Governo não quer indenizar pai de santo que teve a casa invadida por policiais que buscavam Lázaro Barbosa

Terreiro de André Vicente de Souza teve objetos sagrados destruídos, foi acusado de ser local de ritual satânico e abrigar o homem acusado por chacina. Caso está em sigilo até 2026

Porta do terreiro do pai André, que foi arrombada pela polícia | Foto: Reprodução

A caçada a Lázaro Barbosa, que mobilizou 270 policiais, cães farejadores e helicópteros durante o mês de junho deste ano, não acabou quando o suspeito de ser o autor de uma chacina foi morto por policiais. Agora em outubro a Procuradoria Geral do Estado de Goiás se negou a comparecer a uma audiência de conciliação onde um pai de santo de 81 anos, analfabeto e deficiente auditivo, e que foi vítima de abuso policial durante a investigação, pede uma indenização ao poder público.

A chácara de André Vicente de Souza, em Águas Lindas de Goiás (GO), foi invadida e revirada no dia 15 de junho por policiais que estavam à procura de Lázaro. O caseiro do local, em depoimentos à Polícia Civil, afirma ter sido espancado por policiais que vestiam uniformes pretos e que queriam informações sobre o fugitivo.

Três dias depois, de acordo com André Vicente, outros policiais retornaram ao local e voltaram a cometer violência física contra o caseiro e psicológica contra André. No local funcionava um terreiro de candomblé e os policiais quebraram objetos sagrados utilizados nos cultos. Fotos do lugar foram divulgadas na imprensa, e veículos noticiaram queo terreiro seria um local onde eram realizados rituais satânicos. 

Para o advogado André Alves da Mata, a versão que a chácara do seu cliente era ligado ao satanismo partiu da própria polícia e validou a perseguição religiosa na região, já outros terreiros de religiões de matrizes africanas procuraram o Ministério Público informando terem seus templos invadidos. 

“A partir do momento que uma autoridade policial fornece informações à imprensa, claro que ela vai dar essa versão porque é uma informação oficial. É uma religião que já sofre muito preconceito, basta ver os comentários feitos sobre essa notícia na época. Quando você fala que determinada religião está ajudando um criminoso, qualquer pessoa daquela religião vai sofrer discriminação”, comentou o advogado.

A ação impetrada pelo advogado contra o estado de Goiás que o pai de santo receba uma  indenização de R$101.679,98 por conta dos atos truculentos de abuso de autoridade, violência física e psicológica, danos morais e materais, e racismo religioso, por parte dos policiais, sob o comando da secretaria de segurança pública.

Estado nega acordo

A Procuradoria Geral de Goiás alega que o líder religioso não tem provas de que a polícia invadiu a chácara, agrediu o caseiro e destruiu objetos sagrados. “O pedido de indenização em face do Estado de Goiás é totalmente improcedente, pois em todas as ações praticadas pelos agentes públicos, não houve comprovação de sequer um único ato ilícito (…) os agentes públicos envolvidos agiram no estrito cumprimento de seus deveres legais, sem qualquer espectro de ilegalidade que o seja”, diz um trecho do documento de contestação feito pela Procuradoria e enviado à Justiça.

No texto, a Procuradoria salienta que não irá a nenhuma audiência de conciliação, pois não existe amparo na lei para que as partes cheguem a um acordo. “É importante consignar que o Estado de Goiás não comparecerá à audiência de conciliação designada, frente à impossibilidade de realização de acordo, razão pela qual apresenta antecipadamente a presente defesa.”

A juíza Zilmene Gomide da Silva, 4ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Goiás, adotou a mesma linha da procuradoria e se negou a promover um acordo entre as partes. “Deixo de determinar a realização de audiência de conciliação, diante da inexistência de legislação estadual autorizando solução consensual no caso em apreço.”

André Alves da Mata rebate a decisão da Justiça. “A Constituição é clara que não participar de uma audiência de conciliação é à revelia. Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Mas parece que só se você não for o Estado, porque aí é diferente. Se qualquer pessoa disser que não vai a uma audiência é preso, mas se for o Estado não tem problema”.

Da Mata afirma que faltou iniciativa dos órgãos públicos para que houvesse uma investigação que conseguisse levantar as provas de que a casa do seu cliente foi invadida por policiais sem ordem judicial. Após a invasão do dia 18, o pai de santo André Vicente de Souza procurou a delegacia da Águas Lindas de Goiás, mas foi orientado a procurar o quartel da Polícia Militar da cidade.

“Tanto o Seu André como o caseiro são analfabetos. Eles não sabem qual foi a polícia que foi até a chácara. Eles só informaram que eram policiais de roupa preta. Hoje com a tecnologia que existe era possível saber qual o horário, quais viaturas e quais policiais estiveram na casa naquele dia”, argumenta o advogado.

A foto compartilhada pela polícia apresentando o local como espaço de rituais satânicos serve como prova, segundo o defensor. Uma outra imagem do local foi anexada ao pedido, mostrando que a porta foi arrombada. 

Sigilo

Os dados sobre a investigação para prender Lázaro Barbosa ficarão em sigilo durante cinco anos. O pedido foi feito pela Polícia Civil. Desta forma não há como saber, por exemplo, o quanto foi gasto na operação, que durou 20 dias, e quais foram as estratégias utilizadas pelos agentes de segurança para prender o fugitivo. Esta informação foi dada ao Correio Braziliense em julho deste ano, quando o jornal pediu dados via Lei de Acesso à Informação.

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Ao Metrópole, que noticiou no dia 22 de outubro que o estado de Goiás não iria indenizar o líder religioso, a Procuradoria Geral informou que a posição do Estado é a mesma da contestação anexada ao processo e citada na matéria. A Ponte tentou contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança do Estado de Goiás durante toda esta segunda-feira (25/10), mas não teve êxito.

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