Famílias de vítimas do massacre de Paraisópolis torcem por denúncia de homicídio doloso

    MP-SP anunciou intenção de indiciar 31 PMs por homicídio; Fernanda Garcia, irmã de Denys Santos, uma das vítimas, afirmou que lutará até o fim: os PMs “não mataram os nove jovens, eles destruíram nove famílias”

    Protesto por justiça aos 9 mortos em ação policial em Paraisópolis, dezembro de 2019 | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

    A divulgação pelo Ministério Público de que já existem indícios suficientes para oferecer denúncia por homicídio doloso contra policiais militares que participaram de ação que deixou nove mortos e 12 feridos durante dispersão a baile funk em Paraisópolis, em 1° dezembro de 2019, trouxe nova esperança aos familiares das vítimas. O Massacre de Paraisópolis, ocorrido na segunda maior favela de São Paulo, localizada na Vila Andrade, zona sul, há quase nove meses contou com a participação de 31 PMs.

    Segundo a promotora do 1° Tribunal do Júri da Capital Luciana André Jordão Dias, os policiais militares tiveram a intenção de encurralar os jovens frequentadores de baile funk que reunia aproximadamente 5 mil pessoas. Para Luciana Jordão, os PMs sabiam que as pessoas não teriam uma rota de fuga disponível e que a situação tinha o potencial de acabar em mortes.

    O inquérito tocado pelo DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa) ainda não foi relatado, já que as diligências estão sendo finalizadas, no entanto, diante das apurações já obtidas, o MP pretende denunciar os PMs que participaram da operação no Baile da DZ7 por homicídio doloso com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.

    Leia mais: Corregedoria conclui que PMs agiram em ‘legítima defesa’ no massacre de Paraisópolis

    Laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que as mortes tiveram como causa asfixia, muito provavelmente após as vítimas serem pisoteadas ao tentarem se abrigar da ação em um viela da Rua Ernest Renan.

    No início da semana, segundo o G1, a promotora Luciana Jordão já havia pedido à Polícia Civil a lista contendo o número de telefone celular dos 31 policiais militares que são averiguados na ocorrência. A intenção é com os contatos em mãos pedir à Justiça a quebra do sigilo telefônico de cada um dos PMs, e assim saber a localização exata de cada um deles quando da dispersão ao baile.

    À Ponte, a supervisora de vendas Fernanda Garcia, 27 anos, irmã do estudante Denys Guilherme dos Santos, 16, morto na ação policial, disse que ela e sua família estão “contentes” pela notícia e “esperam que o fato seja julgado como tal”.

    Questionada se tem esperança de que os culpados sejam presos, ela disse que a “esperança é a última que morre”, demonstrando alento com a posição do Ministério Público. No âmbito militar, relatório da Corregedoria da Polícia Militar não culpou os policiais, apontando legítima defesa. A Corregedoria opinou a favor do arquivamento do caso. O órgão disciplinar da corporação ainda refutou que a operação, que teria iniciado após perseguição a motociclistas, tenha sido “improvisada” e “desastrosa”.

    “Lutaremos até o fim para que isso aconteça[prisão] e que esses assassinos paguem pelo que fizeram. Eles não mataram os nove jovens, eles destruíram nove famílias, nós estamos condenados a saudade, tristeza e indignação para o resto de nossas vidas”, explicou Fernanda.

    A supervisora de vendas se mostra ainda mais indignada por, em sua visão, as mortes terem sido cometidas por funcionários públicos que deveriam zelar pela sociedade. “O mínimo que nós precisamos é que sejam punidos severamente, ainda mais por se tratar de um órgão público que deveria nos proteger, e não nos exterminar”.

    Além da saudade e da longa espera por justiça, ela também se queixa de até hoje, passados oito meses do caso, ainda não ter conseguido recuperar objetos que seu irmão estava no dia da morte. “Até hoje não encontramos nenhum dos pertences do meu irmão e não nos deixaram ver as fotos do IML (Instituto Médico Legal). Sumiram com as roupas e documento de identificação (RG escolar) que foi apresentado no hospital”.

    Irmão do estudante Denys Henrique Quirino, 16, que também perdeu a vida enquanto curtida o Baile da DZ7, o estudante de geografia da USP (Universidade de São Paulo), Danylo Amilcar, 19, recebeu com satisfação o encaminhamento do Ministério Público.

    “A gente recebe essa mensagem com um sentimento de alívio. O que aconteceu com meu irmão, o que aconteceu naquele dia, foi um massacre. O que mais tem são provas de que há culpa dos policiais. Eles planejaram a ação daquele jeito. É um primeiro passo da caminhada por justiça”, desabafa.

    Em entrevista ao UOL, a promotora Luciana Jordão afirmou que “a polícia é formada por muitos homens íntegros, que fazem uma excelente prestação de serviços à sociedade, mas a relação com a periferia precisa mudar, para que a imagem mude lá também”.

    O outro lado

    Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) respondeu que “o referido inquérito segue em andamento pela Divisão de Homicídios do DHPP. A autoridade policial responsável pelas investigações está adotando as medidas cabíveis para prestar os esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público Estadual. Os 31 policiais já prestaram depoimento e permanecem em trabalho administrativo. O inquérito policial militar sobre os fatos foi relatado à Justiça Militar, após o cumprimento de cotas”.

    A Polícia Militar não se pronunciou.

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