Em cartas, internos da Fundação Casa denunciam agressões e chantagens

    Segundo adolescentes, funcionários da Fundação Casa de Diadema (SP) agridem com socos e chutes: “mandou eu pôr as mãos para trás, juntar as pernas e me enforcou”

    Ilustração: Junião/Ponte

    Adolescentes em conflito com a lei denunciam sofrer agressões físicas e psicológicas de funcionários na Fundação Casa de Diadema, na Grande SP. As denúncias foram feitas por meio de cartas, em que os internos detalham os socos, chutes e ameaças por parte dos funcionários.

    Sob a condição de anonimato, um funcionário da unidade revelou à Ponte o conteúdo dos bilhetes e afirmou que denuncia os abusos aos órgãos competentes, como Corregedoria da Fundação Casa e o Ministério Público, desde 2019, mas nada muda.

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    Os relatos de violência são por motivos banais, segundo contam. Um deles afirma ter sofrido agressões por ter falado “em um tom mais alto” quando repreendido por um funcionário da unidade.

    “O coordenador do plantão me acusou injustamente por baixar a cabeça para coçar o nariz. Eu me defendi em um tom mais alto para que ele pudesse escutar”, explica, dizendo que outros adolescentes faziam barulho no local em que estavam.

    Segundo o jovem, o diretor da unidade teria presenciado a conversa e interpretado como um ato de ignorância do adolescente junto ao profissional. “Ele segurou em minha blusa e me arrastou”, relembra.

    A agressão continuou quando saíram da presença dos demais. “[O diretor] Fez diversas ameaças, disse que iria aumentar minha pena, mandou eu pôr as mãos para trás, juntar as pernas e me enforcou”, descreve.

    Outro interno afirma que em 22 de abril brigou com outros dois adolescentes, o que teria motivado uma resposta violenta dos funcionários.

    “Surgiu o coordenador e o diretor mandando eu e os adolescentes ficarmos só de cueca no chão. Me agrediram com chutes e socos na cabeça e na costela”, conta. Depois das pancadas, teria ficado “na tranca” (isolado) por alguns dias.

    Há relatos de ações recentes, como uma ocorrida em 2 de junho, dia em que a Corregedoria da Fundação esteve na unidade para coletar denúncias de abusos.

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    Este interno que brigou com outros dois diz ter sido coagido por um profissional, o coordenador que o teria agredido, a não “falar nada do que ocorreu”. Em troca, conta que essa pessoa prometeu “um progresso para a liberdade”.

    O funcionário responsável por dar visibilidade às denúncias dos adolescentes alega ser normal ocorrerem acertos depois de casos de violência.

    “Quando o diretor bate nos adolescentes, ele acaba fazendo um acerto para mandá-los embora. Os chamavam antes de conversar com esse pessoal [Corregedoria] e os ameaçava para não entregar [as agressões]”, afirma.

    Segundo ele, os acertos tiram credibilidade dos funcionários que tentam combater os abusos. “A maioria dos adolescentes é leiga, não quer ficar três anos internado e são orientados a mentir. Nós, funcionários de pátio, somos perseguidos depois”, afirma.

    O profissional comenta ter sido alvo de retaliação. “Tentaram inverter a situação, como se eu tivesse ditado uma carta para o adolescente escrever. O diretor alega na documentação que eu quero o cargo dele”.

    Por conta das denúncias, o funcionário foi transferido para outra unidade, na mesma região de Diadema. “É um absurdo. Eu faço a denúncia e eu sou punido? Não tem lógica”, desabafa.

    Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), é incomum funcionários da Fundação Casa denunciarem casos como esse por omissão ou conivência. Por conta disso, considera ser motivo de mais atenção.

    “As denúncias são graves e envolvem atitudes do próprio diretor, além de funcionários da unidade de Diadema. Situações de maus tratos e ameaças contra internos que precisam ser apuradas”, avalia. Questionado se os relatos apontam para não só agressões, mas a prática de tortura, Castro Alves pondera.

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    “Depende da apuração para poder também se configurar tortura. Os internos precisam ser ouvidos pela Corregedoria e pelo MP. Se foram submetidos a intenso sofrimento físico e psicológico como forma de castigo, pode ser considerado tortura”, explica.

    O defensor sustenta que, para além de quem pratica, o crime de tortura é também aplicável à quem se omite. A lei de tortura, de 1997, define a ação como o ato de “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”. A punição é reclusão de 2 a 8 anos.

    A Ponte questionou a Fundação Casa sobre as denúncias feitas pelos adolescentes. Segundo a assessoria de imprensa, a Corregedoria Geral da Fundação Casa recebeu as denúncias e fez diligências para ouvir os internos “supostamente vítimas de agressões”.

    “Após colhidos os depoimentos e com a junção de outros documentos, estão em curso procedimentos administrativos para apurar os relatos de agressão, bem como as condutas de servidores possivelmente envolvidos com outras infrações funcionais, relacionadas a eventual incitação para que os adolescentes fizessem denúncias tidas como inverídicas”, diz a Fundação.

    O documento enviado ainda explica que existem procedimentos para apurar se ocorrem retaliações a funcionários que denunciam violações cometidas contra os adolescentes. “Há notícia de que alguns adolescentes denunciaram agressões a fim de prejudicar a gestão do Centro, o que também está sendo analisado pela promotoria de justiça”, diz.

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    Sobre o caso de Diadema, explica que “um agente de apoio socioeducativo foi afastado provisoriamente por conta dessa investigação, de modo a não comprometer o trabalho socioeducativo nesse Centro até a instrução e conclusão do processo administrativo”, explica.

    A reportagem também questionou o Ministério Público sobre as denúncias, que, segundo o funcionário, tem sido levada o órgão desde 2019. De acordo com a assessoria de imprensa, “há procedimento sigiloso de investigação em curso”.

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