma fotógrafa mulher. É uma decisão estratégica ir com um homem, pois na área da matéria podemos perder o sinal, ficar sem contato com a redação. É importante, como mulher, pensar: quem além do diretor de redação precisa saber onde eu estou? Temos que considerar isso. O maior medo para uma repórter mulher, além do assassinato, é o estupro”, declara.

    Chico Otávio, repórter d’O Globo que cobre a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, contou como é difícil a cobertura de segurança pública no Rio de Janeiro: milícia é pior que o tráfico. “A gente não sabe direito o risco que está correndo. É hora de discutir como se prevenir, é hora de saber como agir e como reagir”, defende Chico. “A segurança pública do Rio não é para armadores. O que me preocupa é o futuro, em relação a liberdade de imprensa”, completa o repórter.

    Dia 3: Diálogo com a audiência, novos modelos, cobertura de cidades e diversidade nas redações

    O terceiro e último dia foi o mais agitado do 3i, com debates quentes sobre a necessidade urgente de mais pessoas negras e periféricas dentro das redações. Também foi o dia que a Ponte apresentou duas mesas.

    Na entrada da Fundição Progresso, um espaço organizado pela Énois e promovido pelo Google News Initiative trouxe novas iniciativas, com destaque para as produções da quebrada, para dialogar com os participantes do 3i. A Ponte conversou com um deles, o “CDD Acontece”.

    Google Initiative trouxe projetos inovadores, especialmente da quebrada, para o festival | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Carla Siccos, fundadora do CDD Acontece, canal de mídia comunitária da Cidade de Deus, uma das favelas cariocas localizada na zona oeste do Rio de Janeiro, conta que a criação do canal surgiu quando ela começou a andar pela favela procurando coisas para o filho dela fazer, já que ele era uma criança muito ansiosa.

    “Nessa busca eu encontrei muita coisa dentro da Cidade de Deus, mas muita gente não conhecia. Um dia estava conversando com a minha mãe e a minha prima, e minha prima falando que iria embora porque tinha que acordar cedo no outro dia para ir no centro da cidade resolver tal coisa, foi quando eu disse ‘cara, isso você pode resolver aqui na Cidade de Deus’. Nem minha mãe sabia que isso resolvia lá e era na porta da casa dela”, relata.

    Carla completa que não faz jornalismo só para o mundo ver uma Cidade de Deus diferente do filme, mas para que os moradores sintam pertencimento. “A ideia sempre foi fortalecer o comércio local, gerando emprego e renda. Eu não sou cria da Cidade de Deus, eu sou nascida e criada no Morro da Serrinha, em Madureira, fui morar no CDD com 13 anos, mas essa é a minha missão, melhorar o dia a dia da comunidade”, explica.

    Do outro lado, no auditório, começavam os debates do dia. A primeira mesa do domingo contou com uma discussão importante para o futuro do jornalismo: “Crescimento, engajamento e relevância: o que vale no diálogo com a audiência”, apresentada pelo Nexo.

    A mesa foi composta apenas por mulheres, entre elas Millie Tran, do New York Times (EUA) | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Com mediação de Marina Menezes, do Nexo, mesa contou com um time de mulheres – a única mesa composta só de mulheres: Millie Tran, do New York Times (EUA), Danisbel Gómez Morillo, do Efecto Cocuyo (Venezuela), e Ana Freitas, da agência de marketing e negócios New Content.

    Ana Freitas, que por muito tempo atuou como jornalista no Nexo e hoje faz parte da agência de marketing New Content, chama a atenção para a importância dos dados no jornalismo: é mais fácil ensinar um jornalista a usar um dado do que ensinar alguém da área de exatas a contar uma história.

    “Devemos olhar o que os influenciadores estão fazendo. Os dados servem para mostrar soluções, eles mostram o que não devemos fazer. Eles são ferramentas importantes para tomadas de decisões”, argumenta Freitas.

    Para Danisbel Gómez Morillo, do Efecto Cocuyo, da Venezuela, determinar a plataforma ideal nos leva a entender o público. Ela lembra que os três países representados na mesa, Brasil, Estados Unidos e Venezuela, enfrentam o mesmo problema: presidentes que atacam jornalistas. Por isso, para Danisbel, o jornalismo está em um momento delicado nesses lugares.

    “Temos que mostrar, de maneira humilde e pessoal, a importância do nosso trabalho para a cidadania e para a liberdade de expressão. Temos dois desafios: falar com uma população que tem acesso à internet e falar com uma população que não tem acesso à internet. Precisamos falar com todos”, crava Morillo.

    Plateia acompanha uma das mesas do Festival 3i | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Millie Tran, repórter do New York Times, traz para o debate a importância de o jornalista pensar também redes sociais. Segundo ela, os 600 jornalistas do NYT pensam nos dados e nas análises das redes.

    “Os dados não vão te dizer o que fazer, mas eles ajudam a mostrar teorias, ver picos de audiência para comparar as informações. Mais de 70% das pessoas acham que os jornalistas pagam pelas histórias. É mais provável que as pessoas compartilhem informações falsas na internet, pois na internet tudo parece real. Então temos que mostrar por que o que fazemos é importante, mostrar que sabemos o que fazer”, conclui Tran.

    A segunda mesa, apresentada pelo Poder360 e com mediação de Mateus Netzel, tratou sobre a receita dos novos modelos de jornalismo. Janine Warner, da SembraMedia (Argentina), Tiago Barra, da d.Forest/Cappra Institute for data Sciences, e Rogério Galindo, da Plural.jor, discutiram opções de novos negócios e como mantê-los.

