Jovem de 19 anos que sonhava ser da Rota é morto por PMs de SP

    Vinícius Oliveira da Costa, 19 anos, estaria em carro roubado, se rendeu, mas foi baleado pelas costas. Um tiro acertou sua cabeça, no domingo (9/10). Boné que rapaz usava pode elucidar morte

    Vinícius posa com a mãe, Sueli, na primeira vez que dirigiu um carro com carteira de habilitação em mãos, há 20 dias (foto: arquivo pessoal)
    Vinícius posa com a mãe, Sueli, na primeira vez que dirigiu um carro com carteira de habilitação, há 20 dias – Foto: Arquivo Pessoal

    No começo deste mês de outubro, Vinícius Oliveira da Costa, de 19 anos, pediu ao pai, André Rogério da Costa, um rapaz que dirige uma van escolar nas ruas da zona leste de São Paulo, uma apostila. O jovem tinha o sonho de seguir a carreira militar. Mais precisamente, ser um policial da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), considerada pelo governo de São Paulo como a tropa de elite da Polícia Militar.

    Os sonhos e a vida de Vinícius terminaram na rua Guarapiranga, altura do número 120, na madrugada do último domingo (9/10). Com dois tiros pelas costas, deflagrados por policiais militares. Um atingiu a cabeça e o outro, na região do abdômen.

    “Se ele estava errado, por que não atiraram na perna? Ele não estava nem armado. Virou as costas para os policiais e se rendeu. Foram cruéis com meu filho”, diz a mãe, Sueli Rodrigues, à Ponte Jornalismo.

    Vinícius ajudava o pai e a mãe em seus respectivos trabalhos (foto: arquivo pessoal)
    Vinícius ajudava o pai e a mãe em seus respectivos trabalhos – Foto: Arquivo Pessoal

    Vinícius era definido pela família como um grande sonhador. Um rapaz engraçado e querido por toda a região do Itaim Paulista, onde vivia com os pais e cursava o terceiro ano do ensino médio. Há 20 dias, havia chegado a sua carteira de habilitação, um grande objetivo de infância, paga pela mãe, uma revendedora de queijos, doce de leite e produtos derivados da comida mineira. “Nós íamos à minha cidade, Almenara (MG), de seis em seis meses”, conta a mãe.

    Diariamente, ele ajudava o pai, André, a cuidar e entreter as crianças durante a ida e a volta da escola. Sempre com o boné para trás, ele era querido por todos os pequenos alunos. Um orgulho da família Costa: “Meu filho não tinha passagem pela polícia. Não tinha passagem“, diz o pai. E, às vezes, também ajudava no trabalho da mãe. “Ele já tinha trabalhado no Mc Donald’s, mas eu o queria mais próximo de mim, então pedia para ele ficar nos ajudando”, diz a mãe.

    Mãe mostra a foto em família com orgulho - Foto: Arquivo Pessoal
    Mãe mostra a foto em família com orgulho – Foto: Arquivo Pessoal

    Ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de SP, os PMs José Roberto Pereira Bersani Júnior, Renato da Silva Ribeiro, Felipe Pereira do Nascimento, da 1ª Companhia do 29º Batalhão, no Itaim Paulista, zona leste, disseram que faziam um patrulhamento, quando viram um adolescente dirigindo um carro. Os policiais abordaram o jovem e o conduziam até o 50º Distrito Policial (Itaim Paulista) quando teriam cruzado com Vinícius da Costa, que estaria dirigindo um carro roubado. A ocorrência ocorreu às 4h e só foi comunicada à Polícia Civil às 10h, seis horas depois.

    A versão apresentada pelos PMs é de que ele desceu do carro atirando contra os policiais, que revidaram. A versão dos vizinhos e familiares, no entanto, é de que Vinícius abandonou o carro e se rendeu. Ao se render, levou o primeiro tiro, no abdômen. Decidiu, então, correr e gritar por socorro, quando foi baleado pela segunda vez, na cabeça.

    “Não quero que você passe a mão na cabeça do meu filho. Não é isso. Mas a forma com que mataram meu filho foi humilhante, degradante. Se meu filho estava, realmente, errado, é mão pra cima, algema e prisão. Sou a favor da polícia, como ele também era, mas executar um rapaz que tinha uma vida inteira pela frente, é se igualar ou ser pior do que bandido”, diz o pai.

    Vinícius só andava de boné para trás. O furo no boné prova que ele foi baleado na cabeça pelas costas - Foto: Arquivo Pessoal
    Vinícius só andava de boné para trás. O furo no boné prova que ele foi baleado na cabeça pelas costas – Foto: Arquivo Pessoal

    A mãe afirma que o filho “foi mal influenciado por amigos, que não chamo de amigos, e dirigiu um carro roubado, na hora e local errado. Deu no que deu. Agora, a família e os amigos sofrem”. A família utiliza o boné que Vinícius estava no momento do crime como prova de que ele foi executado. “Ele nunca usou boné para frente. Nunca. Quando fomos reconhecer o corpo, ele estava com o boné para trás, como sempre”, afirma o pai.

    Durante a tentativa de ver ver o corpo do filho, a mãe diz que foi agredida por um dos PMs e que seu dedo chegou a ficar inchado. “Me pegaram forte pelos ombros e apertaram minha mão. Eu estava tão anestesiada com o que via que não sei nem o que chegaram a fazer comigo. Acabaram com a minha vida”.

    Vinícius estava no terceiro ano do ensino médio e queria ser policial militar - Foto: Arquivo Pessoal
    Vinícius estava no terceiro ano do ensino médio e queria ser policial militar – Foto: Arquivo Pessoal

    “O que nós pedimos é Justiça. Que os policiais sejam exonerados e presos pelo homicídio que cometeram. E que o Estado nos dê uma indenização. Não quero nem saber o valor. Mas quero que o Estado reconheça que errou. Isso vai limpar a memória e a dignidade do meu filho”, diz André.

    “Tem policiais bons? Tem. Tem policiais ruins? Tem também. E agora eu vejo que os policiais ruins tiram a vida até de futuros policiais bons. Porque meu filho não teria coragem de executar alguém, assim, dessa forma. Isso eu ia ter certeza. Ele queria ajudar a sociedade sendo policial”, complementa Sueli.

    Outro lado

    A reportagem da Ponte Jornalismo procurou às 17h52 desta terça-feira (11) as assessorias de imprensa da Polícia Militar e da Secretaria da Segurança Pública, comandada pela empresa terceirizada CDN Comunicação, para que as organizações estatais pudessem se posicionar sobre o caso. Confira quais foram os questionamentos enviados:

    1) O que aconteceu durante aquela ocorrência?

    2) Os policiais afirmam que ele atirou, mas os dois tiros, sendo um na cabeça, atingiram Vinícius pela costas. Isso pode apresentar alguma contradição?

    3) O que aconteceu com os PMs envolvidos no caso?

    4) Podem, por gentileza, encaminhar um pedido de entrevista com os PMs envolvidos para que eles possam se defender?

    5) A mãe, Sueli, diz que chegou a ser agredida por um PM enquanto tentava ver o corpo do filho. Isso procede?

    6) Qual a posição do secretário sobre o caso?

    Por telefone, a pasta afirmou que apura o caso, mas, pelo horário da solicitação e devido ao feriado do Dia das Crianças, o posicionamento deveria ser dado até quinta-feira (13). Às 20h06 do dia 12, a SSP se posicionou com a seguinte nota:

    “A SSP informa que o caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Um inquérito policial militar foi instaurado para identificar se houve irregularidade na ação dos policiais envolvidos na ocorrência e é acompanhado pela Corregedoria da Polícia Militar.”

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