Familiares de Lucas responsabilizam Doria por ausência de respostas sobre morte de jovem

    Passados dez meses do caso, nem o governador e muito menos as polícias Civil e Militar disseram quem matou o adolescente em Santo André (SP); mãe vive à base de remédios e luto cobre Favela do Amor

    Os familiares do menino Lucas Eduardo Martins dos Santos, morto aos 14 anos, cansados de buscarem respostas sobre o crime e darem com a cara na porta em fórum, delegacia e batalhão de Polícia Militar, já elegeram o responsável pela inércia nas investigações e ausência em responsabilizar os culpados: o governador João Doria (PSDB), chefe das polícias Civil e Militar.

    É sobre o chefe do Executivo que recaem as principais críticas em um momento em que o luto ainda bate firme e os medicamentos são a única dose que ajuda a família a dormir, se alimentar e seguir a vida. A tristeza é ainda maior em virtude de o tucano nunca ter dito uma palavra sequer sobre o caso.

    Dez meses se passaram desde que Lucas Eduardo saiu de casa na madrugada do dia 13 de novembro, na Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André (Grande São Paulo) para comparar um pacote de bolachas e um refrigerante e sumiu. Seu corpo foi encontrado dois dias depois boiando em um lago do Parque Natural Municipal do Pedroso, na mesma cidade, a 10 quilômetros de sua casa. O exame do IML apontou que Lucas morreu afogado, o que a família afirma não acreditar. Familiares contam que, ao menos duas testemunhas viram o menino ser abordado, mas diante de ameaças que teriam sido feitas por PMs dias depois de o caso vir à tona, tais pessoas desistiram de contar o que viram formalmente.

    Passado tanto tempo, nem a Polícia Civil e nem a Militar deram explicações para a família como se deu a morte. Dois policiais militares, os soldados rasos Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos seguem afastados do serviço de rua, mas como seguem trabalhando no administrativo da corporação continuam recebendo seus salários na casa de R$ 3 mil. Juridicamente a dupla é considerada apenas como “averiguados”, já que até o momento não há nenhuma acusação formal contra eles, ou seja, não foram indiciados. No âmbito civil, as apurações estão a cargo do Setor de Homicídios de Santo André. Já o 41° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), unidade em que os PMs afastados estão lotados, é responsável pelas investigações no âmbito militar.

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    O caso segue em segredo de Justiça, o que para família serve apenas para proteger os policiais, uma vez que não há informações públicas sobre as investigações. Até mesmo os parentes de Lucas não têm acesso aos documentos e não sabem o que a polícia sabe até agora.  

    “Senhor João Doria, chefe dos assassinos é outro que se esconde, que também tem as mãos sujas de sangue, porque apoia a corrupção que a PM faz. Eu quero que João Doria me responda quem matou Lucas e por que matou o Lucas? Eu quero que o Doria se posicione e me dê uma reposta. Que ele ponha os assassinos na cadeia. O Doria sabe de tudo o que acontece. Ele tem conhecimentos dos crimes que a polícia comete e não faz nada”, disse à Ponte a dona de casa Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, mãe de Lucas.

    A também dona de casa Dalva dos Santos, 48 anos, irmã de Maria Marques segue a mesma linha e quer que Doria seja responsabilizado pelo sofrimento em que a família vive. “Até agora não teve uma resposta da polícia sobre quem matou Lucas. Já virou responsabilidade do Estado. O Doria precisa se pronunciar, que ele faça alguma coisa para resolver. Nossa vida parou”.

    Mãe criou um altar para homenagear Lucas | Foto: Paulo Eduardo Dias / Ponte

    A família segue unida em buscar a responsabilização do governador diante a lentidão no desfecho do caso. Quem também citou Doria em sua fala de cobrança foi o estudante Fábio Bittencourt, 18 anos, irmão de Lucas Eduardo por parte de pai. “Queria que o João Doria tivesse o bom senso de ver a família sofrendo e dizer quem é o culpado. A resposta está na mão dele. Ele sabe quem matou o meu irmão”, pontuou.

    A defesa da família de Lucas, que atualmente é feita pelo defensor público Marcelo Carneiro Novaes, o mesmo advogado que obteve sucesso na liberdade de Maria Marques após ela ser condenada por tráfico ­–ela nega o crime­–, busca elementos para verificar a possibilidade de responsabilizar o Estado pela morte do menino.

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    Quem também enxerga a responsabilidade no caso é a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha a família de Lucas Eduardo nos últimos dez meses.

    “Considerando que o Estado é responsável, o governador é representante das polícias tanto no sentido da omissão em relação a ausência de respostas como quem jogou o corpo de Lucas no rio. Por que o governador não fez nada até agora para reconhecer e punir os envolvidos nesse crime? O medo das testemunhas reflete justamente na inércia frente um crime contra uma vida de 14 anos, em que o corpo quando encontrado estava totalmente desfigurado e com fortes sinais de tortura”, afirmou a articuladora da Rede no ABC paulista, Katiara Oliveira.

    Roupas como lembrança

    Maria Marques recebeu a reportagem em sua casa na tarde da última sexta-feira (18/9), minutos antes de sair para participar de mais um ato cobrando justiça para o menino. Maria, que vestia uma camiseta com o rosto do filho, fez questão de dizer que ainda guarda vários acessórios do menino. No quarto do adolescente ainda estão as roupas que ele usava: são camisetas, bermudas e calças.

    “Para mim é uma lembrança dele. Eu guardei tudo as coisas dele. Não joguei nada fora”, disse. Outra lembrança para Lucas Eduardo é um altar. Fotos do menino estão colocadas junto a uma Bíblia. Nas imagens o menino aparece sorrindo. Sorrir, era o que ele mais gostava, como muitas pessoas já comentaram sobre o semblante do adolescente.

    Maria Marques aponta que o seu filho sonhava em ser militar, bombeiro mais precisamente, justamente para auxiliar em socorros. Ela também entende que a cor da pele foi um dos fatores que levou o adolescente a ser assassinado. “O sonho dele era ser bombeiro, porque ele gostava de salvar vidas, mas infelizmente a PM de Santo André sequestrou meu filho. Meu filho não estava armado, não usava drogas, mas a polícia não quer saber, porque ele era negro”.

    Durante o trajeto de sua casa até o ponto de encontro com outros moradores da Favela do Amor que seguiriam juntos até o Paço Municipal, Maria Marques contou sobre sua rotina, que inclui encaradas de PMs que rondam a região e até mesmo recados que recebe por vizinhos mandados pelos policiais militares.  

    “Se a gente fosse mais uma vez para a porta do batalhão eles iriam parar a favela”. O recado, segundo Maria Marques, chegou dias depois de ela, seus familiares e alguns moradores da favela fazerem um ato em frente à 2ª Companhia do 41° Batalhão de Polícia Militar, no Jardim Santo André. É nesse posto policial que trabalham os PMs Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos.

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    Diante de tantas ameaças, Maria Marques pediu para que o ato fosse realizado no centro da cidade, onde “se sente mais segura”.

    Além dos recados e dos olhares assustadores de PMs de dentro das viaturas, os familiares contam que ouvem deboches e que, diariamente, viaturas passam em frente à residência de Maria Marques, promovendo um clima de terror.

    “Meus filhos não são vagabundos. Um trabalha como pizzaiolo e outro como ajudante de pedreiro. Hoje eu vivo a base de remédios. Estou numa depressão profunda. Os PMs passam debochando, encarando, isso me deixa com muito medo. Eles passam todo dia por volta das 2 horas da manhã na frente de casa. Tenho medo por mim e por meus filhos”.

    No Paço Municipal, onde está localizado o Fórum de Santo André, vários movimentos sociais antifascistas se juntaram à família, incluindo a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha o caso Lucas Eduardo desde seu início.  O principal grito entoado pelas cerca de 100 pessoas presentes foi: “não, não quero desculpa, eu quero saber quem matou o Lucas”.

    Durante a manifestação, uma menina chegou com sua irmã de 18 anos. Logo depois de sua chegada ela foi abraçada calorosamente por cada familiar de Lucas Eduardo. T. L., 11 anos, veio até a direção da reportagem e pediu para conversar. Mas, o que uma pequena menina teria para falar sobre um caso tão triste? A fala dela mostra como Lucas Eduardo era querido, e como sua morte cobriu a comunidade por um luto profundo.  

    ias de Lucas, seu irmão, mãe e avó posam junto à grafite em homenagem ao menino assassinado | Foto: Paulo Eduardo Dias / Ponte

    “Ele era meu melhor amigo. Ele era uma criança muito boa. Não precisava ser morto assim. Conheço ele desde pequeno. Nenhuma criança merecia isso. Agora a gente tem que correr da polícia. Ele era tão bom, não merecia isso. Vou estudar para ser advogada e lutar pelo meu amigo Lucas”, disse com lágrimas nos olhos. Ao olhar para o lado, todos em volta choravam, alguns de soluçar.

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    Por volta das 17 horas, o ato deixou o Paço Municipal e seguiu em direção à estação de trem de Santo André. Durante o percurso vias como a Avenida Portugal e Rua Campos Sales foram bloqueadas para o trânsito. A manifestação foi acompanhada por PMs do 10° Batalhão, que assim como o 41° patrulham Santo André, e também vez ou outra dão uma passada pela Favela do Amor e mandam recados para os familiares de Lucas Eduardo.

    Em nota, a Polícia Militar do Estado de São Paulo informou que “as investigações foram finalizadas e o inquérito está em fase de relatório. Os policiais permanecem afastados das atividades operacionais”.

    Por sua vez, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) alegou que “o caso segue sob investigação, sob segredo de Justiça, pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André. Em relação ao Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado pela Polícia Militar, as apurações foram finalizadas e o IPM será relatado em breve. Todos os agentes envolvidos na ocorrência continuam afastados as atividades operacionais”.

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