‘Guardas colocaram a arma no meu portão e atiraram’, denuncia mulher agredida dentro de casa

Moradores apontam truculência de abordagem da GCM de São José dos Campos (SP), na sexta-feira (9/9); vídeo mostra agentes chutando adolescente no chão

Moradora de 51 anos foi atingida por bala de borracha no ombro, nos braços e na panturrilha em ação da GCM na sexta-feira (9/9) | Fotos: Arquivo pessoal

Ana (nome fictício), 51, diz que sente dor quando coloca a roupa, tenta dormir, mas não consegue por conta dos ferimentos há quase uma semana. “Ainda vou ter que tirar os pontos da bala de borracha que pegou na minha panturrilha”, lamenta, revoltada. Na última sexta-feira (9/9), uma abordagem da Guarda Civil Municipal (GCM) de São José dos Campos, na região do Vale do Paraíba, no interior paulista, terminou com moradores baleados e passando mal por conta de armas menos letais usadas por eles.

Eram quase 20h quando a mulher estava jantando com a família no bairro Campos dos Alemães. “Eu estava dentro de casa, dando janta para minha neta, estava com meus filhos e uma nora até que a gente escutou uns barulhos e uma gritaria na rua”, conta. “A gente saiu para ver o que estava acontecendo, mas a gente ficou até o portão [na garagem] e percebeu que tinha um menino no chão e eles [os guardas] estavam segurando ele e batendo nele. Tinha um monte de gente, a população estava xingando e automaticamente [os GCMs] começaram a atirar nesse pessoal”, prossegue.

Um vídeo registrado por moradores gravou parte dessa abordagem contra um adolescente de 17 anos. Ele aparece deitado no chão e dois guardas o chutam enquanto a população se revolta aos gritos. Ana aponta que a abordagem aconteceu ao lado da sua casa, mas não conhece o rapaz.

“Eu tentei entrar para casa, mas a fumaça [de bomba de gás], estava tudo entrando por baixo do meu portão que é fechado, mas tem uma grade no muro e eles atiraram por essa grade dentro do meu portão”, denuncia. “Os meus filhos ficaram apavorados, a minha nora gritando, e eles [guardas] atiraram pela grade, foi muito próximo. Eu estava segurando o portão com medo dos meus filhos saírem para a rua e serem atingidos e gritando para pararem de fazer aquilo com o menino.”

Ana tem ferimentos de bala de borracha no ombro, nos braços, nas costas e na panturrilha. “Eu acho que eles [GCMs] se sentiram no poder de colocar a arma na grade do meu portão e atirar como estavam fazendo com o pessoal da rua e me atingiram”. Ela aponta que ainda teve prejuízo material: “A bomba atingiu o meu telhado e fez um buraco”.

Da esquerda para a direita: uma das balas de borracha recolhidas por moradores e telhado da casa da moradora que denuncia ter sido quebrado após guarda disparar bomba | Fotos: Arquivo pessoal

Outro morador de 25 anos também foi baleado no braço e na altura do ombro. A mulher afirma que uma grávida e um bebê de quatro meses passaram mal com a fumaça de bomba de gás lacrimogêneo. “A criança ficou com falta de ar porque a fumaça entrou para dentro da casa desse vizinho e eles levaram o bebê para o hospital”, denuncia. “Não saí de casa porque fiquei com medo de acontecer algo pior”.

Ana foi levada pelo irmão à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Campo dos Alemães e foi medicada. Ela também registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal no 3º DP de São José dos Campos e fez exame de corpo de delito. Não conseguiu identificar os guardas, mas fotografou duas viaturas com as inscrições 3014 e 3025.

Ferimentos no braço e no ombro de um morador de 25 anos e machucados no braço da moradora de 51 | Fotos: arquivo pessoal

“É uma sacanagem e um absurdo o que fizeram. Se o menino estava fazendo coisa errada, algema, prende, leva para a delegacia”, critica ela. “Eu estava dentro da minha casa e eu fiquei desse jeito. É um absurdo vindo da GCM porque não tinha fluxo aqui, não tinha nada, ou eles não estão bem treinados ou eles fazem o que eles querem.”

Ajude a Ponte!

A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, movimento que denuncia violações de direitos humanos nas periferias, também publicou sobre as agressões nas redes sociais e acompanha o caso.

O que diz a Prefeitura

A Ponte questionou a assessoria do governo municipal que encaminhou a seguinte nota e negou que os guardas tenham agredido os moradores, apesar das imagens.

A Prefeitura de São José dos Campos informa que a abordagem realizada pela Guarda Civil Municipal seguiu os procedimentos previstos em virtude da natureza da ocorrência na última sexta-feira (9), no Campo dos Alemães.

Toda semana, de sexta-feira a domingo, a GCM realiza ações preventivas de combate ao fluxo no bairro. Durante as ações, a equipe da GCM se deparou com a prática de tráfico de drogas por dois homens que tentaram fugir ao perceberem a aproximação da viatura.

A equipe conseguiu deter um dos homens. Foram encontrados 218 entorpecentes, entre cocaína, maconha, haxixe e lança perfume.

Durante a ação, a equipe da GCM foi hostilizada com garrafadas, pedaços de pau e pedradas por populares, tendo usado técnicas e equipamentos não letais para garantir a segurança de todos.

A droga foi encaminhada para a Central de Flagrantes, onde o suspeito foi apresentado à Polícia Civil.

O que diz a polícia

A reportagem perguntou à Secretaria da Segurança Pública sobre a apuração do boletim registrado por Ana e se houve registro da abordagem relacionado ao adolescente. A pasta encaminhou a seguinte nota:

O ato infracional cometido pelo adolescente foi encaminhado para a Delegacia de Infância e Juventude (DIJU). Os casos de lesões corporais são investigados pelo 3° DP de São José dos Campos. A equipe da unidade segue realizando diligências para a localização dos envolvidos e aguarda o resultado dos laudos periciais para o esclarecimento dos fatos. Detalhes serão preservados para garantir a autonomia ao trabalho policial.

Reportagem atualizada às 18h40, de 15/9/2022, para incluir resposta da SSP.

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