Governo Castro matou mais de 50 pessoas nas duas maiores chacinas do Rio

Operação do Bope, a tropa mais letal do RJ, e da PRF aconteceu na manhã desta terça (24) na Penha, zona norte da cidade do Rio, com 25 mortos até contagem desta quinta (25); há um ano, ação policial no Jacarezinho deixou 28 mortos

Gabriela Ferreira da Cunha, 41 anos, que foi baleada e morta durante tiroteio na entrada da Chatuba, ao lado da Vila Cruzeiro | Foto: Reprodução/TV Globo

Começando às 4h da manhã desta terça-feira (24/5), moradores do Complexo da Penha, na Vila Cruzeiro, na zona norte da capital fluminense, relataram barulhos de tiros. Até a manhã desta quarta-feira (25/5) seguiu a contagem de corpos de mais um massacre, segundo o Voz das Comunidades são 25 mortos e seis feridos após uma operação conjunta entre o Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar), a tropa mais letal do Rio de Janeiro, com a PRF (Polícia Rodoviária Federal).

O número praticamente dobrou no decorrer da manhã, já que, inicialmente, a imprensa noticiou 11 mortes, mas o porta-voz da PM tenente coronel Ivan Blaz, disse em entrevista à Rádio BandNews que ainda poderiam aparecer mais pessoas mortas. “Como tem confronto em área de mata, é difícil precisar se há ou não mais mortos. Tem mata fechada, pouca visualização do oponente, e pode ter criminosos feridos, como no Salgueiro, que só apareceram depois. Essa é a realidade. Vamos usar a aeronave nas buscas. Mas é provável que outras pessoas possam aparecer feridas ou mortas”, disse. “Sabemos que quem são vitimados são os jovens. Não se vê cabeças (chefes) trocando tiros. Provavelmente, nós teremos criminosos de raia miúda. Buscamos por criminosos de outros estados.”

As corporações alegaram se tratar de uma operação emergencial para prender chefes da facção criminosa Comando Vermelho (CV) e que, durante uma incursão, foram recebidos a tiros, mas segundo o G1, a ação estava sendo planejada há 11 meses para “impedir uma suposta migração para a Rocinha”. Cerca de 32 escolas dos complexos da Penha e do Alemão ficaram fechadas por causa da operação. Essa foi a segunda ação conjunta da PMERJ e da PRF na região neste ano. Em fevereiro, uma ação terminou com oito mortos.

A divisão de vítimas atingidas foi apontada desde o início da cobertura: primeiro, eram 11 suspeitos; depois, uma moradora, identificada como Gabriela Ferreira da Cunha, 41 anos, que foi baleada e morta durante tiroteio na entrada da Chatuba, ao lado da Vila Cruzeiro, e 10 “suspeitos”. Com a contabilização até esta tarde, mudou para pessoas mortas e a PMERJ apontou que 12 dos 22 eram suspeitos de integrar o tráfico de drogas.

Thainã Medeiros, co-fundador do Coletivo Papo Reto, conta que quase foi atingido por um policial durante a ação quando estava na Vacaria, uma região no interior da Vila Cruzeiro no Complexo da Penha. “Eu estava ao lado de um corpo com marcas de tortura quando o Bope apareceu discutindo com moradores e deu um tiro na minha direção. Pegou a menos de um metro de mim numa parede”. Ele ainda relata que o homem que encontrou morto poderia ter sido torturado por agentes de segurança pública: “os moradores disseram que fizeram ele comer cocaína. Se fato a boca dele tinha muita espuma e vômitos aí redor”.

O Ministério Público Estadual (MPRJ) informou que foi comunicado sobre a operação, tendo em vista que desde junho de 2020 o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu operações policiais no Rio de Janeiro, com exceção de casos excepcionais previamente avisados. O órgão disse que a justificativa foi de “absoluta excepcionalidade, com intuito de coletar dados de inteligência sobre o deslocamento de aproximadamente 50 criminosos da Vila Cruzeiro, entre eles lideranças do Estado do Pará, para a Comunidade da Rocinha”.

Também apontou que foi mencionado pelas polícias o “reconhecimento da área para atualização de prontuário de localidade com vistas a futuras operações policiais” e que, durante esse procedimento, “a equipe da Unidade de Operações Especiais foi reconhecida e atacada por diversos criminosos locais que portavam armas de grande valor cinético e efetuaram vários disparos de arma de fogo, tentando contra a vida dos policiais que compunham a patrulha, havendo assim a necessidade de iniciar uma operação emergencial com o objetivo de estabilização do terreno”. A assessoria do órgão não mencionou se iria investigar a atuação dos policiais militares.

