‘Sumiços forçados continuam’, diz irmã de desaparecido há 12 anos

    Evento do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, em SP, teve presença das Mães de Maio e destaque para o trabalho de identificação das ossadas do cemitério de Perus

    Fran, que integra o Movimento Mães de Maio, procura o irmão faz 12 anos | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    “Não velar meu irmão é muito doloroso. Eu não durmo mais há 12 anos, tenho que tomar remédio para conseguir dormir. Meus pais ainda hoje ficam muito abalados nas datas de aniversario, de finados… É uma ferida aberta para sempre, porque a gente não teve oportunidade de velar, enterrar meu irmão, ter um túmulo para recorrer na hora da saudade”, afirma Francilene Gomes, integrante do Movimento Mães de Maio.

    O irmão dela, Paulo Alexandre Gomes, é um dos quatro desaparecidos de maio de 2006, quando as forças de segurança, sob alegação de responder os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), fizeram mais de 500 civis vítimas. “O que mais nos indigna é que isso esteja acontecendo em pleno regime democrático”, declara Francilene à Ponte durante evento no Memorial da Resistência, em São Paulo, pelo Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, instituído em 2010 pela ONU (Organização das Nações Unidas). A plateia era majoritariamente formada por estudantes da rede municipal.

    Estudantes da rede municipal de ensino participaram do evento | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    “A gente ainda precisa marcar essas datas para dizer para a população, para a sociedade: o desaparecimento forçado ainda acontece. Principalmente nas periferias, contra a juventude negra e pobre. No caso do meu irmão, isso foi feito pela polícia militar, por agentes da ROTA [Rondas Ostensiva Tobias de Aguiar, considerada tropa de elite da PM paulista]. Ou seja, feito por quem deveria nos proteger. E o silêncio do Estado, a engrenagem da injustiça, a gente não ter resposta do poder judiciário, tudo nos indigna”, desabafou.

    Nenhum dos policiais suspeitos de envolvimento com o desaparecimento do irmão de Francilene foram denunciados, o caso foi arquivado no âmbito da Corregedoria e, agora, a família espera o processo de indenização contra o Estado, que ainda corre na Justiça.

    Exposição do Memorial traz os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    A promotora de Justiça Eliana Vendramini declarou que há 28 mil desaparecidos no estado de São Paulo. “Esses desaparecidos da democracia, não por acaso, tem uma cara especialmente pautada por sua cor, pele, gênero, vulnerabilidade, não necessariamente econômica. É vulnerabilidade de ausência de educação, de Estado. Não dá para comparar a manteiga que eu comi hoje ou que não comi porque não quis com a manteiga que alguém não comeu porque não tinha. Não dá para igualar os desiguais”, afirmou.

    Eliana destacou o trabalho que tem sido feito pelo GTP (Grupo de Trabalho de Perus) dedicado à identificação dos restos mortais encontrados em 1990 na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, Grande São Paulo, em grande parte vítimas da ditadura militar. “Pelo menos 3 mil pessoas enterradas como indigente foram identificadas. O Estado desapareceu com elas. Isso é desaparecimento forçado por omissão. A quem interessa não avisar a família?”, provocou.

    José Gregori e Eliana Vendramini falam aos jovens | Foto: Ségio Silva/Ponte Jornalismo

    Um dos homenageados da data foi o ex-preso político morto em 1971 pela Ditadura Militar e enterrado em vala comum como indigente, Dimas Casemiro. As ossadas dele foram identificadas em fevereiro deste ano e nesta quinta-feira (30/8) a família pode fazer seu enterro em Votuporanga, interior de São Paulo.

    Para a secretária municipal dos Direitos Humanos, Berenice Gianella, é preciso aprender com a história para que “o que foi ruim não se repita”. “O trabalho que o Memorial da Resistência faz, datas como esta [Dia das Vítimas de Desaparecimentos Forçados] mostram que no Brasil também tivemos episódios de desaparecimentos forçados, de tortura e que não queremos que isso se repita ou ainda que não continuem acontecendo”, afirmou.

    Ao falar sobre violência policial, Berenice disse que na Polícia Militar, como em qualquer outra instituição, há pessoas gabaritadas e outras nem tanto. “A gente tem que lutar sempre para que a polícia militar e a GCM, no caso de São Paulo, sejam treinadas e conheçam os direitos humanos, para que tenham respeito às pessoas que são abordadas”, declarou.

    Berenice Gianella destacou que é importante PM e GCM aprenderem sobre direitos humanos | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    O ex-ministro da Justiça de FHC e idealizador do Plano Nacional dos Direitos Humanos em 1996, José Gregori, também participou do evento e fez questão de destacar aos jovens da plateia a importância de reconhecer o regime militar como um episódio lamentável da história do Brasil. “A minha geração foi marcada pelo tempo em que foi noite no Brasil. Em que nenhuma luzinha democrática estava acesa, a não ser aquelas que ousaram ser acendidas por pessoas que arriscaram a própria vida para iluminar esse caminho de volta a democracia”, disse. 

    Sem declarar apoio à candidaturas, Gregori afirmou que o país vive uma crise, mas que ainda vivemos em um regime democrático e a prova disso são as eleições. “São uma conquista dos direitos humanos. Ninguém me contou, eu vi na prática que os direitos humanos funcionam. Acreditem. E nós temos que apoiar aqueles que são realmente a favor dos direitos humanos e aqueles que não respeitam devem ser repudiados. Não quero fazer proselitismo aqui, mas esses [candidatos que atacam os direitos fundamentais] não vão acrescentar nada de bom para o país. Todos os candidatos têm apresentado propostas valorizando excessivamente a economia e esquecendo ou deixando em segundo plano os direitos humanos”, criticou.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas