Indígenas Guarani isolam aldeias e denunciam ações de construtora durante pandemia

    Lideranças fecharam acesso à comunidade no Jaraguá, em São Paulo, e monitoram movimentação da Tenda, que teve obras paralisadas após determinação judicial

    Entrada da aldeia Tekoa Piau, na Terra Indígena do Jaraguá (SP), fechada para visitantes | Foto: Povo Guarani Mbya

    Preocupadas com a pandemia da Covid-19, comunidades do povo Guarani Mbya fecharam os acessos para visitantes às aldeias da Terra Indígena do Jaraguá, na zona norte da cidade de São Paulo. Desde a última quarta-feira (25/03), lideranças indígenas da região também passaram a denunciar a movimentação de trabalhadores da Construtora Tenda S.A em um terreno próximo à comunidade.

    Por determinação da Justiça Federal, expedida em 10 de março, a empresa havia suspendido o início da construção de mais de 800 apartamentos residenciais em uma área localizada a menos de 100 metros de uma das aldeias Guarani. O prazo da decisão judicial vai até 6 de maio, data da próxima audiência de uma ação movida pelo Ministério Público Federal, após diversas mobilizações indígenas contra o empreendimento na região.

    “Fechamos a nossa comunidade e a Tenda está se aproveitando desse momento de epidemia, de crise, e colocando seus funcionários para trabalhar, dificultando qualquer tipo de fiscalização”, afirma Thiago Henrique Karai Djekupe, uma das lideranças indígenas do território. 

    Segundo moradores da comunidade, as ações da empresa no terreno do Jaraguá incluem a instalação de postes de luz, grades e cercas, com o patrulhamento constante de policiais militares, que chegaram a abordar indígenas da comunidade durante a madrugada desta quinta (26/3).

    Policiais militares no terreno disputado pela construtora com os Guarani | Foto: Povo Guarani Mbya

    “Ontem à noite vieram duas viaturas dentro da nossa comunidade, à 1h da madrugada, pedir para que a gente viesse ter conversa dentro do terreno, colocando a gente numa exposição absurda, amedrontando a nossa comunidade”, conta Thiago em um vídeo publicado ontem em redes sociais. “Nós não podemos continuar vivendo em nenhuma situação de risco com esse pessoal, nós não confiamos na palavra dos Juruá [homem branco, em Guarani]”, segue na mesma gravação.

    Procurada, a assessoria da Construtora Tenda afirma, em nota, que a empresa “manterá o acordo de paralisação das obras até o dia 6 de maio”, e que “deu início apenas a ações de resguardo e segurança do espaço e de seus colaboradores, que incluem limpeza, instalação de câmeras, postes de iluminação e caixas d’água, além do conserto do portão frontal”.

    Policiais militares cercam entrada do terreno, onde trabalham funcionários da Construtura Tenda| Foto: Povo Guarani Mbya

    Já a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo , do governo João Doria (PSDB), informou que “houve reforço do policiamento para evitar invasão ao terreno e descumprimento das medidas judiciais”. Sobre a abordagem aos indígenas, a pasta afirmou apenas que “foi chamada após aglomeração de pessoas no local, que se dispersaram voluntariamente.”

    Acessos fechados

    Na entrada de uma das seis aldeias do território indígena, um cartaz traz a seguinte inscrição: “Atenção! Devido a pandemia do Coronavírus, a Tekoa pyau, no Jaraguá, suspende temporariamente qualquer atividade de visita ou trabalho com grupos na aldeia”, diz o comunicado, que termina com um agradecimento guarani: “Ha´evete!”.

    Ainda que necessário, o bloqueio, que busca evitar o contato das famílias da região com pessoas de fora, prejudicou a economia local da comunidade, que tinha como uma das principais fontes de renda a venda de artesanato a visitantes. 

    “Agora, só estamos trabalhando dentro da aldeia, com hortas e pequenas manutenções. A nossa preocupação hoje é com os mais velhos e com os mais novos, que correm mais risco de pegar o vírus”, explicou à Ponte o cacique da aldeia Itakupe, Michel Vidal Martins.

    Segundo Michel, as comunidades da região não receberam nenhum tipo de assistência por parte de órgãos públicos e, desde a semana passada, dependem de doações em dinheiro, produtos de higiene e, principalmente, alimentos. “A Prefeitura não quer nem saber da gente”, ressalta.

    Indígenas são grupo de maior risco

    De acordo com Antônio Eduardo de Oliveira, Secretário Executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), as comunidades indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis aos riscos da pandemia no país.

    Funcionários da Construtora Tenda trabalham no terreno próximo à Terra Indígena do Jaraguá | Foto: Povo Guarani Mbya

    “São povos com pouco ou nenhum contato com gente de fora das aldeias e, portanto, com imunidade muito baixa para suportar um contato com pessoas que possam transmitir qualquer tipo de vírus”, explica.

    O indigenista explica que a situação das comunidades tradicionais no país vem piorando desde o ano passado, quando o governo federal aderiu a uma “série de medidas que desestruturaram o sistema de atendimento à saúde” em territórios indígenas, como a retirada dos médicos cubanos das aldeias. 

    “Diante desse quadro, chega o coronavírus e essas populações tiveram que se proteger por conta própria, fechando os territórios. E isso tem acontecido no Brasil todo porque até o momento não houve nenhuma medida efetiva do Governo Federal para a proteção dessas comunidades”, diz.

    Para Antônio, é preciso que o governo federal adote medidas urgentes de proteção a populações indígenas, como a ampliação de equipes médicas e multidisciplinares para garantir o atendimento à saúde nas comunidades, a distribuição de cestas básicas e kits de higiene às famílias e a suspensão de qualquer medida judicial “que vise a retirada de povos tradicionais de seus territórios”, como as reintegrações de posse.

    Prefeitura diz que ‘está ciente’

    Questionadas pela Ponte sobre a situação das comunidades indígenas do Jaraguá, as Secretarias Municipais de Saúde e Assistência Social de São Paulo, por meio da Secretaria Especial de Comunicação, afirmam em nota que “a Coordenadoria Regional de Saúde Norte está ciente das reivindicações dos indígenas e realiza levantamento dos espaços possíveis na região para adaptação, podendo receber os indígenas sintomáticos respiratórios leves que necessitem de isolamento domiciliar temporário”.

    Sem comentar a demanda por alimentos e produtos de higiene da comunidade, a pasta alega ainda que “a equipe da UBS [Unidade Básica de Saúde] Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe já desenvolve um trabalho junto às lideranças, de orientações de enfrentamento ao novo coronavírus e sobre a importância de ficarem restritos na aldeia, principalmente junto aos indígenas jovens, visando a conscientização sobre os riscos e a importância de seguir as medidas de prevenção para não favorecer a incidência da doença no território”.

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