Família vai reclamar de agressão e é agredida por PMs na zona leste de SP

    Pai e irmã foram a batalhão questionar PMs por agressão a motoboy e acabaram apanhando. “[Os PMs] fizeram tortura psicológica falando que vão matar eles”, denuncia advogado

    Agressão deixou marcas na perna de Amanda | Foto: Arquivo Ponte

    Era por volta das 15h do domingo quando o motoboy Diego*, 23 anos, estava andando de moto com os amigos, avenida Dr. Francisco Munhoz Filho, no Parque do Carmo, região de Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Mas a tarde de lazer se transformou em um dia de terror: ele e um amigo, Vinícius*, 19 anos, foram abordados e agredidos por policiais militares do 28º Batalhão da PM paulista.

    A moto de Diego foi apreendida e levada para o batalhão. Inconformado com a agressão que o filho sofrera, e pela apreensão da moto, César*, 52 anos, foi com Diego e a filha mais velha, a operadora de loja Amanda*, 29 anos, no 53º DP (Parque do Carmo). Lá, foram informados que o veículo estava no batalhão.

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    Do batalhão em diante, a versão da família de Diego conflita com a versão narrada pelos policiais militares horas depois, no mesmo 53º DP. Segundo Diego narrou ao delegado Renato Oliveira Mazaia, estava com a sua moto quando foi abordado. Os PMs, segundo o jovem, não pediram nenhuma documentação da moto, mas o abordaram com um “mata-leão” – enforcamento proibido durante ações da PM paulista.

    Outro policial, continuou o jovem, deu um rasteira que o derrubou no chão. Foi quando um dos policiais disse que “podia lhe dar um tiro, já que não tinham câmeras ali”. Nessa hora, seu amigo Vinícius tentou ajudar, mas acabou apanhando da polícia. A PM apreendeu a moto de Diego e foi embora. O jovem se recusou a assinar a guia de apreensão.

    No boletim de ocorrência, Vinícius contou que estava de moto quando foi abordado. Os policiais teriam ido direto na para Douglas, por alegarem que ele queria fugir. Mesmo rendido, descreveu o amigo na delegacia, Diego foi agredido com um soco na boca pelos PMs.

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    Pouco depois, César recebeu uma ligação do filho sobre a apreensão da moto, como contou no registro policial. Foi, então, buscar o filho e, junto com a filha Amanda, foram para o 53ºDP. De lá, foram informados que a moto estava no 28º Batalhão.

    Chegando no 28º Batalhão, continuou César, havia dois policiais dentro de uma viatura. O pai, então, os questionou sobre a moto. Um dos PMs afirmou que estava na abordagem e saiu da viatura. Diego disse para teria provocado o policial questionando “porque ele não brigaria de homem para homem”. Foi quando o PM partiu para cima dele, “desferindo um soco em seu rosto”.

    No seu depoimento, Diego contou que foi ele apontou para o pai quem era o PM agressor. Quando o pai foi falar com o PM que teria agredido ele na primeira abordagem, a confusão começou. Outros PMs saíram da viatura e começaram a bater em seu pai e em sua irmã. Mais PMs saíram da base e Diego, então, correu, mas tropeçou e caiu em plena Avenida Jacu Pêssego. Ouviu de um dos PMs que “poderia der um tiro nele”.

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    Na versão de Amanda, na delegacia, a irmã conta que procurou o PM Napolitano assim que chegou no batalhão, questionando por que a moto de Diego havia sido apreendida. Ele teria dito para ela questionar os PMs que estavam na viatura. Ela retrucou, então, que o PM Napolitano havia sido o responsável por bater em seu irmão na abordagem e teria ouvido dele para reclamar na Corregedoria da PM.

    A irmã contou que nesse momento seu pai e seu irmão foram até a viatura, onde começou uma briga generalizada, em que seu pai tomou um soco na boca e ela recebeu um tapa na cabeça, um arranhão no braço e cacetadas na perna.

    O caso foi registado no 53ºDP somente às 22h38, como resistência e desacato. Como testemunhas foram ouvidos os PMs soldado Gabriel Junho Napolitano, 24 anos, soldado Gustavo de Oliveira Mouro, 27 anos, cabo Marcos da Silva, 34 anos, e o condutor da ação, sargento Carlos Eduardo Piva dos Santos, 36 anos. Constava como vítima no registro policial a “administração pública”. Diego, César e Amanda aparecem como investigados no boletim de ocorrência.

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    Em entrevista à Ponte, o advogado Bruno Cerqueira Gomes, que cuida da defesa de Diego e seus familiares, contou que Diego parou a moto assim que avistou os policiais. Um “paredão” de jovens foi feito para a abordagem. “Um dos policias deu um mata-leão no Diego e o derrubou, entre um carro e uma moto, e começou a agredir ele, ameaçar de morte, tirar a arma. Isso durante o dia, em via pública”.

    Segundo o advogado, foram no batalhão Diego, seu pai, sua irmã e seu amigo. “Chegando no local ele encontrou os policiais lá, inclusive o que agrediu ele, e comentou com o seu pai. Foram questionar a agressão e a apreensão, aí o menino teria dito ‘você me bateu porque você estava com um monte de policiais’. Foi nessa hora que o policial desceu da viatura e bateu na cara dele. Depois disso, torturaram a irmã e o pai dele”.

    O defensor disse que a família esteve na Corregedoria da Polícia Militar na última segunda-feira (9/11) e estão atrás do circuito de filmagens do batalhão. “Os PMs foram muito agressivos, machucaram muito as pessoas. Fizeram tortura psicológica falando que vão matar eles, repassaram fotos da família falando que eram traficantes, sendo que nenhum deles tem passagem pela polícia”, completou.

    A versão dos PMs

    No boletim de ocorrência, os PMs Carlos Eduardo Piva dos Santos e Gabriel Junho Napolitano, narraram que foram acionados para o endereço da abordagem feita na tarde daquele domingo para uma ocorrência de “direção perigosa”. Chegando lá, os PMs encontraram cerca de 20 motocicletas, que teriam fugido quanto viram a viatura. Três foram paradas e abordadas.

    Segundo o PM Piva, Diego tentou fugir, teria abandonado a moto e entrado em um bar. O jovem foi abordado, mas estava “agindo de forma violenta e agressiva”. Sua moto foi apreendida por constar “irregularidades administrativas”.

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    Já no batalhão, o sargento disse que estava fazendo os procedimentos burocráticos da apreensão quando ouviu uma gritaria. Cerca de dez pessoas estariam do lado de fora, cercando a viatura com o soldado Gustavo de Oliveira Mouro. Essas pessoas, segundo o PM Piva, diziam ser do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa, e teriam agredido os policiais.

    O sargento contou também que Diego tentou fugir, mas foi pego. Apesar disso, teria agredido os policiais com socos, pontapés e chutes. Pai e irmã teriam ido para cima dos PMS, agredindo com tapas, chutes, arranhões e socos, por isso “todos foram contidos e algemados”.

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    Os soldados Gabriel e Mouro confirmaram a versão do PM Piva, mas apontaram que eram de dez a quinze pessoas cercando a viatura. Os policiais e a família de Diego foram levados para o Pronto Socorro Santa Marcelina de Itaquera, “onde foi constatada a lesão no braço direito do PM Mouro”, e depois para o 53º DP.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública e a assessoria da Polícia Militar e solicitou entrevista com os policiais envolvidos.

    Em nota, a SSP informou que o caso é investido, por meio de inquérito policial, pelo 53º DP (Parque do Carmo). “A unidade está chamando os envolvidos para prestarem depoimento. A Polícia Militar instaurou IPM para apuração dos fatos”.

    “No último domingo (08), a equipe do 28º BPM/M foi acionada para ocorrência de racha e manobras perigosas na Avenida Doutor Francisco Munhoz Filho. Três motocicletas em situação irregular foram apreendidas e encaminhadas à sede da Companhia”, continuou a pasta.

    “No final da tarde, vários indivíduos, incluindo os donos das motos apreendidas, tentaram retirar os veículos, ameaçaram e agrediram os policiais. Quatro PMs e três homens foram socorridos ao Hospital Santa Marcelina”.

    *Os nomes das pessoas foram alterados para evitar represálias

    Matéria atualizada às 14h do dia 12 de novembro para inclusão da nota da SSP

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