Entenda os grupos, as ideias e os símbolos da extrema-direita que invadiu o Congresso dos EUA

    Proud Boys, Oath Keepers, Q Anon, nazistas, bandeiras de Israel e da Índia: o que tudo isso representa e o que tem a ver com o Brasil

    Apoiadores de Trump invadindo o Capitólio, sede do Congresso dos EUA|Z Foto: Tyler Merbler / Wikicommons

    Um imenso protesto em favor do candidato presidencial à reeleição derrotado nos EUA, o republicano Donald Trump, se transformou em uma invasão ao Capitólio, sede do congresso norte-americano nesta quarta-feira (6/1). O protesto era contra a certificação dos votos do colégio eleitoral dos Estados Unidos ao presidente eleito, o democrata Joe Biden – seria um procedimento meramente formal, mas que virou um campo de batalha para Trump, que vem espalhando informações falsas de que a eleição foi fraudada e que seu vice-presidente, Mike Pence, seria um traidor ao não tentar interromper a votação. A balbúrdia, cujas imagens correram o mundo e que já deixou ao menos cinco mortos, vem sendo considerada uma tentativa de golpe por parte de Trump.

    Na multidão em frente e dentro do Capitólio, uma série de símbolos mostravam quem eram as pessoas que estavam ali para impedir a certificação de Biden e tentar forçar a manutenção do candidato derrotado na Casa Branca. Além de bandeiras dos EUA e da campanha eleitoral de Trump, tremulavam flâmulas amarelas com uma cobra no centro, bandeiras confederadas e até bandeiras de países como Israel e Índia.

    “O que aconteceu foi resultado de muitos anos de incentivo do Partido Republicano a grupos radicais de extrema-direita”, diz em entrevista à Ponte Carapanã, apresentador e produtor do podcast Viracasacas, um dos principais veículos brasileiros a cobrir a extrema-direita estadunidense. “É um partido sem políticas públicas, que aposta no identitarismo branco para tentar se manter no poder. Mas agora grande parte do eleitorado republicano foi sequestrado por Trump”.

    Para Carapanã, grupos de extrema-direita não são novidade na vida política dos EUA, citando a Ku Klux Klan e a Black Legion, muito ativos e organizados no período entre-guerras, e o movimento de milícias dos anos 1980 e 1990 como exemplos. “A onda atual começou após a eleição de Obama em 2008. A milicia Three Percenters foi fundada naquele ano, e os Oath Keepers, outra milícia de extrema-direita, foi fundada em março de 2009. O Tea Party, financiado pelos irmãos Koch, bilionários da indústria do petróleo, começou a protestar quase que imediatamente”. De orientação libertária, o Tea Party, que diferentemente das milícias era mais voltado à ação eleitoral, foi apontado como principal responsável pela derrota de democrata nas eleições legislativas de 2010, e os Koch, com sua fortuna de mais de 40 bilhões de dólares, financiaram o avanço da extrema-direita em todo o mundo, inclusive no Brasil.

    Leia também: Os ataques dos trolls de extrema-direita a políticas negras e LGBT+ recém-eleitas

    Esses grupos, de orientação “libertária”, abriram caminho para movimentos que se aliam mais explicitamente com o fascismo. “Em janeiro de 2011 o conspiracionista Jared Lee Loughner atirou na cabeça da deputada democrata judia Gabby Giffords (ela não morreu) e matou outras seis pessoas”, lembra o especialista. Nos anos mais recentes uma série de ataques de supremacistas brancos fizeram dezenas de vítimas no país, e para Carapanã, a violência da quarta-feira não é novidade. “Os republicanos são próximos desses grupos há muito tempo, seguem alimentando eles, mas agora vão precisar fingir que estão preocupados”, diz.

