Jovem negro é absolvido de roubo que aconteceu quando estava andando de bicicleta

Juíza entendeu que não havia provas suficientes para condenar o auxiliar de produção Felipe Silva Gois, 20; pai encontrou câmeras de segurança que mostraram que roupa do filho era diferente dos assaltantes de uma moto

Felipe (à dir.) ao lado dos pais Luciano Silva Gois e Francisca Oliveira da Silva, em casa, em fevereiro de 2021 | Foto: Arquivo pessoal

O eletricista Luciano Silva Gois, 41, estava trabalhando quando soube da notícia, mas não conseguiu conter a felicidade ao saber da esposa que o filho tinha sido absolvido após uma saga de quase dois anos tentando provar que o auxiliar de produção Felipe Oliveira da Silva Gois, 20, estava passeando de bicicleta quando foi preso e acusado de roubar uma moto na Rua Europa, em São Bernardo do Campo, município vizinho do local onde ele mora, Diadema, ambas cidades do ABC Paulista, em outubro de 2020. “A sensação é de vitória. Deus é justo”, comemorou o pai.

Em 4 de maio a juíza Lizandra Maria Lapenna Peçanha, da 4ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, entendeu que as provas colhidas não eram suficientes para condenar Felipe pelos crimes de roubo e corrupção de menores. Primeiro porque a vítima, que é um entregador, durante o processo, não reconheceu o jovem com certeza, já que “os roubadores estavam de calça, sendo que na hora da abordagem, Felipe estava de bermuda”.

Inclusive, Luciano fez o trabalho que a Polícia Civil não realizou: encontrou as imagens do roubo, que mostram o momento que o entregador é abordado por dois homens, vestidos de calça preta e blusa de frio preta, que descem de um sedan preto para roubá-lo. Um dos homens leva a moto e o outro o carro. O pai de Felipe também localizou a câmera da Avenida Brasília que mostra Felipe andando de bicicleta, com uma bermuda jeans azul e uma camiseta listrada, branca e vermelha, no mesmo moento em que acontecia o roubo. O primo do jovem, ajudante de pedreiro Vitor da Silva Pereira de Oliveira, 21, e o irmão menor de idade também estavam com ele na hora.

À Ponte, Vitor contou na época que o passeio durou mais ou menos 40 minutos. Quando estavam na Rua Paramarim, porém, foram abordados a 750 metros do local do roubo pelos policiais militares Anderson Santiago de Carvalho e Thiago da Silva Ré. Felipe foi preso acusado de roubar uma moto na rua Europa, em São Bernardo do Campo, município vizinho. A magistrada, em sua decisão, destaca que os policiais não presenciaram o roubo quando alegaram terem visto “três indivíduos empurrando uma motocicleta” e que correram ao avistarem a viatura.

Os PMs afirmaram que foram atrás e conseguiram prender duas dessas pessoas: Felipe e um adolescente de 14 anos. Nada foi encontrado com Felipe, mas o capacete da vítima estaria com o adolescente. A vítima afirmou que sua moto Honda/XRE, seu celular, capacete e R$ 10 em espécie foram levados pelos suspeitos. “De outra feita, a versão dada por Felipe, além de não ter se mostrado inverossímil, não foi totalmente afastada pelo conjunto probatório, diante da incerteza da vítima em reconhecê-lo e diante do depoimento de seu primo Vitor, que afirmou que estava com Felipe andando de bicicleta quando foram abordados. Por fim, cumpre observar que a vítima alegou que os roubadores estavam de calça na ocasião do roubo e que Felipe estava de bermuda quando foi abordado”, ressaltou a juíza.

Segundo a folha de reconhecimento do processo criminal, a vítima reconheceu com 100% de certeza Felipe como sendo um dos autores do roubo no 3º DP de Diadema. O registro também aponta que o procedimento de reconhecimento foi feito “em local onde se encontravam várias pessoas”.

O que a folha de reconhecimento não diz é se o procedimento cumpriu o que recomenda o artigo 226 do Código de Processo Penal, que diz que “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.

Lizandra Peçanha também afastou o crime de corrupção de menores porque não ficou provado que Felipe conhecia o adolescente, estava junto com ele nem que tenha cometido o roubo. Com isso, ela aplicou a tese in dubio pro reo, ou seja, em dúvida a favor do réu. “Assim, não há como negar a existência de indícios dos crimes e de sua autoria. Todavia, estes indícios, produzidos na fase investigativa, não foram confortados nem mesmo repetidos na instrução contraditória, de modo que a incerteza acerca dos fatos conduz à absolvição do agente”, fundamentou.

Como nem a defesa, feita pela Defensoria Pública, nem o Ministério Público quiseram recorrer da sentença, a magistrada decretou o trânsito em julgado (sem possibilidade de recurso) e o arquivamento do caso. Agora, Luciano afirma que buscar indenização do Estado pelo filho. “Agora é correr para as pessoas que fizeram isso pagar”.

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Felipe já tinha sido liberado em fevereiro de 2021 quando a Defensoria Pública assumiu o caso e a família contou com o apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que reúne diversos movimentos que denunciam violência nas periferias e prestam atendimento jurídico e psicológico às vítimas e parentes.

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