‘Favela pede paz’: moradores de Paraisópolis protestam contra violência policial

Manifestação nesta terça (29) ocupou ruas na zona sul da capital paulista em repúdio às denúncias de abordagens truculentas, agressão e invasão de casas; ações policiais intensificaram há duas semanas, após sumiço de duas amigas na favela, uma delas foi encontrada morta

Moradores paralisaram metade de uma faixa da Avenida Giovanni Gronchi, próximo à favela de Paraisópolis | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Aos gritos de “chega de opressão” e “favela pede paz”, moradores de Paraisópolis ocuparam as ruas na região da Vila Andrade, zona sul da capital paulista, em repúdio à violência policial na comunidade, na tarde desta terça-feira (29/6). Nos últimos 15 dias, eles têm denunciado invasões de casas, agressões e abordagens truculentas realizadas pela Polícia Militar por causa do desaparecimento de duas mulheres, em de 3 junho, após terem ido a uma festa na região. Dois corpos foram encontrados em uma rodovia, 13 dias depois, e um deles foi confirmado ser de uma das jovens.

Com concentração na Rua Itamotinga, onde está sediado o pavilhão da organização G10 das Favelas, por volta das 14h30, os moradores empunhavam cartazes e palavras de ordem enquanto caminhavam pelas ruas e vielas da comunidade. O protesto, que também teve apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, passou a ocupar parte da Avenida Giovanni Gronchi em seguida, com manifestantes fazendo barulho com o que tinham: panela, apito, megafone, alguns lançaram sinalizadores de fumaça e muitos gritos por paz.

Leonardo Luís levou a filha de oito anos para protestar contra a violência policial após ele próprio denunciar ter sofrido uma abordagem truculenta | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Um dos que gritavam com força era o eletricista Leonardo Luís da Silva, 29, que levava a filha de oito anos nos ombros com um cartaz escrito “os policiais estão nos oprimindo”. “Eu fui sair de casa para trabalhar e os policiais empurraram a porta na frente das minhas filhas pequenas”, denuncia. “Eu falei que sou trabalhador, mas não quiseram saber, me mandaram calar a boca”.

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Ele mora há 20 anos na comunidade e conta os policiais não respeitam os moradores. “Eu sou um pai de família que sai todo o dia de casa para trazer o sustento dos meus filhos. Eles não querem que a gente transite em paz, nem bicho é tratado dessa forma”, critica. “O que a gente quer é respeito porque as crianças não podem nem sair na viela para brincar, que é o único lugar que elas têm, não deixam a gente sair de casa, tomam celular.”

“A gente não é contra a polícia, a gente é contra as atitudes de policiais que vão na comunidade praticar violência”, pontua Daniel Cristovam, 32, uma das lideranças comunitárias em Paraisópolis e membro do G10 das Favelas.

A diarista Telma Lima ocupou as ruas pelas crianças, jovens e amigas que sofreram abordagens truculentas da PM | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

A diarista Telma Lima, 52, está há 40 anos na comunidade e afirma que todos acabam sendo estigmatizados por estarem na periferia. “A gente não tem culpa que as meninas sumiram, a polícia deveria investigar, não oprimir”, afirma. “Eu já vi várias amigas sendo abordadas de forma desrespeitosa, gente que teve passagem e pagou sendo visto como bandido.”

“Acham que, por morar na comunidade, as pessoas não têm estudo, que é bandido”, critica o jardineiro Israel dos Santos, 30, que cresceu em Paraisópolis e mora na região há 25 anos.

Manifestante empunha cartaz com “vidas periféricas importam” | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Os manifestantes também rezaram um Pai Nosso ao lembrar das vítimas do Massacre de Paraisópolis, em que nove jovens morreram após ação da PM ao dispersar um baile funk em dezembro de 2019.

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Em maio deste ano, a Polícia Civil indiciou nove dos 31 policiais militares que participaram da ação por homicídio culposo (quando não há a intenção de matar) ao entender que houve negligência da dispersão, cujo cerco acabou provocando as mortes , já que as vítimas acabaram comprimidas entre a multidão, e também condutas ilegais de PMs que agrediram pessoas no local. Cabe ao Ministério Público analisar o inquérito para se manifestar.

Cartazes lembraram os nomes dos nove jovens que morreram no massacre de Paraisópolis, em dezembro de 2019 | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Também houve gritos de “Cadê o Bacci para falar a verdade?”, em referência ao jornalista Luís Bacci, que apresenta o programa Cidade Alerta na TV Record, cuja cobertura do caso é contestada pelos moradores.

Viaturas da Força Patrulha acompanham o ato. Um caminhão da Tropa de Choque estava estacionada na Av. Giovanni Gronchi | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O protesto seguiu por grande parte da Avenida Giovanni Gronchi, entrou novamente por algumas ruas dentro da comunidade e finalizou na Avenida Hebe Camargo de forma pacífica. Pelo menos três viaturas da Força Patrulha do 16º Batalhão Metropolitano da PM acompanharam o trajeto. Havia um caminhão da Tropa de Choque na Avenida Giovanni Gronchi, na altura do número 3518, em um posto de gasolina, mas logo depois o veículo deixou o local.

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