Garoto de 14 anos e vigilante são confundidos com assaltantes, afirmam familiares

    Ambos foram atingidos por disparos de um PM aposentado; ele e a namorada teriam reconhecido suspeitos por fotos de celular tiradas pelos policiais que atenderam a ocorrência

    Cristiano (à esq.) e L.B.S. (à dir) foram baleados | Fotos: arquivo pessoal

    L.B.S., de 14 anos, ia à bomboniere comprar um bolo duas ruas acima de sua casa, em São Vicente, litoral de São Paulo. Cristiano Barbosa Santos, 34, estava conversando em frente à casa do irmão, escolhendo onde iriam assistir o jogo do Corinthians. Segundo relatos dos familiares, o garoto e Cristiano nunca se conheceram. Isso até ambos serem apontados – e, ainda de acordo com a família, confundidos – como suspeitos de tentarem roubar um policial militar aposentado e sua namorada.

    O caso aconteceu na noite da quinta-feira (22/3) na rua Monsenhor João Batista de Carvalho quando o ex-policial Hércules Adriano dos Santos levava sua namorada, Mônica Aparecida da Silva Soares, para casa e o veículo foi abordado por quatro suspeitos. De acordo com o boletim de ocorrência, Hércules conseguiu sacar sua arma em meio à ação, o que deu início à troca de tiros.

    A versão do PM aposentado é de que dois dos suspeitos foram baleados e socorridos por moradores. Um deles era adolescente, quem começou a disparar, e deixou os celulares roubados caírem durante a fuga – Hércules relatou que ele portava uma arma Taurus, calibre 38. Socorridos no hospital municipal de São Vicente, ambos foram reconhecidos por Hércules e Mônica em fotos tiradas pelos policiais acionados na ocorrência enquanto eles recebiam atendimento.

    As famílias de L.B.S. e Cristiano contam histórias diferentes: além de não terem envolvimento com o crime, ambos estavam distantes do local em que o roubo aconteceu. “Meu filho saiu de casa e foi na bomboniere. É costume dele, quando fechou a loja de roupas que a gente tem, de ir comprar um bolo para a gente. No meio do caminho, um policial estava atirando na rua aleatoriamente. Tinha acabado de ser assaltado. Ele estava passando na rua no momento e foi acertado”, conta Samuel Borges, 53 anos, pai do garoto. “A bala acertou e ficou na bermuda, ele estava pelo menos 100 metros distante”.

    Irmão de Cristiano, Fábio Barbosa Santos garante que os dois tinham acabado de jantar e estavam na porta de sua casa conversando com amigos no celular. “Eu estava do lado dele, passamos o dia todo juntos. Ele é vigilante com turnos de 12 horas e folgas de 36, estávamos vendo com um tio nosso o conserto da bicicleta que ele usa pra ir trabalhar. Quando voltamos, jantamos e estávamos na porta de casa vendo com um amigo nosso, dono de bar, se lá tinha cerveja sem álcool porque eu não bebo. Íamos lá ver o jogo do Corinthians. Foi quando começou uma correria na rua e os barulhos de tiro. Na hora em que ia falar para o Cristiano correr, vi meu irmão no chão”, relembra. “Aquilo aconteceu a uns 300 metros da gente”.

    L.B.S. levou um tiro na perna esquerda. Ficou internado até sábado e, após liberado, passou por audiência de custódia. A decisão do juiz o liberou mediante responsabilidade assumida pelos pais e agendando uma nova audiência para o dia 8 de maio, conforme prosseguimento do processo. Cristiano segue internado. Ele levou um tiro na nuca e está em estado gravíssimo, segundo a família. Eles dizem que o hospital deu versões diferentes sobre a situação do vigilante, primeiro informando que o tiro havia sido de raspão e, depois, que a bala estava alojada. Caso se recupere, também passará por audiência de custódia.

    Por quatro dias, Cristiano não recebeu visita da família. Somente após um alvará da Justiça a mãe e a mulher puderem ir visitá-lo na segunda-feira (26/3). “Meu marido é trabalhador, trabalha em um estacionamento para caminhões no cais de Santos, nunca se envolveu com crime. O menino é estudante, falei com a família dele. O problema nem é de o policial ter atirado. Moramos em um bairro perigoso, pode ter bala perdida, mas o problema é ter acusado meu marido e o menino de coisa que eles não fizeram. Na delegacia, nem tive o direito de me defender, já estavam falando que os dois eram ladrões”, explica Dayene de Oliveira Viana, esposa de Cristiano. O casal tem dois filhos, uma menina de cinco anos e um menino de três.

    Pai de L.B.S., Samuel conta que o garoto estuda pela manhã e durante a tarde cuida da loja de roupas da família. Permanece ali depois do almoço até por volta de 20h. “Montei para ele começar a trabalhar e evitar que ele fique na rua. Do jeito que o mundo anda”, conta. “É um moleque esforçado, um adolescente criado no caminho certo. Essa é uma situação complicada. Não acreditei como os policiais me trataram quando levei os documentos dele, me xingaram de tudo quanto é nome. Tenho até vergonha do que falaram pra mim”, segue.

    A Ponte tentou entrar em contato com Hércules Adriano dos Santos e Mônica Aparecida da Silva Soares, mas até o fechamento da reportagem não houve resposta. Questionada sobre a ocorrência, a SSP se posicionou às 19h09 de segunda-feira (2/4) com a seguinte nota: “A Polícia Civil informa que o caso segue em investigação pelo 2º DP de São Vicente. Testemunhas relataram a ação à polícia e a dupla foi reconhecida pelas vítimas. A equipe segue em busca dos outros dois envolvidos. Caso alguém possua alguma informação que possa colaborar com as investigações, a polícia orienta a denunciar por meio do telefone 181 ou diretamente no 2º DP”, informa.

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