Gesso no pé e passaporte falso: como foi a prisão de Fuminho, braço direito de líder do PCC

    Preso em Moçambique, Gilberto Aparecido dos Santos deve ser extraditado e ir para prisão em Brasília, onde está cúpula da facção

    Fuminho estava tomando um ar e fumando quando foi preso em um hotel de luxo em Maputo | Foto: Arquivo Ponte

    Depois de um ano de ininterruptas investigações, agentes da DEA (Drug Enforcement Administration), a Polícia Federal dos Estados Unidos, conseguiram prender o criminoso mais procurado do Brasil.

    Gilberto Aparecido dos Santos, 49 anos, o Fuminho, não ofereceu resistência ao ser surpreendido por policiais norte americanos nesta segunda-feira (13/4) em um hotel de luxo em Maputo, capital de Moçambique, na África.

    Ele estava tomando um ar, na porta do hotel, próximo a uma palmeira, quando recebeu voz de prisão. E não poderia correr, pois havia fraturado recentemente um dedo do pé direito, ainda protegido por gesso.

    A prisão efetuada pelos agentes da DEA foi possível por causa da troca de informações compartilhadas pelo delegado Elvis Secco, coordenador de Repressão à Drogas da Polícia Federal do Brasil.

    Segundo a PF brasileira, Fuminho passou por vários lugares da América do Sul e, em março deste ano, saiu da Bolívia e, com passaporte boliviano falso, transitou por alguns países da África. Agentes brasileiros o rastrearam e o criminoso acabou localizado em Maputo.

    Na realidade, Fuminho era caçado por policiais da DEA desde 2014, quando morava na Flórida, Estados Unidos, em companhia do parceiro Wilson José Lima de Oliveira, 43 anos, o Neno.

    Fuminho foi detido pela Polícia Federal dos EUA após um ano de investigações | Foto: Arquivo Ponte

    Apontado como homem forte do PCC (Primeiro Comando da Capital), Neno era o responsável pela arrecadação da contribuição mensal de R$ 600 de todos os integrantes da facção presos e em liberdade. A caixinha é chamada de “cebola”.

    Antes de ser detido e condenado a três anos de prisão, em 2017, em São Paulo, Neno morava na Flórida. Lá, segundo investigações da policia norte-americana, ele deu guarida ao amigo Fuminho. Ambos conseguiram escapar de um cerco policial e fugiram na ocasião para o Panamá.

    Considerado o braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, número 1 do PCC, de acordo com o MPE (Ministério Público Estadual), Fuminho estava foragido desde janeiro de 1999 quando escapou da Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, zona norte da capital.

    Investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão e Combate ao Crime Organizado) de Presidente Prudente, órgão subordinado ao MPE, constataram que até fevereiro de 2018 Fuminho era o maior traficante de drogas do país.

    O Gaeco apurou que ele exportava ao menos uma tonelada de cocaína por mês para a Europa, pelos portos de Santos, Itajaí, Fortaleza e João Pessoa e ainda era o maior fornecedor de drogas para o PCC.

    Em fevereiro de 2018, os negócios de Fuminho foram temporariamente interrompidos. Isso porque ele foi acusado de comandar outra missão: planejar os assassinatos de dois homens que até então eram da cúpula do PCC e tinham muito prestígio entre a liderança da organização.

    Leia também: Bilhete indica que PCC ordenou as mortes de Gegê e Paca

    Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, foram mortos a tiros na região metropolitana de Fortaleza, no Ceará.

    O duplo assassinato gerou um princípio de crise no PCC. Gegê e Paca eram muito respeitados na facção. Uma ala do Primeiro Comando da Capital exigia uma retaliação aos assassinos de ambos.

    A vingança veio em uma semana. Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, sócio de Fuminho e homem de confiança dele, coordenou as execuções de Gegê e de Paca.

    Cabelo Duro foi morto na porta de um hotel de luxo no Tatuapé, zona leste da capital. Um dia antes da morte dele, José Adnaldo Moura, o Nado, foi sequestrado por integrantes dessa ala do PCC que exigiu a vingança pelas mortes de Gegê e Paca.

    Leia também: As ostentações milionárias de Cabelo Duro, o gerente do tráfico internacional do PCC

    Nado era amigo leal de Cabelo Duro e de Fuminho. Ele foi levado para um “debate” (quando a pessoa é levada até integrantes da facção para prestar contas de alguma coisa que fez e ser julgada) na Favela de Paraisópolis, na zona Sul, e acabou assassinado por essa ala do tribunal do crime do PCC. O corpo dele não foi encontrado até hoje.

    Nado foi sequestrado para revelar o paradeiro do amigo Cabelo Duro. Segundo o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), Cabelo Duro foi executado por Cláudio Roberto Ferreira, o Galo, um velho amigo e antigo parceiro de crime de Nado.

    Ambos integravam a quadrilha que roubou R$ 164,7 milhões do Banco Central de Fortaleza, em agosto de 2005. E acabaram presos juntos em setembro de 2006, quando se preparavam para outro semelhante assalto cinematográfico a duas agências bancárias em Porto Alegre.

