Justiça condenou artesão negro por crime que uma menina branca inventou

    Justiça se baseou em reconhecimento irregular feito por menina de 13 anos, que inventou estupro para esconder da família que havia passado a tarde com um namorado

    Cleber ao lado da esposa e da mãe em sua casa | Foto: Reprodução/Facebook

    Três anos e meio foi o tempo que Cleber Michel Alves, 41 anos, ficou longe da sua família. Negro, foi condenado a dez anos de prisão por causa de uma acusação de estupro inventada por uma adolescente branca. Perdeu o nascimento do filho, ocorrido um mês após sua prisão, e os primeiros anos de vida dele.

    Cleber foi preso em 20 de setembro de 2016, acusado de estuprar uma menina de 13 anos em 2 de setembro daquele ano. Ele só foi inocentado porque, em 16 março deste ano, a adolescente que o havia denunciado foi ao Ministério Público Estadual em Cerquilho, no interior de São Paulo, e desmentiu a história que havia contado.

    Leia também: Jovem negro condenado a 15 anos de prisão é inocente, diz família

    Diante do promotor de justiça, a adolescente esclareceu que havia inventado a denúncia de estupro para que a família não descobrisse que ela havia passado a tarde com o namorado. “Eu acusei uma pessoa errada, contei uma coisa que não era verdade. Falei que ele tinha ido comigo naquele lugar, mas não era ele. Eu sei que ele está lá preso e não quero mais isso”, disse no depoimento.

    O primeiro depoimento da adolescente dizia que Cleber a havia encontrado perto de sua escola, em Cerquilho, por volta das 13h, e a teria forçado a entrar em seu carro. Em seguida, de acordo com o depoimento da adolescente, ele a teria amarrado a em uma árvore e a violentado até o anoitecer.

    Tudo não passava de invenção. No depoimento deste ano, a menina admitiu que, na tarde do suposto crime, estava com o namorado. “Eu que fui no lugar, ele [namorado da jovem na época] me incentivou a matar aula. Minha mãe me ligou desesperada e falando que iria me bater se eu não voltasse logo”, relatou.

    O advogado Rafael Tucherman, um dos diretores da ONG Innocence Project Brasil, primeira organização brasileira dedicada a enfrentar a condenação de inocentes, foi responsável pelo pedido de revisão da condenação. Tucherman conta que, além da ausência de provas contra Cleber, o reconhecimento feito na delegacia, em 5 de setembro de 2016, foi irregular.

    “A jovem não descreveu as características do agressor, como deve acontecer. O reconhecimento do Cleber se deu depois que a foto dele foi apresentada ao lado de outras fotografias”, explica o advogado.

    Leia também: Ambulante foi preso após reconhecimento irregular por WhatsApp

    Além do reconhecimento irregular, a Justiça ignorou os álibis apresentados pela defesa de Cleber. Autônomo, ele trabalhava vendendo bolas de futebol confeccionadas por ele e, na manhã do dia do suposto crime, por volta das 10h30, havia estado em uma escola de futebol em Campinas, a 88 km do local onde teria ocorrido o estupro. Na mesma manhã, ele foi fazer uma entrega de dezenas de bolas de futebol, confeccionadas por ele, na Penitenciária de Guareí, a 67 quilômetros da escola da adolescente. A Secretaria da Administração Penitenciária forneceu uma carta que confirmava que Cleber esteve lá naquele dia. A defesa também apresentou documentos comprovando que ele havia passado por cidades distantes de Cerquilho naquele dia.

    Nada disso foi levado em conta pela Justiça, que deixou de lado as fragilidades da acusação e condenou o artesão a 10 anos de prisão por estupro de vulnerável, em regime fechado, e 5 meses em regime semiaberto por ato obsceno. Ele sempre negou a autoria do crime.

    Leia também: Barbara Querino, a Babiy: como a Justiça condenou uma jovem negra sem provas

    Cleber ainda não foi absolvido do caso, mas, diante do depoimento da adolescente desmentindo a existência do crime, foi solto provisoriamente. Em 2 de abril deste ano, depois que o alvará de soltura foi expedido, Cleber finalmente saiu da Penitenciária I de Sorocaba, no interior de São Paulo, e pode voltar para casa em Sumaré, cidade a 100 km de onde estava preso, para abraçar a esposa, a mãe e o filho.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas