Estudante agredido após protesto acusa PMs de forjarem provas para prendê-lo

    Secundarista foi detido com outros dois jovens por dano ao patrimônio após o segundo ato contra aumento da tarifa em São Paulo

    Jovem machucado e rendido, no momento da detenção | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Um jovem agredido pela Polícia Militar após o segundo ato contra o aumento das tarifas do transporte público de São Paulo acusa os PMs de terem colocado pedaços de pau e uma pedra em sua mochila. O estudante secundarista J.S.S. de 17 anos, foi preso com outros dois manifestantes na quarta-feira (18/1) e responde por dano ao patrimônio público.

    “Quando saímos liberados da delegacia, nossas bolsas estavam em um canto com dois sarrafos de madeira cada uma, de forma descarada, e uma pedra gigante na minha bolsa. Qualquer um que visse sabia que não cabia numa bolsa pequena como a que eu carregava uma pedra daquele tamanho”, afirma à Ponte o manifestante, que conta que carregava apenas salgadinho e refrigerante na mochila durante o ato.

    Após o ato daquela tarde, um grupo de manifestantes quebrou duas agências bancárias e depredou a estação Pinheiros, da linha amarela do metrô. Segundo o jovem, ele, a namorada e um grupo de amigos tentava ir embora pela estação quando foram perseguidos e agredidos pelos policiais. Ele conta que as agressões físicas e a pressão psicológico continuou acontecendo quando estava sendo levado para a delegacia.

    Jovem ficou com ferimentos na boca | Foto: arquivo pessoal

    “Na hora de contornar a Praça Victor Civita, carros da PM desceram. os policiais saíram da viatura e quem tava na frente começou a apanhar. O instinto que tive foi me jogar na frente pra minha namorada não apanhar. Eu uso aparelho, tomei murro no rosto, o aparelho cortou a boca, estava sangrando muito. Foi cassetada na cara, costas, barriga, braço….Foi muita cassetada”, conta J.S.S.

    A Ponte registrou o momento da prisão do jovem. Em uma das fotos, é possível ver o rosto do estudante sangrando e uma mancha na mão do policial. Outra manifestante também apanhou dos PMs enquanto gritava “Para, para, desculpa, me prende!”. Ela acabou liberada no local.

    “Eles estavam sem identificação, com touca ninja e capacete. Entraram na viatura dando risada da minha cara. Ouvi de um: ‘Como é gostoso bater em manifestante, como foi gostoso. É a primeira vez que faço isso, quero fazer mais’. Ele ficava repetindo, com a mão e o cassetete sujos de sangue, dando risada”, conta o secundarista.

    J.S.S. é estudante de uma escola de ensino médio de Suzano, cidade na Grande São Paulo. Estuda na cidade de manhã e, no período da tarde, faz um curso profissionalizante em uma Etec da Vila Madalena, em São Paulo. Ele explica que foi ao ato por ser diretamente afetado pelo aumento da passagem e não conseguir o passe livre municipal, já que mora em outra cidade. Ele garante não ter praticado a chamada ação direta, ação da tática black block.

    Momento da prisão de J.S.S. próximo à estação Pinheiros do metrô | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    O estudante não estará no terceiro ato promovido pelo MPL (Movimento Passe Livre), na tarde desta terça-feira (23/1), por conta da mãe que passou mal ao saber de tudo o que aconteceu. O fato de a prisão ter sido veiculada na televisão dividiu a família do estudante: metade diz que ele é “vagabundo, mereceu e deveria ter apanhado mais”, enquanto outra que “lutou pelo certo, aquilo aconteceu pela violência da polícia”.

    “Como isso mexeu muito com a minha família, vou parar por um tempo. A polícia me marcou. Sou secundarista, dependente dos meus pais e minha mãe ainda não está muito bem de saúde, quero preservar isso. Tenho medo da polícia. A minha sorte é que não moro no centro de São Paulo. Caso quisessem fazer algo, é muito longe ir atrás. Acho que se eu morasse aqui, correria mais perigo”, diz.

    Outro caso

    Na mesma data, a PM danificou e roubou o equipamento do fotojornalista Caio Castor, um dos fundadores da Agência Pavio e parceiro da Ponte, quando ele registrava justamente as agressões dos três jovens e as detenções.

    A SSP e PM foram questionadas, por e-mail, sobre a atitude da PM, já que Caio estava trabalhando e identificado como imprensa, além de possíveis ressarcimentos pelo dano ao instrumento de trabalho do profissional. Ainda na semana passada, a CDN Comunicação enviou nota informando que “A Polícia Militar instaurou uma investigação preliminar que vai apurar a conduta dos policiais envolvidos na abordagem”. Além disso, mais adiante na nota, a pasta disse que a corporação preza pela democracia e liberdade e que “reclamações sobre possíveis excessos, como a realizada pelo fotógrafo Caio Castor, poderão ser dirigidas à Corregedoria da Polícia Militar”.

    A Agência Pavio lançou uma campanha virtual para comprar um novo equipamento para que Caio possa voltar a trabalhar.  A meta é R$ 5 mil, valor necessário para comprar equipamento, lente e outros acessórios necessários. Até a tarde desta terça-feira, a “vaquinha virtual” já estava em 64,5%.

    Outro lado

    A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública, por e-mail enviado à CDN Comunicação, assessoria privada da pasta, e enviou as seguintes perguntas:

    1. O que foi encontrado com os três jovens apreendidos após o ato
    2. Quais elementos são usados como prova para o BO de dano ao patrimônio?
    3. Agredir uma pessoa já rendida faz parte da prática legal da PM?

    A pasta enviou a seguinte nota: “A Polícia Civil informa que na última quarta-feira (17), três jovens foram apreendidos após manifestação realizada contra aumento da tarifa do transporte público. O trio foi encontrado com um grupo praticando vandalismo em uma estação de metrô. Com eles foram encontrados paus e pedras. No 14º DP, foi registrado um B.O e solicitado exame de corpo de delito para os jovens. Durante o depoimento não foi registrada nenhuma reclamação quanto à abordagem dos policiais militares. A Polícia Militar atua para garantir o livre exercício da democracia e na defesa dos direitos das pessoas. Reclamações sobre eventuais excessos poderão ser dirigidas à Corregedoria da Polícia Militar”.

    *Atualizado no dia 23/01, às 11h09

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