Em dois dias, Bahia registra 31 assassinatos após execução de PM

    Indícios apontam para atuação de grupos de extermínio, que, segundo especialistas, agem especialmente em áreas periféricas quando um policial é morto

    Cabo Gustavo Gonzaga foi enterrado no domingo (10/6) | Foto: Reprodução/Rede Bahia

    A região metropolitana de Salvador, capital da Bahia, registrou um fim de semana sangrento: 31 homicídios entre a sexta-feira (8/6) e domingo (10/6). Coincidentemente, os crimes aconteceram após o assassinato do cabo Gustavo Gonzaga, executado a tiros e com partes do corpo decepadas. De acordo com especialistas em segurança pública ouvidos pela Ponte, a dinâmica aponta para ação de grupos de extermínio.

    Na madrugada de sexta-feira para sábado, por volta de 4h, o cabo Gonzaga, de 44 anos, foi vítima de uma emboscada feita por três homens no bairro Santa Cruz. A partir dessa execução, uma série de assassinatos aconteceu, majoritariamente em bairros da periferia de Salvador e cidades do entorno. O governador do estado, Rui Costa (PT), não se pronunciou sobre o caso.

    Todos os mortos são homens com idade entre 16 e 29 anos, 16 deles assassinados no sábado (9/8) e 15 no domingo. Segundo o Atlas da Violência 2018, essa é a faixa etária com mais pessoas assassinadas no país em 2016: foram 33.590 mortes, sendo 4.358 apenas na Bahia. O estado também registrou crescimento de 116% no total geral de homicídios em uma década, pulando de 3.311, em 2006, para 7.171, em 2016. Ainda segundo o levantamento, as mortes causadas por “intervenções legais” da polícia saltaram de 23 para 364 no mesmo período, aumento de 1.482%.

    “É um padrão aqui: um policial morre, alguém da comunidade vai morrer. É um acerto de contas que não passa pelo sistema oficial e é assim que, muitas vezes, os conflitos têm sido resolvidos. Vemos uma dinâmica muito perversa e que os governantes responsáveis não têm como controlar”, aponta Mariana Possas, pós-doutora em criminologia e professora da UFBA.

    Para Mariana, a reação pela morte do cabo Gonzaga chama a atenção pelo número de vítimas acima da média. “Normalmente tende a ser um pouco menor a quantidade, mas não acreditamos como mais ou menos grave. A resposta ao tipo de violência pela retaliação vem em número, não em torturas ou se equiparar como foi a outra morte”, prossegue.

    Segundo apurado pela reportagem, áudios comemorando as mortes circularam em grupos de policiais no Whatsapp. Um deles teria sido creditado ao deputado estadual soldado Prisco (PSC). Nele, um pedido para todos trabalharem juntos, “pois não podemos deixar isso em branco” e que a resposta “tem que ser dada à altura” e se colocando à disposição para “caçar esses marginais e dar a resposta”.

    A Ponte entrou em contato por e-mail diretamente com o deputado Prisco questionando a suposta autoria do áudio e não obteve resposta. Também solicitou entrevista para a assessoria de imprensa por volta das 13h desta quinta-feira, mas, até o momento, não houve retorno.

    ‘Versão baiana dos crimes de maio’

    Estudiosos apontam que não há combate dos grupos de extermínio na Bahia apesar de indícios de suas existências no estado. “Cobraram geral pela morte do cabo. A periferia está com muito medo. Pelos relatos que temos, não estão fazendo diferença de ninguém: viu uma pessoa em um lugar conhecido como ponto de drogas, estão passando o sarrafo, como dizemos aqui, dando tiro mesmo”, diz uma das pessoas ouvidas pela Ponte, que falou sob a condição de anonimato por temer represálias. “Nessa onda de mortes, muitos não tinham passagem pela polícia. É a versão baiana dos crimes de maio de 2006, em São Paulo. Pelo que estamos vendo, os indícios levam a essa hipótese”.

    Ouvidora-geral da Defensoria Pública, Vilma Reis explica que membros do órgão fizeram plantão no IML para garantir a realização de exames de corpo de delito nos mortos. Além das mortes, jovens foram baleados: o ator Leno Saramento, de 42 anos, do Bando de Teatro Olodum, levou um tiro na perna em abordagem.  na tarde desta quarta-feira (13/6), no centro de Salvador. Ele estava de bicicleta, quando um policial civil à paisana teria dado ordem de parda para abordar Leno e um amigo e, na sequência, atirado. O ator registrou queixa por racismo institucional, baseado na lei nº 7.716/89, de acordo com o advogado que o defende, Cleifsson Dias.

    Vilma Reis ainda citou um homem que foi baleado no peito. “Temos um caso na região metropolitana que a polícia estava perseguindo um carro com 2 jovens e a viatura bateu em uma casa. O rapaz da casa saiu para ver o que aconteceu e recebeu uma bala no peito. A polícia tentou colocar na conta dos meninos e o rapaz baleado foi algemado no hospital”, conta. “Em outra versão, os policiais disseram que ele estava dirigindo o carro e os meninos que atiraram. Este rapaz tem deficiência mental, estava saindo da casa da mãe para ver o que aconteceu. Tem 30 anos e não sabe dirigir”, continua.

    Como funciona o crime na Bahia

    Outro ponto que sugere a participação de grupos de extermínio nas ações, supostamente em resposta à execução do cabo Gonzaga, é a dinâmica do crime organizado da Bahia. As duas principais facções criminosas do país, a paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho) atuam indiretamente no estado.

    “PCC e CV são fornecedores de drogas. Os grupos daqui viviam um período de pacificação entre si antes da morte do PM. Não se sabe como será daqui para frente”, explica um pesquisador da área de segurança pública que pediu para não ser identificado. ” A dinâmica de violência ocorrida no fim de semana pode ser creditada muito pela resposta oficiosa dada pela morte do cabo”, segue.

    O crime organizado da Bahia se sustenta basicamente com a atuação de quatro grupos organizados: o BDM (Bonde do Maluco), com sua liderança sediada no Paraguai; a Katiara, bando que atua no entorno da capital Salvador; o CP (Comando da Paz), o grupo mais antigo de todos esses; e o Caveira. “Muitas lideranças estão voltando dos presídios federais para cumprir pena nas unidades locais”, prossegue.

    Questionada, a Polícia Militar da Bahia solicitou que a reportagem entrasse em contato com a SSP-BA (Secretaria da Segurança Pública da Bahia), que até o momento, não respondeu a solicitação. O MPE (Ministério Público Estadual da Bahia), até agora, também não se posicionou sobre algum tipo de acompanhamento das investigações.

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