    A influência da invasão da extrema-direita ao Capitólio deve ir além da fronteira dos EUA. No Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido) prometeu que, em 2022 “vamos ter problema pior que nos Estados Unidos” se as urnas eletrônicas seguirem sendo usadas. Os grupos de chan onde muitos desses mainfestantes se radicalizaram têm versões brasileiras tão ou mais violentas do que nos EUA. A teoria da conspiração Q Anon já conta com milhares de adeptos no Brasil, com direito a acusações falsas contra ministros do STF e influência no movimento anti-vacina, e a bandeira de Gadsden já é um ícone comum em protestos da direita nacional. Dada a influência que os movimentos de extrema-direita norte-americana têm exercido na política brasileira, a Ponte lista e identifica alguns dos símbolos e grupos mais proeminentes dentro da turba que invadiu o Capitólio norte-americano:

    Símbolos

    Foto: DevinCook / Wikicommons

    Bandeira Betsy Ross: A bandeira com 13 estrelas em um círculo sobre um fundo azul e listras brancas e vermelhas é considerada uma das primeiras bandeiras dos Estados Unidos, e sua simbologia remonta à Guerra de Independência dos EUA. “A Betsy Ross não é uma bandeira necessariamente da extrema-direita. Mas é isso que eles fazem, tentam se apropriar dos símbolos e ao mesmo tempo esconder os significados que dão a eles – já fizeram isso até com o símbolo de ‘ok’”. A Betsy Ross, nesse caso, se relacionaria com um passado mítico, e os fãs de Trump que atacaram o Capitólio seguiam, entre várias, uma narrativa de que estariam participando de uma nova Revolução Americana.

    Foto: Wikicommons

    Bandeira de Gadsden: A bandeira amarela com uma cascavel e a frase “don’t tread on me” (“não pise em mim”, em inglês) também tem sua origem na Revolução Americana, mas passou a ser associada à extrema-direita desde que foi adotada pelo Tea Party. A cascavel foi usada como um símbolo dos nascentes Estados Unidos desde um cartum político criado por Benjamin Franklin, mostrando uma cobra cortada em pedaços que deveria se unir para combater o Império Britânico (e outros inimigos, como os nativos que tiveram suas terras ocupadas). A bandeira amarela teria sido criada pelo general revolucionário Christopher Gadsen e serviu como emblema dos Fuzileiros Navais Continentais que lutavam pela independência dos EUA. Na última década, passou a ser usada como símbolo contra a intervenção estatal, especialmente na questão do controle de armas, mas se espalhando para outras áreas. “Existe um caminho que vai do libertarianismo ao fascismo que vemos hoje”, diz Carapanã. No Brasil a Bandeira de Gadsen, que já apareceu em foto do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é muito associada, online, ao movimento anarcocapitalista (ou neofeudalismo) que prega uma sociedade sem Estado onde todas as interações humanas seriam reguladas pelo mercado.

    Bandeiras de Israel e Índia: Bandeiras de diferentes países, além dos EUA, puderam ser observadas durante o protesto antes da invasão do Capitólio. Uma delas, mais comum e já vista sendo carregada em protestos pró-Bolsonaro no Brasil, é a bandeira de Israel. “Pode parecer estranho que um movimento cheio de conspiradores antissemitas carregue a bandeira de Israel, mas muitos nazistas contemporâneos têm em Israel um aliado, pois acreditam que é uma espécie de etnoestado parecido com o que querem implementar nos EUA”, explica o apresentador. Além de Israel, uma bandeira da Índia foi vista em transmisões ao vivo do evento: “A Índia hoje é governada por uma direita religiosa, personificada na figura de Narendra Modi e do partido BJP, nacionalistas hindus antimuçulmanos, que têm alianças escusas com essa extrema-direita ocidental”, diz Carapanã.