    Quatro meses depois da morte de Cabelo Duro, Galo também foi assassinado com dezenas de tiros no Tatuapé. No DHPP, os rumores são de que Galo foi morto por um ex-PM que tinha ligações com o PCC. Esse ex-PM, Gilson Terra, acabou executado em março de 2019 na zona leste.

    O DHPP investiga esses casos e não fornece nenhuma informação sobre o andamento das apurações dos crimes. Os processos correm em segredo de justiça.

    Entre os integrantes do PCC, no entanto, já está provado que Fuminho foi orientado a comandar a morte de Gegê e de Paca porque ambos foram acusados de roubar milhões de reais da facção criminosa, adquirindo para fins particulares veículos e imóveis de luxo em Fortaleza.

    Algumas autoridades do sistema prisional insistem em dizer que Gegê do Mangue, por exemplo, foi morto porque havia prometido resgatar Marcola da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau e não cumpriu a missão.

    Depois que o PCC conseguiu provar “por A mais B” que Gegê e Paca estavam ostentando, desviando muito dinheiro da facção, inclusive gastando R$ 500 mil só com passeios de buggy nas dunas do Ceará, as mortes no PCC em retaliação aos assassinatos de ambos cessaram.

    Se Gegê tivesse sido morto porque prometeu e não cumpriu resgatar Marcola, o parceiro Paca, que estava em liberdade há mais tempo do que ele, teria sido morto bem antes.

    Leia também: Documentos mostram racha no PCC e afastamento de um dos líderes da cúpula

    Segundo o Gaeco de Presidente Prudente, a missão de resgatar líderes do PCC na P2 de Presidente Venceslau era de competência de Fuminho. Mas o plano acabou descoberto e foi por água abaixo. Fuminho, entretanto, jamais foi ameaçado de morte por causa da frustração desse ousado plano.

    Agora preso, Fuminho deve ser incansavelmente interrogado para contar detalhes de todas essas ações. Entre elas, por exemplo, de quem partiu a ordem para matar Gegê e Paca.

    Gilberto Aparecidos dos Santos, 49 anos, o Fuminho | Foto: Arquivo Ponte

    O Gaeco e a Polícia Federal também vão querer saber quem mandou matar Cabelo Duro — o assassino de Gegê e Paca — e quem ordenou o sequestro e a morte de Nado e depois a execução de Galo.

    No rol de pessoas ligadas aos líderes do PCC, as apostas são de que Fuminho vai se manter em silêncio, não vai aceitar acordo de delação premiada, não vai “entregar ninguém” e não vai ter “nada a declarar”, “mesmo sob intensa tortura”.

    Na época em que Fuminho estava na Casa de Detenção as prisões eram diferentes. O RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) não havia sido institucionalizado oficialmente, embora já houvesse castigo semelhante na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, onde o PCC foi criado em 31 de agosto de 1993.

    No RDD, os presos não recebem visita íntima, não têm direito a ouvir rádio, assistir TV, ler jornais, revistas ou livros. O banho de sol é de duas horas diárias. Parentes e detentos se veem uma vez por semana, separados por um vidro blindado. Não há contato físico.

    Promotores do Gaeco e agentes federais estão ansiosos em ouvir Fuminho. O Brasil tem um acordo de extradição com Moçambique. O criminoso, no entanto, foi preso com drogas no hotel, segundo o delegado Elvis Secco, e e por isso, também pode ser expulso para território brasileiro.

    As expectativas são de que Fuminho seja levado direto para a PFBRA (Penitenciária Federal de Brasília). É lá também que cumprem pena os homens apontados como líderes do PCC, a maior facção criminosa brasileira.

    Fuminho pode ficar na mesma ala onde está Marcola ou então bem próximo de Alejandro Juvenal Herbas Camacho, o Júnior, irmão de Marcola; Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka; Roberto Soriano, o Tiriça; Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho; e Paulo Cesar Souza Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina, todos da cúpula do grupo.

    Quem também está preso na Penitenciária Federal de Brasília é André Luiz da Costa Lopes, o Andrezinho da Baixada. Segundo a Polícia Civil do Ceará, ele é parceiro de Fuminho e foi cooptado por Cabelo Duro para ajudar a matar Gegê do Mangue e Paca. Andrezinho e Fuminho foram indiciados pelo duplo assassinato.

    Os protagonistas da recente crise e de uma série de assassinatos no PCC podem ficar frente a frente, caso Fuminho seja extraditado de Moçambique direto para a Penitenciária Federal de Brasília.

    Nos presídios federais vigoram um rígido RDD. Os presos ficam em grupos bem pequenos no banho de sol. Já há quem diga que se Fuminho for levado para a PFBRA e se se mantiver em silêncio, “sem nada a declarar”, será colocado propositalmente no pátio com antigos conhecidos de crime.

    As pessoas ligadas aos líderes do PCC que acreditam nessa hipótese entendem que essa estratégia seria utilizada para captar as conversas de Fuminho com os chefes da facção, por meio de escutas ambientais instaladas ao redor de um dos pátios de banho de sol, desvendando assim o mistério desses crimes que tiveram grande repercussão nacional.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas