Ex-aluno é morto a facadas na PUC após briga por cheiro ruim em banheiro

    Bruno Silva, 27 anos, se desentendeu com um porteiro da universidade e teria pego uma barra de ferro para agredi-lo; o funcionário, José, alega ter agido em legítima defesa ao usar uma faca, usada para cortar frutas, e revidar os golpes

    Formado em 2018, Bruno era bolsista e comia no refeitório da universidade por causa do preço baixo | Foto: Reprodução/Facebook

    Bruno Silva, 27 anos, havia se formado como aluno bolsista há menos de um ano em engenharia civil na PUC (Pontifícia Universidade Católica). Como ainda não tinha conseguido um trabalho em sua área, entregava pizzas como motoboy para sobreviver. Mesmo após encerrar o curso, seguia no campus da Rua Marquês de Paranaguá, no centro de São Paulo, pois o valor da comida era acessível. Era reconhecido por alunos e funcionários, que mantinham seu acesso ao refeitório. Mas, um desentendimento fútil mudou de vez sua trajetória e a de José, 59, porteiro da universidade. Bruno morreu nesta quinta-feira (5/7) esfaqueado por Zé, como o funcionário é chamado pelos alunos.

    O ex-aluno estava no banheiro do prédio. José entrou para lavar a faca que usa para descascar frutas há pelo menos cinco anos. Ele tem o costume de comer sua marmita com colher e depois comer uma fruta. Ao entrar no sanitário, fez um comentário sobre o cheiro ruim. Ele e Bruno já se estranharam anteriormente, como contou o funcionário em depoimento no 4º DP (Distrito Policial). O jovem levou o comentário como afronta e decidiu tirar satisfação.

    “O ex-aluno entendeu como uma provocação pessoal e, segundo o porteiro, não era. Disse não saber quem estava lá. Isso deflagrou tudo”, explica o delegado adjunto do DP, Rafael Navarro. “Foi uma discussão boba no banheiro, o porteiro disse que o aluno foi para cima e ele estava com uma faca. Teria dito ‘você é grande, mas eu tenho essa faca’. A partir daí, ele [Bruno] correu até a motocicleta, apanhou uma barra de ferro e voltou descontrolado e passou a agredir o porteiro, que usou da faca para se defender”, continua a autoridade policial.

    O delegado aponta que imagens de câmeras de segurança da própria PUC mostram o momento em que Bruno retorna à PUC, depois de sair para buscar a barra de ferro. O ex-aluno agride outro segurança, que tentou impedi-lo de entrar novamente no espaço, até chegar novamente a José, que conversava com a diretora, e atacá-lo. O segundo funcionário também se feriu, mas por um golpe de faca do próprio José que tentava se defender, ainda de acordo com a versão do delegado.

    Bruno tinha temperamento explosivo, como amigos de faculdade e parentes confirmam. Para os colegas de sala, dizia até mesmo ser órfão. “Ele nunca mencionou sobre nenhum parente, ele sempre disse que ele era realmente sozinho”, conta um amigo, que pediu para não ser identificado. Esse fato consideravam como justificativa para as reações abruptas. “Sabíamos que ele tinhas esses estresses, tinha problemas mentais relacionados ao nervosismo, mas nunca chegou, de forma nenhuma, a agredir ou causar problemas com funcionários ou colega de classe”, prossegue.

    Apesar de dizer que vivia sozinho para os amigos, Bruno conhecia e tinha relação com mãe, pai e outros familiares. Seus pais são separados, mas não o abandonaram, como conta um tio do jovem que esteve na delegacia após ter o reconhecido nas reportagens que apareceram na TV sobre sua morte. Ele, que também pede para não ser identificado, explica que, na verdade, Bruno era independente. Batalhava para conquistar o que queria. Diz que chegava a trabalhar 15 horas seguidas com a finalidade de juntar dinheiro, já que não conseguia emprego na área.

    O tio explica que o fato dele seguir frequentando a PUC tinha total relação com a falta de dinheiro. No refeitório, o valor da comida estava dentro do seu orçamento. Ia para lá quando não conseguia se alimentar no bom prato – restaurantes populares do governo de São Paulo com almoço a R$ 1. A ideia de Bruno era economizar grana. Esse tio explica que a relação com a família era normal, de contato constante, principalmente com o pai. No entanto, diz que o jovem não era de levar desaforo para casa. “Quando pisavam no calo, ele virava o Zika, mesmo”, conta.

    Moto do ex-aluno seguia parada em frente à PUC horas após o crime | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Zika era o apelido de Bruno, como usava no próprio perfil no Facebook. Os amigos explicam que era chamado assim exatamente pelas reações irracionais instantâneas. “O Bruno ficava nervoso e a emoção tomava conta dele. Às vezes, ele não conseguia reagir a algumas pressões da universidade. Como disse, ele foi dono disso tudo que ele trouxe para a vida dele, infelizmente hoje o Bruno não está mais entre nós, mas ele foi um trabalhador”, conta um amigo de sala. “A gente sentava e conversava. Ele se queixava muito da vida, que a vida dele era muito difícil, de fato. Ele chegou a pedir ajuda para alunos da nossa turma de como gesticular para apresentar o TCC, ele tinha dificuldade para falar, de se expressar”, emenda.

    Os amigos se revoltaram com o crime. “Como uma pessoa dentro do campus tem uma faca e faz isso com um aluno, ex-aluno, seja lá o que for? Ele fazia parte disso daqui. Estão tratando uma vida como se ela não fosse nada. E daí se ele tinha problema, se ele era estourado? O que ele fosse, não merecia o que aconteceu com ele e queremos uma explicação”, desabafou Sabrina, uma amiga de sala que diz ter feito uma série de trabalhos com Bruno. “Ele era um aluno bolsista que se formou com muita dificuldade financeira, muitas vezes não tinha o que comer. Nós emprestávamos dinheiro para ele, ajudando”, continua.

    “Fomos pegos de surpresa. Participei da vida dele por cinco anos. Ele jogava futebol, era alegre… Ele passava o dia inteiro na universidade estudando por trabalhar só de noite. Bruno era uma pessoa muito simples, querida. Ele ajudava bastante as pessoas quando ele podia, mas a gente sentia a necessidade de dar apoio ao Bruno porque ele era órfão, tinha bolsa na universidade”, conta outra pessoa próxima, reafirmando que o ex-aluno sustentava não ter parentes aos amigos, dizendo ser alguém sozinho no mundo.

    José, que não teve o nome completo divulgado pelo delegado Rafael Navarro, responderá por homicídio simples. Preso em flagrante, ele passará a noite na cadeia de trânsito da 1ª seccional de SP e, nesta sexta-feira (6/7), terá audiência de custódia. “Ele alegou legítima defesa e, como expliquei, na Polícia Civil, juiz de cognição sumária, o fato chegou ao conhecimento dos investigadores, verificamos que realmente havia agredido, tinha em tese se defendido. Optamos pela prisão em flagrante para que essa questão seja analisada pelo poder judiciário”, explica o policial civil.

    A mãe de Bruno Silva fará como o tio e também irá à delegacia para seguir adiante com o velório e enterro do jovem. Seu pai está em uma viagem de lazer na Bahia. Por enquanto, não há definição da data do funeral de Zika.

    Em nota à imprensa, a PUC disse que “lamenta profundamente o ocorrido entre um vigilante de uma empresa terceirizada e um ex-aluno, no campus Marquês de Paranaguá, na tarde desta quinta-feira (4/7). A instituição está tomando todas as providências cabíveis e, ao seu alcance, colaborando com as autoridades para o esclarecimento das circunstâncias referentes ao caso”, diz a nota da universidade, enfatizando “nosso compromisso com uma sociedade pacífica, pautada no diálogo e no respeito”.

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