Estudantes negros vão fazer intercâmbio e recorrem à ‘vaquinha’ virtual

    Eles já conseguiram tudo o que precisam para estudar fora. Ou melhor, quase: falta o dinheiro

    Allyne Andrade precisa conseguir R$ 20 mil para estudar | Foto: arquivo pessoal

    Allyne, Rhuann e Débora são exemplos de estudantes negros, que têm importantes pesquisas para o Brasil e que já conseguiram provar mérito em seus cursos para conseguir fazer intercâmbio. Mas tem um “pequeno detalhe”: falta o dinheiro para pagar a viagem. Pensando nisso, eles recorreram à ‘vaquinha’ online – campanha de crowdfunding – para cobrir os custos.

    Allyne Andrade tem 32 anos, estuda direitos humanos e faz doutorado na área na USP (Universidade de São Paulo). Ela ganhou uma bolsa da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) para estudar Direito e relações raciais e pretende ficar um ano nos Estados Unidos. A estimativa de gastos que Allyne fez é de E$ 20 mil e ela precisa conseguir essa grana até o dia 1º de agosto.

    A doutoranda nasceu e foi criada na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro de Padre Miguel e de Realengo. Ela foi a primeira da sua família a entrar em uma universidade pública e tem dedicado sua vida acadêmica e pessoal à inclusão social. “Minha expectativa é ir e realizar o curso com bom desempenho e voltar para o país para continuar a apoiar e atuar nas causas que eu acredito: meu envolvimento com Direito, com o movimento negro e estar perto da minha família”, afirma.

    Allyne explica à Ponte que tinha criado a campanha de crowdfunding em junho, mas que estava receosa em divulgar por achar que existem muitas causas importantes para serem apoiadas e por ficar um pouco preocupada sobre como seria a reação das pessoas. Mas amigos a incentivaram a tentar o financiamento coletivo, por acreditarem que a luta dela também é importante. “Isso me ajudou a ter coragem”, diz.

    Ela afirma que até o momento está “muito feliz” com o retorno positivo que vem recebendo da vaquinha. “Gratidão é a palavra que vem marcando esse período”, comemora afirmando que está com um “misto de sentimentos” quando o assunto é ficar longe do Brasil. “Eu realmente espero que dê tudo certo lá. Também quero muito fazer jus ao apoio que venho recebendo”, diz.

    Rhuann Fernandes vai continuar os estudos em educação em Moçambique | Foto: arquivo pessoal

    Assim como Allyne, Rhuann Fernandes, 22 anos, também foi o primeiro da família a entrar em uma universidade pública. Ele, que estuda ciências sociais na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), está fazendo uma ‘vaquinha’ no valor de cerca de R$ 7 mil para conseguir fazer o intercâmbio em Moçambique, na África.

    O objetivo dele no país é dar continuidade às suas pesquisas e continuar com sua missão social no Brasil. “Eu me dedico muito à minha pesquisa. Porque não é só amor, é responsabilidade social que eu tenho”, afirma o jovem que é um dos fundadores da organização comunitária Nós por Nós, do Jardim Catarina, em São Gonçalo, no Rio.

    Em entrevista à Ponte, Rhuann afirma que sente que irá se identificar muito com o país para o qual está indo estudar diferentes formas de educar e diz que está “mega feliz, mas ansioso” pelo o que vem pela frente. O período para ajudar o estudante termina no dia 8 de agosto. Segundo ele, essa viagem é importante para que ele consiga ajudar a mudar a atual situação do Brasil, que o preocupa.

    Outra estudante que conseguiu a oportunidade de viajar foi Débora Carvalho Melo. Ela tem 21 anos, estuda história na USP e está fazendo uma ‘vaquinha’ para ir estudar na França. Da periferia de Osasco, na Grande São Paulo, Débora sempre estudou em escola pública e teve oportunidade de fazer francês gratuitamente durante três anos no Centro de Línguas de Osasco, onde conseguiu o diploma de estudos de língua francesa em nível avançado, pré-requisito para que fosse aprovada no intercâmbio.

    Débora foi aprovada para universidade em Lyon, na França: “Quero realizar esse sonho’ | Foto: arquivo pessoal

    Débora conta que já tem o passaporte, que já foi aceita pela escola Lumière Lyon 2 e que tem fluência na língua. A única coisa que falta para ela é o dinheiro. Ano passado ela já tinha sido aceita por outra universidade, a Paris 7, mas não conseguiu ir por falta de verba para conseguir cobrir todos os gastos.
    A estudante precisa cobrir a passagem de avião, o seguro saúde, os documentos e entrada do visto, alimentação, transporte e o contrato da moradia. Para conseguir, ela precisa arrecadar R$ 12 mil até o dia 1º de agosto.

    Em conversa com a Ponte, Débora conta que a experiência com a ‘vaquinha’ on-line tem sido positiva até o momento e que tem muitas metas para os estudos fora do Brasil: “A expectativa é obter uma experiência cultural nova, cumprir as matérias que não existem no meu curso aqui no Brasil e realizar um sonho”, diz.

    Yes, we can!

    Advogada Julia Drummond | Foto: Maria Clara Loureiro

    A advogada Julia Drummond se viu em situação bem parecida recentemente, quando foi aprovada para continuar o mestrado no exterior. Ela é mestranda em direitos humanos na USP e conseguiu uma vaga para um intercâmbio de seis meses na Universidade de Luxemburgo. Assim como eles, Julia não tinha o dinheiro necessário para viajar: cerca de R$ 11 mil.

    Ela fez uma ‘vaquinha’ no final do mês de maio deste ano e ultrapassou a meta de arrecadação em junho. Agora, ela está com quase tudo pronto para ir para Luxemburgo e pesquisar mais sobre casamento e mulheres negras – tema inovador no Direito.

    Apesar de afirmar que irá sentir saudades dos amigos e da família, ela acredita que a experiência será importante. “Estou apreensiva, mas estou empolgada”, afirma a advogada.

    Conheça as campanhas dos três entrevistados:

    Debora em Lyon

    LLM da Allyne

    Intercâmbio de graduação Rhuann

     

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