Júri inocenta PM e ex-PM acusados por matar duas pessoas em Mogi das Cruzes

    Jurados consideraram que Fernando Cardoso de Oliveira e Vanderlei Messias Barros não participaram de ataque a tiros que matou Rafael Augusto e Bruno Fiusa, além de ferir outro homem em setembro de 2014

    Cardoso (à esq.) e Messias ouvem a sentença de absolvição | Foto: Renan Omura/Ponte Jornalismo

    “Não estou muito bem, não. Esses caras foram absolvidos”. A fala de Wellington Ludin Dias une descrédito com a Justiça e revolta. Ele sobreviveu a um ataque a tiros ocorrido no dia 24 de setembro de 2014, no bairro Jardim Camila, em Mogi das Cruzes, cidade na Grande São Paulo. Baleado de raspão, ele viu dois amigos serem mortos à queima roupa com tiros pelas costas e quando já estavam feridos no chão. Na tarde desta quarta-feira (20/2), outro golpe para Wellington: o tribunal do júri absolveu o ex-PM (Policial Militar) Fernando Cardoso de Oliveira e o PM Vanderlei Messias Barros, acusados pelo ataque.

    Os jurados, quatro mulheres e três homens, inocentaram a dupla em trabalho que perdurou por dois dias, ouviu seis testemunhas e os dois acusados. Esta é a segunda vez que o PM Cardoso é inocentado em júri popular, acusado pelo MP (Ministério Público) de integrar um grupo de extermínio responsável por 21 mortes na região entre novembro de 2014 e julho de 2015 na periferia da cidade – ele foi inocentado em outro juri no ano passado. Messias respondeu na Justiça pela primeira vez.

    As famílias dos dois mortos, integrantes do grupo Mães Mogianas, saíram do Tribunal de Braz Cubas, em Mogi, desolados e revoltados. “É um absurdo, o policial que matou meu irmão ser absolvido tendo provas. Como pode isso? É muito absurdo! Não tenho nem o que falar… Nem sei como chegar na minha mãe e falar para ela que o policial pode ser solto daqui três dias”, disse, indignada, Sara, irmã de Rafael.

    A promotora Helena Tonelli tentou acalmar as famílias após a sentença positiva para Cardoso e Messias. “Terminem o luto dos seus filhos, vocês fizeram o que era para ser feito agora, não é mais Justiça aqui. Vocês lutaram, tiveram voz. Agora, vão viver a vida. Sei que é difícil, perdi filho também e por isso eu choro. É uma dor que não vai acabar”, disse para as mães e parentes.

    Enquanto as famílias das vítimas lamentam, os representantes dos PMs aprovam a sentença. “É o que a gente esperava. Sempre tive convicção de que o Wellington estava mentindo e a única prova nos autos é a fala dele e, quando confronta com as demais provas, elas desmentem o que ele fala. Os jurados conseguiram ver isso e fizeram justiça”, avalia Paulo César Pinto, defensor do PM Cardoso.

    A defesa de Messias corroborou. “Foi feita justiça e o importante é que ressaltamos com relação às dores das mães que não tiveram a resolução. O que tivemos é que a investigação não chegou aos autores dos crimes. São quatro anos que o processo está rodando. Foi feito justiça em relação ao Messias, sinto pela não apuração por conta das mães das vítimas. Não é motivo de comemoração”, disse Douglas Eduardo Araújo.

    O MP recorrerá da decisão alegando contrariedade da decisão em relação às provas.

    Complô x confronto balístico

    A defesa de Cardoso usou a mesma tese do julgamento realizado em outubro do ano passado, de que seu cliente é vítima de um complô por ser um policial atuante contra o crime organizado. À época, o advogado Nilton Vivan acusou a Polícia Civil de incriminar propositalmente Cardoso sem provas. Neste caso, um dos pontos era o confronto balístico que, segundo ele, não ligou as armas pessoal e profissional do ex-PM aos ataques.

    Já a defesa de Messias destacou contradições no depoimento da vítima sobrevivente do ataque e de que ela traficava drogas na área, chamada por ele de “biqueira”. A estratégia ficou clara desde o momento em que Wellington foi ouvido e apontou que, na época, vendia drogas na região por conseguir bastante dinheiro, mas largou o mundo do crime por conta da morte dos amigos.

    Bruno Fiusa Gorrera (à esq.) e Rafael Augusto Vieira morreram assassinados no ataque | Foto: Arquivo pessoal

    A outra tese presente no julgamento coube à promotora Helena Tonelli, que ressaltou a intenção homicida de Cardoso e Messias no ato. Segundo ela, o confronto balístico ligava projéteis usados neste ataque com uma chacina ocorrida em Mogi em que Cardoso também é acusado pelo MP entre os autores.

    Ela usou uma arma durante a fase de debates para explicar aos jurados que não há forma de se fraudar um confronto balístico, como afirmado pela defesa dos réus. “Eu não sou contra a polícia, atuei como delegada em Itaquera e meu esposo é policial. Eu sou contra maus policiais, como estes dois aqui”, afirmou.

    Houve confronto dos responsáveis pela defesa e acusação em uma série de momentos durante os trabalhos. Antes mesmo das testemunhas falarem, existia o risco do julgamento não acontecer pois a defesa exigia a a presença de uma testemunha que não havia chegado. “Não há maracutaia no judiciário”, esbravejou o juiz Paulo Fernando de Mello, em direção ao defensor Nilton Vivan, que representa Cardoso. “O senhor está querendo arrumar confusão, não sou seu subordinado”, retrucou o advogado.

    Em outro instante, o advogado Douglas Eduardo Araújo, responsável por defender Messias, trocou acusações com um dos assistentes de defesa. Ambos discutiram com dedo em riste um ao rosto do outro. Antes, a promotora Helena Tonelli reclamou quando Vivan tocou em seu ombro com a mão. “Não encosta em mim, vai bater em mulher?”, esbravejou. Em resposta, Vivan declarou a Helena: “Eu não bato em mulher, a não ser que ela me peça”.

    Depois se descobriu que a testemunha requerida pela defesa é enfermeira e estava em trabalho na cidade de São Paulo. Instantes depois, as partes se acordaram. A defesa optou por dispensar a testemunha e o julgamento começou na terça-feira, perdurando até às 21h na fase de ouvir testemunhas e o depoimento dos policiais. Retomado às 9h desta quarta-feira (20/2), o júri teve o período de debates, quando as teses de acusação e defesa são apresentadas, e os jurados decidiram pela absolvição do ex-PM Fernando Cardoso de Oliveira e o PM Vanderlei Messias Barros.

    Wellington não estava no Tribunal de Braz Cubas, como fizera no dia anterior para recontar, mais uma vez, o crime que presenciou. Ainda assim, a decisão verbalizada pelo juiz já o faz pensar em como será sua vida daqui por diante. Perguntado se algo mudaria, ele disse que sim. “Vou tomar algumas cautelas ou vou pra longe, não sei ainda. Até porque tenho uma filha pequena”, conta à Ponte. “Sei que Deus é fiel, amém”, encerrou.

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