Em SP, famílias só poderão entregar comida e itens de higiene a presos pelos correios

    Proibição de entrega presencial dos jumbos pretende evitar proliferação do coronavírus, mas alto custo impede entrada de itens básicos

    Sacola com itens do jumbo, como comida e água | Foto: Aimee Louise/Coletivo 011

    Um anúncio da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) feito nesta quarta-feira (25/3) fixou regras para a entrega dos jumbos, as sacolas com itens de higiene, medicações e alimentos, das famílias as presos no estado de São Paulo em meio ao combate ao coronavírus. As novas regras foram criticadas por familiares de detentos e entidades de defesa dos direitos dos presos.

    Desde a última sexta-feira (22/3), as visitas estão proibidas em todas as unidades prisionais paulistas por conta de uma decisão da Justiça. No dia seguinte, a reportagem viu famílias que voltavam para casa levando os jumbos que não puderam entregar no CDP de Pinheiros, na zona oeste da capital. Segundo o Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo, contudo, em outras unidades prisionais os jumbos estavam sendo recebidos.

    O anúncio da SAP cria uma regra geral para todos os presídios. O texto prevê que nenhum familiar poderá mais entregar os jumbos de forma presencial. O reforço ao que não é oferecido pelo Estado aos presos só será aceito se for enviado pelos correios em caixas com tamanhos específicos, podendo pesar até 12 quilos, sem produtos perecíveis, e que será aberta pelos funcionários.

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    Segundo a Secretaria, administrada pelo coronel Nivaldo Restivo neste governo de João Doria (PSDB), a intenção é amenizar a proliferação do coronavírus. Para isso, os funcionários usarão luvas e máscaras ao abrir o jumbo “após um prazo seguro”. Todos os itens devem ser postos em embalagens transparentes.

    Os pacotes de pão, bolacha, garrafas de água, sabonetes, aparelhos de barbear e medicações entrarão via entrega dos Correios. O método deve encarecer a entrega dos produtos.

    “Eu gasto R$ 30 cada vez que vou à unidade levar o jumbo do meu marido. No meu caso, entregar as mesmas coisas pelo correio fica em torno de R$ 90, R$ 120”, conta à Ponte uma familiar de reeducando que cumpre pena em Mauá (Grande SP). “A diferença é grande, né?”, completa.

    Outra familiar apoiou a medida, por levar em consideração o risco do Covid-19. “As pessoas têm que entender que, quanto menos contato uma com a outra, evita-se muita coisa. Seria egoísmo demais falar que era melhor a [entrega] presencial”, afirma. Ela conta que havia fila na última vez que esteve no presídio para levar o jumbo. “É um pouco mais caro? É. Mas é uma garantia de que estamos nos cuidando. Até por que no jumbo não entra nada perecível”, diz.

    “Se está feio aqui fora, imagina lá dentro”

    Em resposta através de sua assessoria de imprensa, a Associação de Amigos e Familiares de Presos, a Amparar, demonstrou preocupação com a proibição do jumbo presencial. “Será muito difícil os presos terem acesso aos itens básicos de higiene e alimentação dado pelas famílias. O Sedex [serviço de encomenda dos Correios] é muito caro e alguma pessoas vivem em cidades longe de onde o parente está preso”, sustenta a associação.

    Segundo o coletivo, o fato das prisões serem espaços insalubres, sem condições de isolamento, tornará ainda pior a possibilidade de prevenção À doença sem os produtos enviados pelos familiares. “Será um caos por conta desse vírus. As pessoas presas dependem do jumbo para sobreviver lá dentro. Recebem higiene, como sabão, Cândida, só dessa forma. Se a situação está feia aqui fora, imagina lá dentro”, finaliza o posicionamento.

    Uma outra forma de garantir os itens aos presos é o chamado pecúlio, dinheiro enviado pelos familiares que entra em uma espécie de conta do preso e permite que as unidades comprem o que ele solicitar. No entanto, a Amparar aponta que a atual situação do país impede esta alternativa.

    “As coisas estão sérias, temos famílias passando necessidade. Uma pessoa tem ajudado uma mulher, que tem dois filhos presos, fazia faxina e foi dispensada em meio à pandemia”, exemplifica o coletivo. “Jumbo, pecúlio… Vai ser muito difícil para os familiares. As preocupações das mulheres nos grupos só crescem. Elas rezam juntas.”

    A visão é compartilhada por Amanda Caroline Rodrigues, integrante do Programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Na sua visão, a ausência do jumbo tornará impossível adotar as medidas de prevenção que combatem o coronavírus dentro do cárcere.

    “O jumbo vem para suprir a ausência do estado no fornecimento de itens de higiene e alimentação. É de conhecimento público que o Estado não fornece esse tipo de itens”, sustenta. “Acaba que a responsabilidade de fornecer isso aos presos recai sobre as famílias.”

    Amanda considera “contraditória” a decisão de tirar o jumbo em meio à pandemia. “Usa fundamento que é necessário restringir entrada dos itens para ter medida preventiva contra uma pandemia e, ao mesmo tempo, não toma medidas alternativas para suprir a necessidade de reforçar a higienização pessoal, de que elas possam estar em um ambiente menos insalubre”, justifica.

    Contaminação no sistema

    Ao menos um caso de Covid-19 já foi registrado no sistema prisional paulista, de um agente que trabalha no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Praia Grande, no litoral. Há caso suspeito de um funcionário que atua no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário. Ele está afastado.

    Por conta disso, a SAP determinou o afastamento de todos os funcionários que integram o grupo de risco: quem tenha mais de 60 anos, os que possuem doenças respiratórias crônicas, cardiopatias, diabetes, hipertensão ou outras afecções que deprimam o sistema imunológico, conforme publicado no Diário Oficial.

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