GCM expulsa com violência refugiado do local de trabalho no centro de SP

    Jadallah alugou espaço de suposto proprietário e chegou a gastar R$ 15 mil em reformas para montar o negócio de comida árabe; imóvel era, na verdade, da prefeitura

    Há cerca de quatro anos, o sírio Jadallah Al Ssabah chegou ao Brasil depois de deixar o seu país, arrasado pela guerra civil que já dura sete anos. Com documentação regularizada, aos poucos tem tentando driblar a dificuldade do idioma e reconstruir a vida. Vivendo em uma ocupação no centro de São Paulo, o refugiado acabou tendo a ideia de montar um estabelecimento de comida árabe. Foi assim que, há alguns meses, alugou um espaço na Rua Galvão Bueno, no bairro da Liberdade, onde antes funcionava um brechó. O suposto dono do “ponto” disse que os negócios não estavam indo bem e que desejava passar adiante o local. Apesar de o estão de conservação não ser bom, Jadallah acreditou que com alguns ajustes, poderia colocar seu sonho em prática.

    Jadallah deu um sinal para garantia do ponto de R$4.000,00 para o suposto proprietário, identificado como Eduardo Ferreira Lira. Na sequência, iniciou a reforma do imóvel, que durou mais de 30 dias, ocasião em que trocou a fiação, os revestimentos do piso e aplicação de azulejos e toda a parte hidráulica, entre outras melhorias.

    Com todo o aparato necessário para a cozinha árabe, abriu o negócio no dia 26 de junho. Mas o o investimento e esforço duraram pouco. Nesta segunda-feira (16/7), Jadallah foi surpreendido por agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) que usaram de violência para retirá-lo do imóvel alegando que o local é de posse da Prefeitura de São Paulo.

    “Foi um investimento de aproximadamente R$ 15 mil. Os recursos eram todos dele, de economias dele. E comprou equipamentos de cozinha para poder montar o negócio. Comprou estufas, o aparelho de Shawarma, fogão. Nesse período todo, não apareceu ninguém da prefeitura lá para dizer que o imóvel era deles”, explica a advogada Marina Tambelli, que é representante legal também do Al Janiah, local de resistência, espaço cultural e gastronômico, que reúne imigrantes e refugiados, em sua maioria palestinos.

    Marina explica que no dia da abertura do estabelecimento, ainda no final de junho, funcionários da fiscalização da prefeitura de São Paulo teriam passado por lá e entregado a ele um auto de infração. Pela dificuldade com o idioma, ele não conseguiu compreender do que se tratava o papel. No dia 12 de julho, voltaram ao local e começaram a tirar os equipamentos. “Ele me ligou e eu fui até lá para entender o que estava acontecendo. Ele sofreu um estelionato por causa de omissão da prefeitura em cuidar do bem”, explica.

    Tanto Marina quanto outros moradores da região, que inclusive conhecem Jadallah, afirmam que o antigo ocupante do lugar, que se dizia dono, estava no espaço há quase 3 anos. O Ministério Público será oficiado do ocorrido pelos representantes legais de Jadallah que, entre outras coisas, questionam o uso do decreto nº 48832/2007, da gestão Kassab, que ficou conhecido como um instrumento que facilita remoções compulsórias.

    No documento, também citam outras supostas irregularidades que teriam sido cometidas pela prefeitura: negligência e desídia em relação a um bem público e enriquecimento ilícito do poder público em razão do cometimento de crime de estelionato por terceiros. Além disso, voltam a questionar o fato de a prefeitura não ter vindo reclamar o imóvel antes.

    Segundo a advogada, a defesa entrou com o pedido em caráter liminar na justiça para que ele possa ser retornar ao local com todos os pertences que foram confiscados pela prefeitura até que seja possível encontrar um novo espaço. “Ele já entendeu que foi enganado e não quer ficar num imóvel que não é dele. Até queria propor pagar aluguel para a prefeitura, mas não houve negócio. Ele não teve direito nem mesmo de se defender e é isso que a gente está pleiteando, a gente está tentando”, explica Marina Tambelli.

    A Prefeitura Regional da Sé informou, por nota, que a área onde estava Jadallah é pública e, portanto, estava invadida e alega que não houve cumprimento do prazo de 15 dias dado para desocupação do imóvel.  “Um agente vistor da Regional esteve no local e intimou o proprietário para a desocupação no dia 26 de junho. Todos os pertences foram lacrados e armazenados no depósito da Regional Sé”, diz a nota.

    Ainda em resposta aos questionamentos da Ponte, a prefeitura informou que “em 2014 houve um chamamento público para ocupação do espaço, porém o vencedor abandonou o projeto. Em abril de 2018 houve intimação para desocupação do imóvel, atendido prontamente. O local permaneceu fechado até recente denúncia de pessoas da comunidade e do Conseg da região”.

    Com relação a truculência registrada em vídeo da GCM tirando Jadallah do local, a prefeitura afirma que os agentes estavam “apoiando o trabalho de funcionários da Prefeitura Regional” e que a Corregedoria “está à disposição para registrar eventuais queixas sobre a conduta dos guardas para apurar as circunstâncias em que ocorreu a abordagem”.

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