Jovem de 14 anos é morto por PM onde há programa de redução de violência em Fortaleza

    Adolescente estava com amigos em uma praça quando PMs dispersaram a ‘reunião suspeita’ com disparos de arma de fogo; bairro faz parte do ‘Por um Ceará Pacífico’

    Juan Ferreira dos Santos tinha apenas 14 anos | Foto: Arquivo pessoal

    Eram cerca de 22h30, na noite da última sexta-feira (13/09), quando uma reunião de jovens na periferia de Fortaleza foi considerada suspeita pela Polícia Militar do Ceará (PMCE). Em uma tentativa de dispersar o grupo, reunido na Praça do Mirante, no bairro de Vicente Pinzón, um adolescente de 14 anos, Juan Ferreira dos Santos, foi atingido na cabeça por uma arma de fogo e morreu.

    De acordo com as informações oficiais, policiais militares da 2ª Companhia do 8° Batalhão da PM reagiram depois que algumas pessoas resistiram à abordagem e revidaram com pedras. A Praça do Mirante é um dos principais pontos de encontro dos moradores do bairro. Em nota, a PMCE não explica qual a definição utilizada para “atitude suspeita” e nem se a ação deve ser considerada correta ou não.

    Vicente Pinzón faz parte do programa “Por um Ceará Pacífico”, que tem como objetivo diminuir a violência do estado, as taxas de homicídio e um policiamento comunitário. No mesmo bairro, em uma praça pública, o jovem Juan foi morto com um tiro na cabeça. A assessoria de imprensa da PM diz que os disparos de armas de fogo foram efetuados em direção ao chão. Para Ana Letícia Lins, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) e da Rede de Observatórios da Segurança, a afirmação é “falsa”.

    “Um tiro disparado no chão não atinge a cabeça de um adolescente, pelas costas dele, se foi realmente disparado para o chão. É falsa essa afirmação da Polícia Militar. Esse discurso está sendo reforçado e a gente precisa dizer que é uma mentira”, afirma a pesquisadora, em entrevista à Ponte.  

    Os pais de Juan também questionam a versão oficial. A mãe do adolescente, Tânia de Brito, disse ao jornal Diário do Nordeste, que “se ele [policial] tivesse atirado para baixo jamais ia acertar a cabeça” do filho.  

    Também para o Diário do Nordeste, José Ribamar, pai de Juan, disse que o policial “sabe que matou um menino de muitos sonhos”. “Moleque brincalhão, alegre, sempre prestativo pra família, amigo. Muay thai era o esporte preferido dele”, completou.

    O autor do disparo está detido no Presídio Militar. A Polícia Civil cuida das investigações a cargo do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O nome do policial preso não foi divulgado.

    Ana comenta que a ação na Praça do Mirante não é um fato isolado. De acordo com ela, sistematicamente a Polícia Militar chega para dispersar multidões em praças públicas de Fortaleza. “Onde existe esse protocolo de uso de uma arma letal para dispersão? Ainda mais quando existem crianças, adolescentes e jovens em um espaço público. De onde saiu esse comando? É uma situação que deixa qualquer pessoa meio atônita”, critica Ana Letícia Lins.

    A pesquisadora acredita que o caso do Juan deve ser encarado com maior complexidade. Para ela, não basta o policial estar detido, já que “nenhum outro agente foi responsabilizado” pela morte. 

    “O policial foi para o presídio militar, mas nenhum outro agente foi responsabilizado por isso. Eu entendo que não é um problema só do policial que está na ponta e atirou, mas é um problema de orientação da atuação policial. De como as forças de segurança pública têm atuado nesse estado. A polícia precisa parar de atirar. Mas o governador, o secretário de segurança, o comandante, precisam tomar a responsabilidade para si, para que isso pare de acontecer”, completa a pesquisadora.  

    Em 2019, o governador reeleito do Ceará, Camilo Santana (PT), passou a comemorar a diminuição na taxa de homicídio do estado. Em abril deste ano, a Ponte foi até o Ceará entender melhor a política de pacificação do governador e apurou que a queda de homicídios no estado está muito mais ligada a uma trégua entre as facções criminosas que dominam os territórios do que a uma política de segurança pública eficiente. 

    De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, entre janeiro e agosto do ano passado, 152 pessoas foram mortas em ações da Polícia Militar cearense. No mesmo período deste ano, 102 pessoas foram vitimadas por PMs, uma redução de 32,8%.

    Os assassinatos cometidos por policiais não entram nas estatísticas de homicídios do Ceará, assim como em outros estados. A explicação dada para isso, em documento oficial da Secretaria da Segurança Pública, é a seguinte: “As mortes decorrentes de Intervenção Policial não são consideradas como intencionais, pois possuem excludente de ilicitude”. A afirmação, porém, não é correta: a “excludente de ilicitude”, quer dizer, a circunstância em que algo deixa de ser considerado crime, ocorre quando um policial “matar alguém em legítima defesa” ou “em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”, conforme o Código Penal. Mas cabe ao Judiciário decidir num processo se o comportamento do policial seguiu ou não esses padrões. O projeto anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, amplia a excludente de ilicitude, passando a incluir também “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” para que um assassinato deixe de ser crime, e prevendo a possibilidade não só de diminuição da pena, mas de pena nenhuma para o autor da morte.

    Para Ana Letícia Lins, a morte de Juan não iniciou e muito menos vai encerrar as violentas ações da PM do Ceará. “O que me parece é que isso vai continuar e de que a gente vai chorar muitas mortes desse tipo”, finaliza.  

    Juan Ferreira de Santos foi enterrado sem honrarias, em uma cova rasa, no cemitério público de Bom Jardim.

    Outro lado

    Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará afirma que o “Pacto por um Ceará Pacífico” atua em territórios de vulnerabilidade social, buscando fortalecer a proteção social e a ampliação de oportunidades para segmentos vulneráveis, através de articulação com a comunidade, estruturas governamentais e setor privado.

    A pasta destaca que há algumas dimensões consideradas no programa, entre elas a “Prevenção Social e Oportunidades para a Juventude”, que consiste na realização de atividades de qualificação profissional, apoio a grupos informais e coletivos de juventude e capacitação da rede local de proteção.

    Em Vicente Pinzón, onde Juan foi morto, segundo a secretaria, estão acontecendo neste instante várias obras de requalificação e readequação de espaços, entre elas, “a reforma de quatro escolas estaduais, duas concluídas e duas com obras em andamento; reforma de uma creche municipal; reforma de dois Centros Comunitários na comunidade; construção de praças; cadastro de 116 famílias na Secretaria das Cidades para habitação popular”, entre outras ações.

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