João Ximenes Braga: ‘a cultura é subversiva e um escudo contra o fascismo’

Lançando o livro Necrochorume, escritor comenta em live da Ponte sobre os retrocessos político-sociais do país e o racismo no audiovisual; “branco nenhum entende de racismo, ele é adestrado por pessoas negras”

João Ximenes Braga lança seu quinto livro Necrochorume e outros contos. | Foto: arquivo pessoal

Escritor, jornalista e roteirista, João Ximenes Braga embarcou na ficção para escrever suas vivências e impressões sobre realidade distópica brasileira. Em seu novo livro Necrochorume e outros contos, pela editora 7 Letras, o autor revela suas angústias diante de uma série de retrocessos que o país tem enfrentado nos últimos anos: golpe político, crise, pandemia, negacionismo. Para falar sobre o lançamento e suas produções audiovisuais, ele foi o convidado da Academia de Literatura das Ruas da terça-feira passada (11/01) transmitida no Instagram.

Durante o bate-papo conduzido por Jessica Santos, editora de relacionamento da Ponte, João explicou que transitou do jornalismo para a literatura a partir das crônicas e das novelas. Ele lançou os livros Porra (2003), Juízo (2005), A mulher que transou com o cavalo e outras histórias (2009) e A dominatrix gorda (2010). No audiovisual, o escritor colaborou e foi coautor de quatro novelas na TV Globo, entre elas Lado a Lado (2012), em que ganhou o Emmy Internacional junto com Claudia Lage, e Babilônia (2015), escrita com Gilberto Braga e Ricardo Linhares.

A ideia de retomar a produção literária com Necrochourume, segundo ele, partiu do desespero acerca do futuro do país pós eleições de 2018 e a necessidade de se reconectar com o Brasil. “A angústia de ter que conviver com esse atraso civilizatório em que o país entrou em 2018 me fez querer entender aquelas pessoas. Queria entender as pessoas que apoiam a volta da ditadura militar, entender as pessoas que diante de uma epidemia conseguiam ser completamente inconsequentes, queria entender esse clima de ódio. Eu quis ir às pessoas que apoiam Bolsonaro e tentar entendê-las”, explica.

Com referências à clássicos da literatura, o livro propõe uma reflexão sobre questões do mundo contemporâneo, desde a “uberização” do trabalho e a violência à decomposição do país a partir da necropolítica, como sugere o título. “É um exercício de alteridade que é muito difícil e muito doloroso. Eu acho que o escritor tem uma responsabilidade com o seu tempo. Talvez, daqui a alguns anos, tenho a pretensão de que Necrochourume ajude um pouco as pessoas entenderem um pouco esse período que estamos vivendo”, projeta.

Além dos livros, João escreve sátiras sobre os personagens que estiveram na cena política nos últimos anos, como o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, e os episódios que marcaram o rumo do país. “Desde Temer, [temos] uma política de terra arrasada na cultura. A primeira coisa que Temer fez foi trancar a Ancine [Agência Nacional do Cinema], antes mesmo de defender as refinarias da Petrobras. Porque essa gente sabe que a cultura é subversiva e é um escudo contra o fascismo”, reitera.

Racismo nas telenovelas

Como autor de novelas, João Ximenes Braga sempre procurou pautar os problemas político-sociais brasileiros também. Em Lado a Lado, novela protagonizada por atores negros como Lázaro Ramos e Camila Pitanga, ele retoma à época pós-abolição para mostrar a luta de mulheres e negros contra a desigualdade, a exclusão social e retratar a liberdade religiosa.

“Branco nenhum entende de racismo, ele é adestrado por pessoas negras. O meu adestramento começou aos 20 anos mais ou menos. Um belo dia, nos anos 2000, [o cineasta minero] Joel Zito Araújo lançou o livro e o documentário A Negação do Brasil, e na época eu fui ver sem nunca imaginar que trabalharia com novela. O livro é justamente sobre como as telenovelas ligaram o Brasil e fizeram uma identidade nacional de um país branco. É um livro que me pegou muito fundo, como indignação de cidadão mesmo”, conta.

Essa conscientização, segundo ele, também partiu do entendimento que as novas gerações não aceitariam mais a falta de representatividade no audiovisual com toda mobilização feita pelo movimento negro. “Depois de Lado a Lado, eu achei que era uma coisa de vergonha na cara. Eu convivi com Lázaro, com a Zezé Barbosa, com a Sheron Menezes. Eu ouvia as histórias todas que eles contavam das dificuldades dos atores negros. Então eu falei que depois de Lado a Lado, depois de receber prêmio, se eu deixar fazer uma novela só com pessoas brancas, eu não ia ter coragem de olhar no olho do Lázaro mais”, recorda.

Já em 2015, em Babilônia, João, Gilberto Braga e Ricardo Linhares conseguiram montar um elenco composto por 40% de pessoas negras. No entanto, ele critica as intervenções que a novela sofreu no roteiro pelos diretores da TV Globo e a falta de compromisso da emissora com a diversidade e a fuga dos estereótipos.

“Ao final de Babilônia, o Gilberto me falou ‘fulano me detesta’. E eu falei ‘por que?’, pois nunca tinha ocorrido uma briga. E ele: ‘porque você é politicamente correto’. Só fui entender aquilo quando Bolsonaro falou de politicamente correto na posse. O que eles querem é acabar com o humanismo e isso é uma coisa que eu não vou fazer”, reforça.

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Na conversa, João lamentou que Lado a Lado e Babilônia tenham sido exceções. Segundo ele, é preciso mudar os grupos de pesquisa sobre as novelas e a relação com a publicidade. “Uma coisa que entendi lá ao logo dos anos é que o racismo não era só uma estrutura, era uma estratégia”, aponta. “Essa estratégia, essa concentração das pesquisas, da avaliação do público branco é o que eu acho uma das coisas mais perversas da televisão brasileira”. O escritor conta que não pretende mais continuar escrevendo novelas para a televisão e que deve se dedicar ao cinema, escrevendo roteiros e lançando a adaptação de seu livro Juízo.

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