Funcionários do Hospital da USP denunciam falta de equipamentos de proteção contra Covid-19

    Profissionais não são testados e ainda têm que usar ao longo de todo o dia máscaras que deveriam ser trocadas a cada duas horas

    Fachada do Hospital Universitário localizado na zona oeste de SP | Foto: Marcos Santos/USP Imagens

    Ficar em casa é a regra para combater o avanço do coronavírus, mas nem todos podem cumprir o isolamento social. É o caso dos profissionais de saúde que estão na linha de frente dessa batalha: se colocar em risco para salvar vidas. Para quem trabalha no Hospital Universitário, da USP, localizado na zona oeste da cidade de São Paulo, o risco tem sido bem maior.

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    Desde os primeiros dias de abril, a administração do hospital decidiu que o número de máscaras cirúrgicas, essenciais para a proteção contra a Covid-19, deveriam ser reduzidas. Antes, a regra era trocar a máscara de 2 em 2 horas. Agora profissionais de saúde podem usar apenas uma máscara por dia, ou seja, dependendo do número de horas trabalhado o item pode ser usado por 6 ou até 12 horas.

    Aviso sobre a restrição de máscaras descartáveis espalhado pelo HU | Foto: arquivo pessoal

    Funcionárias ouvidas pela Ponte, que pediram para não serem identificadas por temerem represálias, contaram que o sucateamento do hospital é anterior à pandemia, mas que se intensificou desde que a doença chegou ao Brasil.

    “Quando chegaram os primeiros casos de Covid-19 no HU ainda estávamos desorganizados, em meio a muitas mudanças e nenhum protocolo seguro de atendimento. Os próprios trabalhadores tiveram que tomar a iniciativa de pensar e criar estratégias mais seguras de proteção”, contou à Ponte uma técnica de radiologia que trabalha no hospital.

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    “Nunca houve um controle rígido com materiais. Quando tudo começou, o medo e a insegurança bateram, as pessoas começaram a roubar álcool, máscaras e luvas do hospital”, continua.

    No começo da pandemia, conta a funcionária, nenhuma medida de proteção foi elaborada pela administração do hospital. A mensagem passada para as equipes, na verdade, foi de que o Hospital Universitário ficaria livre da Covid-19.

    Uma técnica de enfermagem, que pediu para não ser identificada, também conversou com a Ponte. A funcionária trabalha há 10 anos no Hospital Universitário e relatou que os itens faltantes são imprescindíveis para proteger a equipe médica contra o coronavírus: touca descartável, máscara cirúrgica descartável, respirador facial, avental impermeável descartável e óculos para proteção.

    Muitos funcionários, de diversos setores, conta a técnica em enfermagem, estão infectados pela Covid-19. “O hospital não está testando todos os funcionários que procuram atendimento na porta do pronto socorro que apelidamos de ‘gripário’. Dependendo do médico que atende, ele afasta por 3 ou 7 dias e pede o exame”, explica a técnica em enfermagem.

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    A técnica em enfermagem conta que tem dois filhos pequenos e que seu marido faz parte do grupo de risco. Seu medo diário é contaminar a família. “Diariamente recebemos muitos pacientes. Como eles não são colocados como suspeita de Covid-19 na entrada, ficamos em contato com eles por muito tempo”, afirma. “Focaram em sintomas principais, ignorando outros. Dessa forma, tiveram contaminações por conta de pacientes que foram testados depois”, detalha.

    No primeiro dia de abril, o superintendente do hospital, professor Paulo Francisco Ramos Margarido, extinguiu o comitê de crise, criado para controlar a Covid-19, e centralizou as decisões na própria superintendência, responsável pela administração do hospital.

    Documento obtido pela Ponte mostra determinação de “hospital livre de Covid-19”

    “O superintendente soltou esse memorando, uma tremenda ilusão visto que estamos numa pandemia e a procura pelos equipamentos de saúde se dá por outras causas além dos sintomas de coronavírus, mas o que vimos foram pacientes vindos de UBS [Unidades Básicas de Saúde] circulando no hospital sem máscara para realizar exames e depois vimos imagens suspeitas de Covid-19″, relata a técnica em raio-x.

    Na radiologia, conta a funcionária do setor, que tem linha de frente para confirmação mais segura dos casos, a situação dos equipamentos está mais complicada.

    “Eles estão negando o uso de respiradores faciais para os técnicos que fazem tomografia e que fazem radiografia nos leitos de isolamento. Tem profissional trabalhando com máscara vencida e machucando o rosto, porque o metal contido nela não está mais prendendo”, relata.

    “Depois de um mês brigando e implorando liberaram o uso das roupas privativas, porque ao andarmos com as nossas vestimentas somos foco de transmissão em nossas casas, no transporte público. Está difícil trabalhar quando não temos tranquilidade e segurança. Todo dia é uma batalha”, lamenta.

    Outro lado

    A Ponte procurou a Superintendência e a Ouvidoria do Hospital Universitário para perguntar sobre as denúncias feitas pelos funcionários à reportagem.

    A Reitoria da USP encaminhou ao e-mail da Ponte o link de uma nota datada de 2 de abril em que chama as queixas dos funcionários de “equívocos”. Nela, destaca medidas restritivas tomadas desde o início da pandemia e destaca a suspensão de aulas, a adoção de teletrabalho e destaca a importância de manter o hospital funcionando para ajudar e unir esforços a outras unidades de saúde vinculadas à universidade no combate ao coronavírus (confira íntegra do texto).

    “Na área da saúde, não há rotina de teletrabalho significativo que permita o atendimento assistencial a pacientes. No Hospital Universitário (HU), a dispensa irrestrita do trabalho para o contingente específico de funcionários com idade superior a 60 anos, com comorbidades ou com filhos menores de 10 anos equivale, na prática, a fechar a instituição, pois esse grupo corresponde a cerca de 30% dos recursos humanos do HU”, diz trecho da nota.

    “Trata-se, portanto, de reduzir o risco à saúde de servidores que, infelizmente, é e sempre foi inerente à atuação na área, motivo pelo qual esses profissionais são, desde o início, tecnicamente capacitados sobre as formas de como evitar contaminações de diversos tipos. Neste momento delicado, é fundamental que o HU permaneça aberto para o atendimento à população e, para isso, precisa do trabalho presencial de seus funcionários. Todavia, isso não significa que, na medida do possível, a Superintendência do Hospital não esteja organizando o trabalho de modo a minimizar os riscos aos profissionais acima de 60 anos ou com comorbidades”, afirma outra parte do comunicado.

    Reportagem atualizada às 19h54 do dia 15/4 para inclusão de nota do Hospital Universitário

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