Doria promete mudar protocolos da PM, mas especialistas criticam histórico repressor

    Governador muda discurso após defender ação da tropa em massacre de Paraisópolis; ativista questiona diferença entre discurso e prática

    Doria prometeu mudanças nos protocolos, o que é questionado por especialistas | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

    O governador do estado de São Paulo João Doria (PSDB) mudou seu discurso quanto as práticas da PM pela repercussão do massacre em Paraisópolis, quando nove jovens morreram pisoteados em ação da polícia durante um baile funk. Se antes defendia a tropa sem pensar duas vezes, agora o tucano prometeu rever os protocolos de ação. Para especialistas, prática diferente do que foi feita e aplicada durante seu mandato.

    “PM e Polícia Civil foram orientadas para rever protocolos e identificar procedimentos que possam melhorar e inibir, senão acabar, com qualquer perspectiva da utilização de violência e de uso desproporcional de força em qualquer acontecimento”, declarou Doria, em discurso diferente da fala sobre “preservar” os policiais envolvidos na ação.

    Enquanto governador, Doria seguiu uma linha dura na segurança. Prometeu os “melhores advogados” para defender policiais que matassem em serviço, nomeou um PM que atuou no massacre do Carandiru para comandar a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) e vetou a criação de um órgão para o combate de tortura. Ainda em 2019, impôs um decreto para limitar o direito à manifestação e viu sua polícia aumentar e letalidade policial sem criticar os número. Ao contrário, Doria os releva quando debate o assunto.

    Anteriormente como prefeito da cidade de São Paulo, impôs ações truculentas da GCM (Guarda Civil Metropolitana) contra a população de rua e dependentes químicos na cracolândia, os quais queria internar sem a sua própria vontade. Chegou a dizer que a guarda fazia um trabalho “humano e primoroso” ao comentar quando um GCM quebrou o braço de uma pessoa em situação de rua. Se aliou ao governador da época, seu padrinho político Geraldo Alckmin (PSDB), na repressão a um protesto de professores contrários ao projeto de previdência municipal.

    Dessa vez, o político mudou o tom plenamente apoiador das práticas da tropa, mas ainda reforçou a ideia de que não se pode generalizar uma ação específica e protegeu a PM. A defendeu, inclusive, quando questionado sobre a crescente letalidade policial, por ele explicada pela “maior presença da polícia” nas ruas. “A letalidade, ainda que não desejada, ela também nessas circunstâncias pode pontualmente ser ampliada”, explicou.

    No entanto, considerou “inaceitável que a melhor polícia do Brasil utilize de violência ou de força desproporcional e desnecessária sobretudo quando não há nenhuma reação de agressão”. A mudança de tom é questionada por especialistas que atuam na área de segurança pública, que relembram os discursos e as ações promovidas por Doria antes do massacre de Paraisópolis.

    “Como governador, o Doria promove isso, dá declarações dando a tônica de como sua polícia agiria”, relembra Douglas Belchior, integrante da UneAfro Brasil e da Coalizão Negra. “O Doria reafirma a ideia da promoção de segurança pública violenta e genocida. Logo, podemos dizer que ele é responsável, sim, pelo assassinato dessas crianças e adolescentes em Paraisópolis”, critica.

    Para o representante da Coalizão, o tom diferente adotado pelo governador é uma vitória causada pela pressão popular contra a “barbárie imposta na política de segurança”. “Entre falar e fazer, entre palavras e ações, tem uma distância enorme e é perito e especialista em prometer e não cumprir suas promessas”, afirma Belchior.

    Segundo ele, é preciso que a sociedade seja ouvida nesta alteração de protocolos da PM. Sem isso, o efeito será nulo. “O controle externo é fundamental, fortalecimento das instâncias como Ouvidoria das policias, Defensorias Públicas. Óbvio que tem que mudar protocolos da prática, mas precisa se alimentar no que se tem acumulado pelos movimentos de direitos humanos”, continua.

    Presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Renato Sérgio de Lima vai na mesma toada. “[A fala de Doria] Soa como discurso. A polícia é extremamente autônoma, e entrou em parte dela o espírito de ‘bandido bom é bandido morto’. E polícia autônoma sem controle… Bastou o soldado da ponta, da Rocam, para uma situação virar uma crise”, exemplifica.

    O entendimento de Lima é de que os próprios comandantes estão perdendo o controle da tropa. “É preciso que garantir que o protocolo seja cumprido, que tenha comando, supervisão, que o sargento e o tenente cobrem resultado, digam ‘não é assim’. isso é comando, não é política. Não é o Doria, é a secretaria da segurança”, prossegue.

    Renato aponta que o governo de Doria colocou como política de segurança o confronto com a ampliação dos Baeps pelo estado. “Tem questão de doutrina, a de ir para cima, de enfrentamento com superioridade tática e operacional. Não é pela via da mediação, pelo patrulhamento territorial, é, estando diante do problema, você vai e acaba com o problema”, continua.

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