    Foto: Tyler Merbler / Wikicommons

    Forca: Um grupo de manifestantes em frente ao Capitólio montou uma forca, com a qual, dizia-se, iriam enforcar os “traidores” do movimento. “É uma alusão ao ‘Day of the Rope’”, diz Carapanã. O “Dia da Corda” é um evento muito importante no livro “The Turner Diaries”, romance que funciona como uma espécie de Bíblia da direita supremacista branca dos EUA. O livro, escrito pelo nazista William Luther Pierce em 1978, retrata uma guerra civil racial no país, repleto de imagens de violência, tortura e estupro – o “dia da corda” seria o momento em que os “patriotas brancos” sairiam as ruas para enforcar os brancos “traidores da raça” (jornalistas, políticos, juízes, professores).

    Grupos

    Oath Keepers: O grupo de milicianos foi identificado por observadores especializados em extrema-direita entre os invasores do Capitólio. Especula-se que essas milícias, formadas muitas vezes por agentes ou ex-agentes de forças de segurança (policiais e membros das Forças Armadas, entre outros) teriam sido cruciais em organizar o ataque à polícia que permitiu a entrada de centenas de pessoas no Capitólio. Os Oath Keepers dizem ter feito um juramento para “defender a Constituição” dos EUA e, como muitos, acreditam que um golpe de estado seria a melhor maneira de fazer isso.

    Proud Boys: A gangue supremacista branca Proud Boys, criada pelo fundador da revista VICE Gavin McInnes, passou as últimas semanas agitando pelo protesto que culminou na invasão do Capitólio. Um de seus principais líderes, Henry Tarrio, foi preso dois dias antes do protesto e impedido de pisar em Washington, mas isso não impediu que seus seguidores estivessem presentes, porém sem as camisas da marca Fred Perry que usam como uniforme (uma escolha estética inspirada nos skinheads britânicos).

    Nazistas: “O movimento nazista nos EUA foi muito forte no entre-guerras, e a direita do país precisou ser refundada depois da Segunda Guerra para fingir que nunca teve ligação com o fascismo europeu. Porém a Ku Klux Klan, que na sua ‘terceira encarnação’, após o movimento pelos direitos civis nos anos 1960, acabou forjando uma nova aliança com os neonazistas baseada no anticomunismo a partir dos anos 1970”, explica Carapanã. Depois de Trump essa galera estava com menos medo de se esconder, até o evento Unite The Right, em 2017 em Charlotesville nos EUA, que acabou jogando muitos líderes de volta na obscuridade, apenas para ressurgirem na invasão do Capitólio – entre outros nomes, Matthew Heimbach, organizador do Unite the Right e fundador do agora extinto partido de orientação nazifascista Traditionalist Workers Party.

    Q Anon: O movimento conspiracionista que surgiu no final de 2018 no fórum de mensagens anônimas 8kun (anteriormente 8chan) esteve entre um dos mais proeminentes na invasão ao Capitólio, aparecendo em camisetas, cartazes e na figura do Q Shaman, o ator Jake Angeli, que se veste de “viking” e que apareceu em inúmeras fotos em todo o mundo como um dos “líderes” da balbúrdia. “É uma mistura de ARG (alternative reality game, jogo de realidade alternativa) com as teorias da conspiração antissemitas de sempre”, define Carapanã. No mundo dos crentes do Q Anon, Trump é um herói que vai salvar o mundo de uma cabala de abusadores de crianças formada pela elite de Hollywood e pelos líderes do Partido Democrata. Apesar de ser vendida como uma conspiração “legítima” comandada por “patriotas comuns”, muitos desconfiam que Q Anon é ligado e comandado diretamente por Trump. “Se você tem uma teoria da conspiração que beneficia uma pessoa você acha que ela é espontânea?”, questiona o especialista. O protesto e invasão da quarta-feira seria para eles a Tempestade, evento prometido pelos conspiracionistas onde Trump prenderia os traidores e os julgaria pelos supostos crimes. Depois dos eventos de quarta, plataformas como o Twitter expulsaram algumas contas de grandes nomes da conspiração Q.

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