Em três anos, número de detentos em presídio para PMs aumenta 150%

    Presídio Romão Gomes, em São Paulo, abriga detentos como Cirineu Letang, soldado da Rota e matador de travestis

    romão reproducao google

    A quantidade de policiais militares presos no PMRG (Presídio Militar Romão Gomes) aumentou 150% nos últimos três anos, segundo números obtidos com exclusividade pela Ponte Jornalismo através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os dados repassados para a reportagem revelam que, ao longo de todo o ano passado, passaram pela unidade prisional 272 PMs, ante 223 no ano anterior, 174 em 2013, 109 em 2012, 185 em 2011 e 190 em 2010.

    No Romão Gomes, localizado na rua Tenente Julio Prado Neves, no Jardim Tremembé (zona norte da cidade de São Paulo), estão os policiais que trocaram a farda cinza e as insígnias no peito e no colarinho pelo uniforme amarelo e bege grafado com as iniciais PMRG. Pelo local, pelo qual já passaram presos ilustres, como Cabo Bruno, Mizael Bispo, o Rambo de Diadema e os assassinos do menino Yves Ota.

    No mês passado, o presídio abrigava 206 presos, dos quais 95 (47%) respondiam pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio. O limite da unidade é de 306 detentos, segundo o coronel Luiz Carlos Pereira Martins, da Assessoria da Polícia Militar da Secretaria de Segurança Pública.

    Dia a dia do preso

    Dentro da unidade, o preso tem uma rotina que inclui acordar cedo, além de respeitar a hierarquia da PM, como a prestação de continência para superior, manter o cabelo aparado, barba feita, entre outras obrigações do regimento militar.

    No local, os presos ainda têm a opção de atividades profissionais, que valem para descontar dias da pena final. Podem cuidar de uma horta e têm acesso a uma biblioteca. As celas tem a pintura em dia, beliches, chuveiro e armário. Presos com bom comportamento não permanecem no regime de tranca, ou seja, podem deixar as celas e ficar em alojamentos abertos durante o dia.

    Entre os “moradores” mais conhecidos que já passaram pelo Romão Gomes está Florisvaldo de Oliveira, o Cabo Bruno, preso por 27 anos acusado de chefiar um esquadrão da morte, que assassinou mais de 50 pessoas nas décadas de 1980 e 1990, em bairros pobres como o Jardim Selma, Jardim São Jorge, Pedreira e Alvarenga, na divisa da zona sul com Diadema.

    Cabo Bruno é uma figura emblemática do Romão Gomes. Das cinco fugas registradas na casa de detenção, foi responsável por três. Na última delas, em julho de 1990, Cabo Bruno, com outros dois companheiros de cela, renderam três carcereiros do local e fugiram levando três metralhadoras , três revólveres e cerca de 100 cartuchos de munição. Após a fuga, foi recapturado em 1991.

    O ex-policial militar foi morto em 27 de setembro de 2012, exatos 35 dias após deixar a penitenciária de Tremembé. Florisvaldo de Oliveira foi executado com mais de 20 tiros na frente da esposa, em Pindamonhangaba (SP), após deixar um culto evangélico.

    Há outros nomes conhecidos da crônica policial que também vestiram as calças bege do Romão Gomes.

    Entres eles, Paulo de Tarso Dantas e Sergio Eduardo Pereira de Souza, condenados pelo sequestro e morte do menino Ives Ota, de oito anos, em 29 de setembro de 1997.

    Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, foi condenado a 65 anos de prisão pela morte do conferente Mário José Jozino, em 7 de março de 1997, em uma rua escura da favela Naval, em Diadema. Rambo cumpriu oito anos em regime fechado no PMRG.

    Mizael Bispo de Souza, condenado a 20 anos de prisão pela morte de sua ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima em 23 de maio de 2010, também passou pelo PMRG, mas hoje cumpre pena em outra unidade.

