Vídeo mostra quando guardas de Niterói (RJ) lançam spray de pimenta em ambulante de muletas, que tenta salvar seus produtos na operação “Tolerância Zero”
Comerciantes estão sendo coagidos e agredidos pela Guarda Civil Municipal de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, denuncia a Acanit (Associação Assistencial dos Comerciantes Ambulantes do Município de Niterói). Em vídeo, o ambulante Marcos Davi de Souza dos Santos tem a mercadoria recolhida à força por cerca de três agentes públicos, enquanto é agredido com spray de pimenta por um deles.
Cenas como essas têm se repetido em Niterói durante ações da Guardas Municipal. ‘’Tolerância Zero’’ é o nome da operação autorizada que vem fazendo essa série de apreensões ilegais com quem faz do que vende nas ruas a renda diária em meio à pandemia do novo coronavírus. A Acanit tem prestado auxílio aos ambulantes e denunciou este e outros casos.
“Encaminhamos advogados da Comissão de Direitos Humanos da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], assim como assistência médica aos que foram agredidos, além de encaminhar para o corpo de delito”, conta o presidente da associação, Fernando Carvalho.
Marcos vende panos de chão, panos de prato, flanelas e tapetes no bairro de Icaraí, na zona sul do município. A Associação também pediu afastamento dos agentes públicos envolvidos na apreensão forçada da mercadoria de outro ambulante no dia 07 de junho. O comerciante de 45 anos foi agredido na rua Coronel Gomes Machado, no centro de Niterói, enquanto vendia meias na calçada.
“Ele foi foi cercado por 10 guardas que se aproximaram e o jogaram no chão, o imobilizando e enforcando. Ele trabalha há 5 anos no mesmo ponto. Foi registrado boletim de ocorrência na Delegacia Online, com uma advogada da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que está acompanhando o caso”, conta Carvalho.
Ele acrescenta ser recorrente o número de denúncias sobre guardas que não vedam os produtos recolhidos. “Este procedimento é fundamental para que o ambulante depois recupere suas mercadorias apresentando a respectiva nota fiscal”, defende.
“A operação em curso [Tolerância Zero] é que autoriza essa apreensão de mercadorias. Se houver resistência, é autorizado usar cassetete e spray de pimenta”, revela o presidente da Acanit. “A própria Guarda Municipal é contra essa operação e há relatos anônimos de agentes sofrendo punição por não cumprirem a ordem de serviço”, relata.
O artigo 6º do decreto 9117/2003 dispõe que os guardas municipais, “sempre que possível”, devem lacrar as mercadorias e equipamentos recolhidos no momento e no local da suposta infração. Essa previsão legal dá margem para que o agente público não coloque o lacre no ato da apreensão e, com isso, favorece a possibilidade de desvio do material e prejudique o direito do ambulante de reaver seu material integralmente.
Um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense, do Departamento de Segurança Pública da instituição, chamado “UFF nas Ruas”, faz um trabalho de assessoria popular, que inclui capacitar ambulantes sobre todos os trâmites da administração municipal. Dessa forma, os vendedores ficam conhecendo seus deveres e, especialmente, seus direitos.
“Estamos auxiliando os ambulantes nas medidas a serem tomadas. No começo de 2020, elaboramos um manual de recuperação de mercadorias, para que os trabalhadores que tenham material apreendido saibam seus direitos na hora de recuperá-los”, explica o advogado Thiago José Aguiar, Coordenador do GT dos Ambulantes no projeto.
Ainda de acordo com o projeto, trabalhadores ambulantes ainda não conseguiram obter o auxílio emergencial municipal ou federal. Neste período, a Acanit e a UFF Nas Ruas prestam assessoria na busca pelo benefício e promovem uma “vaquinha” destinada à distribuição de cestas básicas para aqueles que não obtiveram a ajuda financeira.
Em relação aos casos de violações contra ambulantes, a Prefeitura de Niterói, por meio da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), disse que “condena quaisquer ato de violência”. Ela alega que as atitudes relatadas na reportagem “não condizem com o treinamento recebido pelos agentes da Guarda Municipal”. Diz também que a “Corregedoria está apurando o caso e vai definir as providências a serem tomadas”. A Seop destaca ainda que a Guarda Municipal de Niterói é considerada “uma das mais bem preparadas do estado”.
Na nota, a Guarda Municipal de Niterói reitera que está trabalhando em ações para que o cumprimento das medidas sanitárias sejam mantidos (a cidade foi a primeira da região sudeste a decretar bloqueio total e agora em sistema de flexibilização do isolamento social) nas ruas.
Os ambulantes cadastrados na cidade estão recebendo um auxílio emergencial de R$ 500 por mês e ainda não possuem autorização para voltar ao trabalho nas ruas