Já o MPF (Ministério Público Federal) anunciou que abriu um procedimento investigatório criminal nesta terça-feira (24) e solicitou informações e relatório completo aos superintendentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. “Em 11 de fevereiro deste ano, no mesmo lugar, houve oito vítimas fatais em operação com participação da PRF. O Brasil é signatário de tratados e acordos internacionais que nos obrigam a investigar e punir violações de direitos humanos. E 21 mortos, até agora , em menos de 3 meses, não podem ser investigados como se fossem simples saldo de operações policiais”, ressaltou o titular do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial no Rio de Janeiro, procurador da República Eduardo Benones.

Entidades de proteção a direitos humanos e parlamentares também questionaram a ação das polícias, que ocorreu há pouco mais de um ano depois da Chacina do Jacarezinho, que deixou 28 mortos em maio de 2021 após uma operação da Polícia Civil. “Perguntas precisam ser respondidas em uma cidade que há dezenas de anos convive com esse cenário de guerra civil. Por que insistir na política de segurança pública que nunca deu certo? O que mudou após as mortes no Jacarezinho? O que vai mudar após essas mortes na Vila Cruzeiro?”, questionou a ONG Rio de Paz. O governador Claudio Castro (PL),que comanda tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar, lidera as pesquisas para as eleições de outubro, em empate técnico com o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ).

“29 vítimas, 21 letais. Vinte e um mortos. Assim como aconteceu no Jacarezinho há um ano atrás, as vielas do complexo estão sendo lavadas de sangue. 21 mortos NÃO é operação, É CHACINA!”, declarou a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL).

Em entrevista à Ponte, Caroline Grillo, doutora em ciências humanas e coordenadora do Grupo de Estudos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), constata que chacinas produzidas por forças de segurança “vão despontando como uma marca da nossa democracia”. “Na nossa base [de dados], no período que foi de 2007 até até 2021, a gente identificou 593 chacinas policiais, considerando ocorrências de operações policiais com três ou mais mortos. Lembrando que a gente está em maio e [neste ano] já foram registradas 16 chacinas na nossa base, com 71 mortos no total. A gente nem está incluindo essa chacina [desta terça], porque a gente nem tem um número de mortos ainda”.

Fransergio Goulart, da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial, aponta que a operação desta terça foi realizada em conjunto com órgãos federais, o que, para ele, significa que o governo federal está se alinando ao governo local para aumentar a letalidade policial: “Eu acho que vale ressaltar que essa operação foi feita em articulação com a Polícia Federal e isso vem sendo cada vez mais frequente no Rio de Janeiro. Isso prova que há uma articulação entre o executivo federal e o estadual numa política de segurança pública bem alinhada para produzir essas mortes”.

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E nota, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro informa que “a Ouvidoria e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudeh) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro vêm recebendo desde cedo informações da operação policial que ocorre na Penha. Junto com as informações, os moradores pedem socorro enquanto relatam desespero, angústia e muito medo. Escolas, aparelhos públicos em geral e comércio local estão fechados. Neste contexto, a Ouvidoria e o Nudedh, estão no local auxiliando na orientação aos moradores, sistematizando as informações recebidas e solicitando ao Ministério Público e aos órgãos de controle interno da atividade policial a adoção de todas as medidas para interrupção da violência no local e garantia de investigações das mortes e violações.”

O que dizem as polícias

Questionamos a assessoria da Polícia Civil sobre a investigação do caso, mas a secretaria disse que caberia apenas a PM responder.

A secretaria da PM confirmou 11 vítimas como “em situação de confronto” e como sendo “criminosos”, mas não mencionou as demais, conforme nota abaixo.

A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, nesta terça-feira (24/05), o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atuaram conjuntamente na Vila Cruzeiro, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. A ação teve por objetivo localizar e prender lideranças criminosas que estão escondidas na comunidade, inclusive criminosos oriundos de outros Estados do país (Amazonas, Alagoas, Pará entre outros).

As equipes do BOPE e da PRF se preparavam para a incursão quando criminosos começaram a fazer disparos de arma de fogo na parte alta da comunidade. Uma pessoa foi ferida na Chatuba, uma comunidade fora da área da operação, e veio a óbito no local. A área foi isolada por uma equipe da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para perícia da Delegacia de Homicídios da Capital.

Durante a ação, incluindo em área de mata, ocorreu confronto. Após cessarem os disparos, onze criminosos foram localizados feridos e houve apreensão de 13 fuzis, quatro pistolas e 12 granadas, além de drogas a serem contabilizadas. O socorro destes feridos foi feito ao Hospital Estadual Getúlio Vargas. Segundo informações do Setor de Inteligência, três destes feridos seriam oriundos de outros Estados (Amazonas e Pará). Na localidade conhecida como Vacaria, mais de 20 veículos (motocicletas e carros) usados por criminosos em fuga foram apreendidos. Ocorrências encaminhadas para a Delegacia de Homicídios da Capital.

Também entramos em contato com a assessoria da PRF, mas não tivemos retorno.

ATUALIZAÇÃO: texto modificado às 11h15 do dia 25/5/2022 para atualizar a contagem de mortos na chacina

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