Exposição leva fotos com moradores da Boa Esperança para espaço cultural em Teresina (PI)

    Fotógrafo Maurício Pokemon retratou realidade de quem vive na comunidade ribeirinha, ameaçada de desapropriação; exposição fica em cartaz até 8 de junho no CAMPO arte contemporânea, zona leste da capital

    Público da abertura da exposição era composto majoritariamente por moradores da Boa Esperança | Foto: Jairo Moura/Rumos Itaú

    Podia ser só mais um dia normal na vida do fotógrafo Maurício Pokemon, passando pela avenida Boa Esperança, uma importante via que liga o centro a zona norte de Teresina, capital do Piauí. Mas naquele dia, em meados de 2015, o olhar atento do fotógrafo notou algo que chamou sua atenção naquelas casas.

    A comunidade ribeirinha Boa Esperança começou um protesto silencioso denunciando algo que estava acontecendo ali. Com frases de repúdio ao “Programa Lagoas do Norte“, moradores escreveram nas paredes das próprias casas. “Lagoas do Norte para quem?” e “Luta que se perde é a que se abandona” eram alguns desses gritos silenciosos de ajuda.

    Uma das frases de protesto feita pelos moradores | Foto: Maurício Pokemon/verdeVEZ Rumos

    Desde 2008, os moradores da Boa Esperança lutam para permanecer em suas casas. A avenida é um dos pontos principais da segunda fase do “Programa Lagoas do Norte”, da prefeitura de Teresina, sob os cuidados da Semplan (Secretaria Municipal de Planejamento), que tem como objetivo duplicar a via para construir um complexo turístico de alto padrão e, com isso, derrubar as casas que ali estão construídas.

    Maurício Pokemon já conhecia o programa, mas não sabia qual era o efeito desse projeto na vida dos moradores da Boa Esperança. “Eu não fazia ideia de que esse projeto era tão violento para eles. Tinha frases em todas as casas”, conta.

    Daquele dia em diante, Pokemon começou uma aproximação com os moradores, mostrando que não era mais um passageiro daquela via. Quando chegou na casa de Dona Davina, mãe dos irmãos e líderes comunitários Chico e Maria Lúcia Oliveira, ele encontrou um lugar base para começar algo novo.

    Durante anos, Maurício frequentou a comunidade ribeirinha e realizou diversos trabalhos. O primeiro deles, intitulado de “Existência” (2015), consistia em um ensaio fotográfico com os moradores, de corpo inteiro, que foi espalhada por todas as regiões de Teresina. As fotos causaram impacto nos outros moradores da cidade, não acostumados com a população ribeirinha da Boa Esperança, e as fotografias foram arrancadas e riscadas.

    À esquerda, uma das fotografias do ensaio “Existência”, primeiro trabalho de Pokemon com a Boa Esperança | Foto: Jairo Moura/Rumos Itaú

    Com a convivência junto aos moradores, surgiu o segundo projeto, intitulado de “Quintal” (2016), em que Maurício retratava quintais do centro da cidade e fez parte do Prêmio de Criação em Artes Visuais de Teresina.

    “Conhecendo essas pessoas eu comecei a frequentar os quintais delas. Quando chegava no quintal, abria-se um portal, pois tinha toda aquela conversa íntima com a família. Eles me contavam os problemas que passavam, falavam de sonhos. Isso me pegou muito”, explica Pokemon.

    Dois anos depois, em 2017, recebeu um convite do Sesc para viajar para outras comunidades ribeirinhas em dez estados que fazem parte da “Amazônia Legal”. Maurício passava sete dias em cada cidade numa espécie de micro residências fotográficas no projeto “Amazônia das artes”.

    Autorretrato feito pelo fotógrafo na comunidade de Boa Esperança | Foto: Maurício Pokemon/verdeVEZ Rumos

    Maurício Pokemon, que já trabalhou como fotojornalista no Meio Norte, um grande jornal de Teresina, conta à Ponte que percebeu ao longo do tempo que retratar a Boa Esperança deveria falar além da sua figura individual e enxergar a coletividade dessa comunidade. “Questionei como eu ia dialogar com o resto de Teresina, como fazer o resto do mundo dialogar com Teresina”, explica Pokemon.

    Em 2017, Pokemon começou seu terceiro projeto, com o título de “Inventário Verde da Boa Esperança”, que começou a ser criado dentro do projeto verdeVEZ, aprovado no Programa Rumos Itau Cultural 2017-2018.

    Maurício Pokemon ao lado dos moradores da Boa Esperança e familiares durante abertura da exposição (da esq. para dir.: Seu Valdir, Maurício, avós do artista e Chico)| Foto: Jairo Moura/Rumos Itaú

    Durante dezembro de 2018 e maio de 2019, Maurício produziu centenas de fotografias na comunidade Boa Esperança, dessa vez o foco era o verde. “Comecei a perceber que não era sobre essa literalidade da cor, não era sobre o verde presente em todas as coisas. Era sobre esse modo de viver das pessoas onde o verde estava presente desde o arredor da casa deles, perto da natureza, até a subjetividade no tapete da casa ou da pintura da parede. Era muito mais sobre esse dia a dia, sobre como é ser esse morador ribeirinho em uma cidade urbana, entender como era estar inserido dessa forma na cidade”, explica o fotógrafo.

    Essas fotografias, feitas com duas câmeras analógicas, de 120mm e 135mm, dão vida à exposição “Inventário Verde da Boa Esperança“, que teve sua abertura na noite de sexta-feira (24/5), no espaço CAMPO arte contemporânea, em São João, bairro na zona leste de Teresina, e conta com 107 imagens da série fotográfica. A exposição conta com curadoria de Raphael Fonseca.

    Maurício Pokemon com o seu trabalho “Inventário Verde da Boa Esperança” | Foto: Jairo Moura/Rumos Itaú

    Na primeira hora da abertura da exposição, marcada para começar às 19h, os primeiros moradores da Boa Esperança começavam a chegar. Quando viam suas imagens e de seus vizinhos nas paredes do CAMPO, um largo sorriso dominava seus rostos. Celulares nas mãos, eles faziam questão de tirar fotos dessas fotografias feitas por Maurício Pokemon.

    “Esse é o braço do meu marido”, disse dona Teresinha de Jesus, 75 anos, moradora da Boa Esperança há mais de 20 anos, apontando para a imagem com o punho cerrado de seu marido, seu Raimundo Fernandes. “Foi uma bença ver a minha foto. Meu marido não gosta de foto, por isso só tem a mãozinha dele. Aquela ali é eu, na minha horta”, mostrava outra imagem com uma gargalhada.

    Mão do morador Raimundo Fernandes, 76 anos, mostra a perspectiva da resistência | Foto: Maurício Pokemon/verdeVEZ Rumos

    “Isso tá bonito demais”, disse seu Valdir, encantado olhando suas fotos trabalhando. “Ali é na minha coroa no Rio Parnaíba, onde eu planto minhas coisas. Nesse dia eu tava capinando e o meu menino apanhando feijão. Nunca imaginei ver o meu trabalho em uma foto assim, nunca imaginei que alguém fosse fazer isso que ele [Maurício] fez. Fico muito feliz”, completou com um sorriso no rosto.

    Seu Valdir é morador de Boa Esperança há 42 anos | Foto: Maurício Pokemon/verdeVEZ Rumos

    O historiador Raimundo Filho, o Novinho, cria da Boa Esperança e sobrinho dos líderes comunitários Chico e Maria Lúcia Oliveira, foi convidado por Pokemon para integrar a equipe de pesquisa da exposição. “Foi uma experiência bem diferente, eu não estava acostumado com esse tipo de pesquisa. Eu tinha mais uma experiência acadêmica e precisei desenvolver esse olhar artístico”, disse.

    O processo de construção da exposição foi importante para a comunidade, garante o historiador. “Fomos desconstruindo na comunidade que não éramos inferiores, que nós que fizemos os tijolos que construíram a cidade. É lindo chegar aqui e ver os próprios protagonistas dessas fotos. Uma coisa é chegar lá e fazer um trabalho, mas muitas vezes eles nunca viram o resultado, agora eles têm essa chance. Isso não acaba aqui, é só o começo”, conta Novinho emocionado.

    Os irmãos Chico e Maria Lúcia Oliveira, líderes comunitários da Boa Esperança durante abertura da exposição | Foto: Jairo Moura/Rumos Itaú

    Serviço:
    “Inventário Verde da Boa Esperança”
    De Maurício Pokemon
    Até 08 de junho, de terça-feira a domingo, das 17h às 20h.
    Classificação Indicativa: Livre
    Entrada gratuita
    Local: CAMPO arte contemporânea / Estúdio Debaixo
    Rua Padre José Rego, 2660, São João, Teresina (PI)
    www.facebook.com/campoartecontemporanea

    *A reportagem viajou a convite do programa Rumos Itaú Cultural.

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