‘Há 18 anos, eram 300 mortos por ano. Agora, é por trimestre’, diz novo ouvidor das polícias de SP

    Benedito Mariano, que foi ouvidor entre 1995 e 2000, assume novamente o cargo e põe como metas diminuir a letalidade policial e divulgar relatórios periódicos

    O sociólogo Benedito Mariano | Foto: arquivo pessoal

    A Ouvidoria das Polícias de São Paulo já está com o novo titular em ação. Benedito Domingos Mariano, sociólogo de 59 anos, assumiu nesta quinta-feira (8/2) o primeiro dia do mandato, válido pelos próximos dois anos. Ele terá pela frente a função de monitorar a polícia mais letal do Estado em 22 anos, com 939 mortos ao longo de 2017, total 171% maior em relação à época em que Mariano comandava a Ouvidoria logo após sua criação, na década de 1990.

    “Evidentemente, a letalidade policial é uma das prioridades de monitoramento”, resume o novo ouvidor, que compara os números: “[Em relação] A outros países, é muito alto. E, com outros estados do país, proporcionalmente a letalidade é maior em São Paulo e Rio de Janeiro. Já teve anos de quando fui ouvidor, em 2000, o número de mortos era 250, 300 nos doze meses. Agora, este número é a cada trimestre”, diz.

    Mariano também criticou o PLC (Projeto de Lei Complementar) 21/2016, de autoria do deputado estadual Coronel Camilo, que dá ao Governo a possibilidade de demitir o ouvidor das polícias. “Sou contra. É um contrassenso existir um projeto que direta ou indiretamente engesse a Ouvidoria”, criticou.

    O sociólogo substitui Julio Cesar Fernandes Neves, ouvidor nos últimos quatro anos, e em uma espécie de mandato tampão pela demora do governador Geraldo Alckmin (PSDB) em optar por um nome da lista tríplice enviada pelo Condepe.

    Mariano traçou em entrevista à Ponte seus primeiros passos no comando do órgão e a expectativa do trabalho para os dois anos. Confira a entrevista:

    Ponte – Hoje foi o primeiro dia oficialmente como ouvidor. O que pôde ser feito?

    Benedito Domingos Mariano – Foi um dia bom. De manhã, fui à Secretaria da Segurança assinar o livro de posse, senão não poderia responder a partir de hoje. Depois, tive reunião de duas horas com a direção do Condepe [Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana] e algumas entidades dos movimentos sociais que vieram manifestar apoio neste primeiro dia. É muito importante iniciar com apoio destas entidades. Também estava na comitiva o vereador Eduardo Suplicy. Dá respaldo pro trabalho. Estou muito disposto. É uma novidade recomeçar na ouvidoria depois de 20 anos.

    É o primeiro dia, mas dá pra perceber diferenças de quando saiu, em 2000, para hoje?

    É muito cedo para avaliar. Estarei conversando com as equipes para entender a dinâmica das denúncias. Vou fazer algumas alterações, montar a assessoria mais próxima de mim… Cada ouvidor tem sua dinâmica, sua assessoria de trabalho. Estou programando de iniciar os contatos para as visitas ao comandante-geral da PM [Coronel Nivaldo Cesar Restivo], ao delegado-geral da Polícia Civil [Delegado Youssef Abou Chahin], para me apresentar, conversar com os dois comandos. Quero visitar os dois corregedores, que são órgãos internos que a ouvidoria estabelece diálogo mais permanente, tem relação próxima. Pedi audiência com o secretário para depois do carnaval para agradecer a confiança do Governo. Sou grato ao governador Geraldo Alckmin por ter me escolhido, era o terceiro da lista tríplice. Ele já me conhecia, fui ouvidor durante cinco anos na gestão do Mário Covas, ele [Alckmin] como vice. Acredito que esse período acabou pesando positivamente. Quando opta pelo meu nome, o Alckmin escolhe um perfil de ouvidoria que já tinha conhecimento do trabalho.

    Neste primeiro momento, qual a principal meta da Ouvidoria?

    Será sentir o que alterou nas estruturas policiais com o tempo e retomar o balanço de três meses divulgado ao público. Talvez, este primeiro seja quadrimestral pois agora estamos montando a equipe. Mas a meta é ter relatórios periódicos de prestação de conta com os principais casos do período. Essa prestação pública contribui de forma fundamental na visibilidade do trabalho e a acessibilidade da população junto à Ouvidoria. Não tem jeito, isso se faz através da imprensa.

    Na semana passada, dados oficias divulgados pela SSP apontaram recorde de mortes causadas por policiais em São Paulo em 22 anos. Como o senhor avalia estes números e de que modo a Ouvidoria pode atuar pra diminuí-los?