    De assassino do Carandiru a matador de travestis

    Cirineu, policial da Rota
    Cirineu, policial da Rota

    O inquilino mais antigo e talvez mais ilustre do Romão Gomes é o ex-soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Cirineu Carlos Letang, hoje com 53 anos, que cumpre pena de 44 anos e 4 meses pela morte de seis travestis e tentativa de homicídio de outra nos anos 1990.

    A PM confirmou que ele se encontra no local. Mesmo demitido da corporação em janeiro de 2002, o poder público entende que a ida para um presídio comum seria um risco para Letang. O motivo: além de matar travestis, ele é condenado pela morte de 25 presos no Massacre do Carandiru.

    Entre idas e vindas entre o PMRG e o presídio de Tremembé, no interior de SP, Letang está encarcerado há 20 anos, desde que foi preso pela primeira vez, acusado da morte de três travestis na zona oeste da capital.

    Entre suas vítimas estão duas irmãs, Vilma Félix da Silva, 24 anos, e Viena Félix da Silva, 22, que foram mortas cinco meses após Letang ter participado diretamente do massacre de 111 presos no Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992. Aliás, Cirineu é o único PM condenado pela Justiça pelo massacre que está preso (mas não pelo extermínio dos detentos).

    Viena, uma das vítimas de Cirineu
    Viena, uma das vítimas de Cirineu

    Era início da madrugada de 13 de março de 1993, quando o soldado da Rota, a bordo de um Fusca bege 1974, começou a circular pela avenida Ermano Marchetti, um local escuro e ermo na divisa dos bairros da Barra Funda e da Lapa. Segundo informações da extinta revista Já, do Diário de S.Paulo, Letang parou o carro e chamou Viena. Após combinarem o programa, ela entrou no carro e recebeu dois tiros, um no olho direito e outro nas nádegas, além de facadas que deceparam seu pênis e a orelha esquerda. Seu corpo foi abandonado na rua Emílio Goeldi, a menos de cem metros de onde havia sido abordada.

    Na mesma noite, Letang voltou à Ermano Marchetti. Sem saber que se tratava do mesmo homem que havia levado sua irmã, foi a vez de Vilma embarcar para a morte. Sua madrugada e sua noite foram ceifadas com dois tiros nos olhos. Não contente com o assassinato das duas irmãs, Cirineu matou uma outra travesti, Valéria Wilson da Silva, dez minutos depois, com dois tiros nos olhos, a cerca de 300 metros das companheiras de ponto.

    Vilma, irmã de Viena
    Vilma, irmã de Viena

    Contudo, antes que a morte das travestis da Lapa completasse 24 horas, uma testemunha surgiu no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) com a placa do Fusca. Com as informações, a polícia chegou a Cirineu Carlos Letang, 28 anos. Em sua ficha, constava uma agressão contra a esposa. Lotado na Rota, era PM desde 1985.

    Detido em 24 de março de 1993, o matador de travestis só deixou a prisão em 16 de março de 2011, com 47 anos de idade. Nem mesmo os cultos evangélicos que ele passou a frequentar, as conversas com outros PMs e as atividades desenvolvidas no presídio adiantaram.

    Na noite de 26 de maio daquele mesmo ano, 71 dias após sua libertação, retornou à zona oeste, na Rua Edgar Teotônio de Santana, na Barra Funda, onde matou com um tiro na cabeça Camila Close, 25 anos, após uma discussão por ela não ter troco para um programa no valor de R$ 50. Vinda do Maranhão, Camila sonhava em conhecer a Europa.

    O ex-policial foi preso em 30 de novembro, após investigação da Polícia Civil. Agentes da mesma época dos primeiros ataques, ao descobrirem que ele havia deixado a prisão, suspeitaram dele. Em 1º de dezembro de 1993, foi conduzido a seu fiel companheiro de 18 anos, o Presídio Militar Romão Gomes.

    A reportagem solicitou uma entrevista com Cirineu Carlos Letang, mas não teve o pedido respondido pela PM.

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