Em 18 dias, duas ações da PM na mesma favela deixam 8 mortos

    Relatos apontam que policiais do Batalhão de Bangu têm feito ações constantes na Vila Kennedy, no RJ; vítimas eram homens negros e tinham entre 19 e 28 anos

    CInco jovens negros morreram nas ações da PM | Foto: Arquivo/Ponte

    Em meio a pandemia da Covid-19, moradores da favela Vila Kennedy, em Bangu, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, sofrem também com as operações do 14º Batalhão da Polícia Militar (Bangu). De acordo com eles, os tiroteios são recorrentes e cinco pessoas morreram no último domingo (26/4). Segundo a polícia, o objetivo era acabar com o evento que acontecia no local.

    No dia 8 de abril, uma outra operação deixou mortos, incluindo um adolescente de 17 anos. Segundo a Rede de Observatórios de Segurança Pública, a ação do batalhão deixou três mortos. Ou seja, 8 pessoas foram mortas em 18 dias. O aplicativo Fogo Cruzado também informa o mesmo número de mortes.

    “No sábado [25/4] fizeram uma incursão que começou por volta das 20h30. O veículo blindado entrou na comunidade e houve troca de tiro. A polícia diz que era pra proibir evento, mas qual? Não teve nada aqui fim de semana”, disse um morador da Vila Kennedy que não quis se identificar por medo de represália.

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    “A galera do tráfico proibiu qualquer tipo de evento na rua por causa da quarentena, até feira. A polícia entrou e matou dois meninos. Depois, eles desceram do veículo blindado e, ao invés de levar os dois corpos, fez um morador colocar um dos corpos dentro do blindado e o outro menino ainda estava vivo. Eles mataram”, completou ele.

    “Os policiais fizeram uma troia [quando se escondem para surpreender os criminosos] em cima das lajes das casas em uma região aqui da comunidade chamada Manilha. Eles atiraram nos outros três meninos que estavam passando na hora”, conta o morador. “Tem carro de morador atingido, a associação de moradores tem marcas dos tiros também”, explica.

    Morreram em decorrência das operações Estevão Freitas de Souza Aguiar e Jonathan da Costa Gonçalves, ambos com 28 anos, Matheus Alves Vicente, 19, Pedro Henrique Felix Pinto, 21, e Gabriel Marques Cavalcante, 22.

    Marcas de disparos dos policiais, segundo moradores | Foto: Arquivo/Ponte

    O morador que conversou com a Ponte através de WhatsApp, em 8 de abril, afirma que, no dia 8 de abril, o adolescente foi morto por policiais do 14º BPM que entraram na comunidade à paisana. “Não foi operação. Eles vieram e mataram. Essa nova gestão do 14º BPM gosta de matar”, concluiu.

    Segundo a cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança Pública, Silvia Ramos, o que está acontecendo na Vila Kennedy é um processo “muito complexo”. Em um contexto de guerra entre facções, envolvendo tráfico e milícias, nos dois lados da avenida Brasil, a região é muito sensível e a polícia, ao invés de entrar para reduzir os problemas das disputas faccionais, entra e produz mais violência.

    “É muito grave o cenário. O 14º BPM é o quarto batalhão mais letal do Rio de Janeiro. São 27 vítimas de janeiro a março deste ano”, cita. “É uma dinâmica recorrente onde a gente vê que depois de acontecimentos como esse, de várias mortes, ao invés de haver uma reavaliação da política de segurança pública, o que a gente verifica é que os comandos valorizam esse tipo de operação com alta letalidade”, explica Silvia.

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    “Não só o comando do 14º BPM, nesse caso, mas o comando geral da Polícia Militar do estado. Eles declaram que tudo bem, tudo sob controle, que essas pessoas confrontaram a polícia e o resultado foi este”, completa a cientista. 

    A Polícia Militar do Rio matou 1.827 pessoas ano passado, o primeiro sob o comando do governador Wilson Witzel (PSC). “Nós não aceitamos que ela substitua ações de inteligência, investigação, com violência letal. Esse modelo de operações na porta das favelas, nas entradas, nas franjas, cada vez empurra os grupos armados mais para dentro”, critica Silvia.

    “Esse modelo tem alto índice de letalidade e baixa efetividade. Essas operações não contribuem, a polícia sai e volta e mata mais gente em um processo incessante, circulo vicioso que nunca fragiliza os grupos armados, traficantes e milicianos, pelo contrário, a polícia acaba sendo parte do processo”, complementa.

    Casas seguem com marcas dos tiroteios | Foto: Arquivo/Ponte

    Ainda de acordo com a cientista, na região do 14º BPM as mortes decorrentes de operação policial representam 44% das mortes em geral. Quase a metade das pessoas foi morta pela polícia naquela área.

    “Não é possível que a polícia justifique esse resultado com operação, acidente, não foi um fato que aconteceu fora da curva. É um fato que contribui para aumentar a tendência existente quando a gente verifica que 44% daquelas mortes são feitas pela polícia. Eles precisam parar de fazer o uso da força letal e substituí-la por inteligência e investigação”, finaliza Silvia Ramos. 

    A Polícia Militar informou, em nota, que no dia 8 de abril houve operação para cumprir mandados de prisão. Segundo a assessoria, seis pessoas foram presas, além da apreensão de duas granadas, drogas e rádio transmissor. “No último domingo, policiais entraram na comunidade para proibir um evento ilegal.”

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