    Eu vi esse levantamento semana passada. Analisando, a Ouvidoria tem acessos, um dos focos principais nossos é analisar a letalidade policial que está em um número muito alto. Agora, estamos estabelecendo a dinâmica de como analisar os casos de 2017, vendo o formato dos dados e, talvez, incluirmos neste primeiro relatório daqui três ou quatro meses uma avaliação. Evidentemente, a letalidade policial é uma das prioridades de monitoramento.

    Os números são altos em relação a outros estados ou países?

    A outros países é muito alto. E, com outros estados do país, proporcionalmente a letalidade é maior em São Paulo e Rio de Janeiro. Já teve anos de quando fui ouvidor, em 2000, o número de mortos era 250, 300 nos doze meses. Agora, este número é a cada trimestre.

    Como diminuir?

    Primeiro, analisar dados. Temos a expectativa que cada relatório de prestação de contas esteja acompanhado de proposições ao Governo. Fazer recomendações, propostas, o que é uma das atribuições da Ouvidoria: apontar medidas para melhorar a atividade policial. Monitorar as condições em que estiveram as ocorrências, detalhar nesses meses de cada balanço. No primeiro relatório de prestação, a letalidade é o tema de destaque. Vamos analisar todas as circunstâncias de cada uma das ocorrências letais e vamos também propor medidas para melhorar a atividade policial e a estrutura da polícia. É importante o conjunto da Polícia Civil, Militar e Científica ver a Ouvidoria também como um espaço seu.

    De que modo?

    Existe um artigo na lei para denúncia de eventuais irregularidades cometidas por superiores hierárquicos. Quando fui ouvidor, em 2000, quase 30% das denúncias que recebíamos vinha da própria polícia. É importante a corporação ver o órgão não como inimigo, mas um espaço que pode ajudar, pode intervir em irregularidades.

    Benedito, ao lado do vereador Eduardo Suplicy, recebeu Condepe e movimentos sociais em seu primeiro dia de trabalho | Foto: reprodução/Facebook

    Qual sua relação com o o secretário da segurança de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho?

    Tive nesse período varias gestões municipais na área de segurança e prevenção. Fui secretário em Osasco, São Bernardo do Campo e duas vezes aqui na capital. Vivi boa relação com o secretario Mágino quanto estava na Prefeitura. Estabelecemos uma relação cordial, de respeito muito grande. Podemos divergir em determinados pontos, mas não tenho dúvida de que ele é um homem de bem.

    E com o governador Geraldo Alckmin?

    O governador conheci pouco na época do governo do Mário Covas, quando ele era vice-governador. O vi uma ou duas vezes depois desse período, quando fui ouvidor. Estou feliz de ele ter optado pelo perfil de Ouvidoria que já conhecia. Sou grato ao governador por ter me escolhido, o que é uma demonstração que ele quer que a Ouvidoria tenha uma ação forte, com muita autonomia e fiquei feliz de voltar ao órgão depois de 20 anos. O tempo ajuda, são quase 20 anos depois de aprendizado e também acúmulo de experiência, agrega valor. Vou trabalhar muito para que essa passagem fortaleça esta instituição, que é um marco do ponto de vista da transparência da atividade policial no Brasil. Quase todos os estados têm Ouvidoria da polícia e São Paulo foi a primeira a ser criada e talvez a mais importante do país.

    Está em tramitação o PLC (Projeto de Lei Complementar) 21/2016, que dá ao Governo a possibilidade de demitir o ouvidor das polícias. Como analisa este projeto?

    Vou marcar uma audiência com o deputado autor do projeto, o Coronel Camilo. Sou contra o projeto. Ele não só dá ao governador a autonomia em relação ao posto de ouvidor, mas tira do Condepe a lista tríplice. O atual formato do conselho tem representantes de entidades da sociedade civil, da assembléia, do Judiciário, da OAB. É um Conselho extremamente amplo da sociedade e, evidentemente, o Condepe estabelece o perfil da lista. É fundamental. A minha expectativa é que o projeto não passe. Vou dialogar com o Coronel Camilo. O projeto original da Ouvidoria não é de nenhum ouvidor, é do governador Mário Covas, ele que encaminhou à Assembleia a criação do órgão. De lá para cá, não houve mudança no partido que governa o Estado de São Paulo. É um contrassenso existir um projeto que direta ou indiretamente engesse a Ouvidoria.

    No curto prazo, a meta inicial é criar os relatórios periódicos. E para o período de dois anos de mandato, quais são?

    Verificar como está o mecanismo de acompanhamento das denúncias, sobretudo as mais graves. Fazer audiências públicas no interior do Estado, não só na capital. Pretendo viajar várias regiões do interior para dialogar com a população, com representações regionais dos movimentos, das polícias. A ideia é dar um caráter efetivo de Ouvidoria do Estado. Quero retomar estas audiências que fiz dezenas de vezes nesse período de cinco anos e tornar dinâmico o trabalho através da prestação de contas.

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