    A terceira mesa, apresentada pela Ponte e pela Énois, trouxe Elvira Lobato, experiente jornalista que hoje trilha carreira independente, e que atua na região dos desertos de notícias de Minas Gerais e Alagoas, para dialogar com Raull Santiago, comunicador e integrante do Coletivo Papo Reto, e Darryl Hollyday, do City Bureau, de Chicago (EUA). O tema foi a cobertura das cidades fora das redações tradicionais. A mediação foi de Maria Teresa Cruz, editora e repórter da Ponte.

    Da dir. para a esq.: Elvira Lobato, Raull Santiago, Darryl Hollyday e Maria Teresa Cruz | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Raull Santiago, comunicador das favelas cariocas, chegou no Festival 3i chamando a atenção para a necessidade do jornalismo de incluir comunicadores e jovens jornalistas negros, periféricos e favelados em grandes festivais. “Quem é preto e favelado aqui na plateia? Pra mim, vocês são o maior exemplo do que é inovador, inspirador e independente”, crava Santiago.

    “Nascer favelado é ter que sobreviver. A gente não é mais fonte. Não é que a gente não alcança, não tem engajamento. É que o país é racista, preconceituoso e nos breca”, critica Raull.

    Em determinado momento, que, atendendo a pedido do próprio Raull, algumas pessoas da plateia levantaram. Graças ao apoio de organizações e empresas “patronos” foram disponibilizados 61 ingressos para comunicadores comunitários, selecionados por chamada pública. Além de jovens das favelas cariocas, foram apoiados comunicadores de outras cidades, como Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB), Olinda (PE), Palhoça (SC), Pelotas (RS), Rio Grande (RS), Vitória da Conquista (BA), Mariana (MG) e Niterói (RJ).

    O comunicador Raull Santiago questiona por que os coletivos e mídias periféricas não estão no palco do 3i | Foto: José Cícero da Silva/Festival 3i

    Para Santiago o jornalismo periférico não fala só sobre violência e morte. “A gente cria, fala sobre soluções, fala sobre tudo. Pra cada uma das mesas desse evento, tinha um jornalista favelado que poderia ter sido chamado para falar sobre o tema”, argumenta.

    Darryl Hollyday, da City Bureau de Chicago, nos Estados Unidos, conta um diferencial da iniciativa. “Nossa editora vai para o café uma vez por semana falar não só com jornalistas, mas com quem quer trazer coisas das comunidades”, revela Darryl. “Como nós jornalistas dividimos nosso poder com as pessoas? Informando, engajando e equipando”, completa.

    Informar, engajar e equipar: o jornalismo como ferramenta é o que trouxe Darryl Holiday | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    Para finalizar as mesas de debate e o festival, rolou uma discussão sobre a falta de diversidade dentro das redações. Quem apresentou essa mesa foi o Marco Zero Conteúdo e a Ponte.

    Com mediação de Carolina Monteiro, do Marco Zero, os jornalistas convidados para falar sobre o assunto foram André Santana, da Mídia Étnica e do Portal Correio Nagô, Paula Cesarino Costa, editora de Diversidade da Folha de S. Paulo, Matías Máximo, da Cosecha Roja (Argentina), e Pedro Borges, do Alma Preta.

    Pedro Borges, fundador e editor do Alma Preta, criticou a ausência de pessoas negras para falar no 3i. Segundo um levantamento feito por ele, dos 42 palestrantes apenas 7 eram não-brancos. Paula Cesarino Costa foi a única mulher negra a falar no 3i.

    “O jornalismo independente não pode reproduzir a mesma lógica que a grande imprensa. Não existe a possibilidade de se construir democracia no Brasil sem diversidade”, critica Pedro Borges.

    “É preciso que se construa espaços e mesas antirracistas, que faça o questionamento das estruturas econômica, política e social do país, dos lugares e espaços que são ocupados”, desafia o editor do Alma Preta.

    André Santana, do Mídia Étnica e editor do Correio Nagô, questiona a plateia sobre a diversidade na hora de fazer uma entrevista para uma matéria. “Nós, negros, temos muito a falar para além do tema da diversidade. Podemos falar sobre muita coisa”, anuncia.

    Matías Máximo, da Cosecha Roja (Argentina), Paula Cesarino Costa, editora de Diversidade da Folha de S. Paulo, André Santana, da Mídia Étnica e do Portal Correio Nagô, e a mediadora Carolina Monteiro, do Marco Zero | Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública

    “Queria perguntar, para vocês repórteres, quando vocês tiveram oportunidade de entrevistar uma pessoa negra que não estivesse no contexto da violência, da criminalidade, do combate às drogas. Já conversaram com uma mulher negra sobre ciências, saúde, educação, políticas públicas, relações internacionais, empreendedorismo, nanotecnologia?”, indaga.

    O único participante do 3i que trouxe a perspectiva LGBT+ para o evento foi Matías Máximo, da Cosecha Roja. Matías contou como a Cosecha aborda questões da comunidade LGBT+, principalmente as pautas trans.

    Paula Cesarino Costa, editora de Diversidade da Folha de S. Paulo, também critica a ausência de pessoas negras nos veículos. “A mídia brasileira está muito atrasada nessa busca pela diversidade, se comparamos fora do Brasil e em outras áreas. É evidente que diversidade é uma necessidade urgente. Eu dei uma olhada nas redações das mídias organizadoras desse evento e, apesar de ter pessoas jovens, também não é muito diferente da mídia tradicional. Hoje, no Brasil, a questão de raça e cor é a mais urgente”, crava Paula.

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