Justiça de SP determina reabertura de espaço da prefeitura para povo de rua

    Local de atendimento foi fechado nesta quarta-feira, mas Defensoria Pública havia entrado com ação para que serviço fosse mantido por causa do coronavírus

    O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou nesta quarta-feira (8/4) que as atividades do Atende 2 sejam retomadas. O espaço foi fechado algumas horas antes, durante a manhã, e era o último ponto de atendimento a pessoas em situação de rua na Luz, no centro de São Paulo, remanescente do extinto programa De Braços Abertos, voltado aos dependentes de drogas que se aglomeram na região.

    A decisão da juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara da Fazenda Pública, (leia a íntegra aqui) levou em consideração o espaço ser o único equipamento que presta serviços na região central. “Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, restabelecidas”, escreveu a magistrada.

    Quando soube da intenção da prefeitura de encerrar os serviços do Atende 2, a Defensoria Pública entrou com uma ação civil pública em caráter de urgência na terça-feira (7/4) pedindo que o fechamento da tenda não acontecesse usando, entre outros argumentos, a proliferação da Covid-19 a qual populações vulneráveis estão muito mais sujeitas. Além disso, destacou que todas as recomendações sanitárias, inclusive referendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), indicam a higiene, especialmente das mãos, como um dos principais elementos de prevenção.

    O Ministério Público teve o mesmo entendimento da Defensoria e declarou que a desativação do espaço seria uma “tragédia humanitária”. “Circulam da região diariamente cerca de 500 a 700 pessoas pela manhã, sendo que no período noturno este número, em regra, dobra. O único local, em todo o centro da cidade, que presta relevantes serviços para a população mencionada é o denominado Atende 2. Não é preciso dizer que a população em tela é extremamente vulnerável ao Covid-19, necessitando de serviços públicos na região”, pontua a promotoria no parecer.

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    Antes da decisão, a prefeitura de São Paulo enviou ônibus e vans para realizar a transferência de usuários cadastrados para o SIAT (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica) I, na região do Glicério, distante três quilômetros da rua Helvétia, onde fica a tenda. Esse equipamento foi inaugurado também nesta quarta-feira e integra o Programa Redenção, criado pelo atual governador João Doria quando era prefeito da cidade, em 2017.

    A Ponte presenciou a entrega de máscaras e aglomeração dos usuários durante a entrada nos veículos. Cerca de uma hora após o encerramento das transferências, pessoas em situação de rua que estavam nas imediações do “fluxo” (como é chamado o local onde se aglomeram para uso e venda de drogas), retornaram à rua Helvétia.

    A imprensa foi impedida de entrar no espaço do Atende 2. Funcionários informaram que seria feita a limpeza do local e que ele seria mantido fechado. Questionados, eles também não souberam dizer qual seria a nova função do imóvel.

    A principal preocupação para a assistente social Carmen Lopes de Almeida é a grande aglomeração da população de rua e o fechamento da unidade, que vai prejudicar o auxílio a quem vive na região central em plena pandemia do novo coronavírus. “Está sendo fechado o único equipamento da prefeitura que atende o território da Cracolândia (*). Onde essas pessoas vão lavar a mão, vão comer?”, critica.

    “Aqui eles têm 200 almoços, 200 pernoites, têm banheiro e água. O que a gente quer deixar claro é que ninguém é contra tirar essas pessoas daqui. O que não pode é deixar essas pessoas sem serviço para serem atendidas”, explica.

    Coordenadora geral do Centro de Convivência É de Lei, Maria Angelica Comis ponderou, em entrevista à Ponte, que o Atende 2 não é o equipamento ideal, mas é preciso considerar o momento excepcional que vivemos por causa da Covid-19. “Eu não estou defendendo que ele seja um ótimo equipamento, mas estou defendendo que ele não feche nesse momento. Fechar um para abrir outro nesse momento de pandemia é até perverso. O Atende está tendo um papel fundamental na região, porque é o local onde as pessoas estão podendo se lavar, há minimamente alimentação. As pessoas que estão em situação de uso mais problemático [de drogas] não vão sair de lá para outro local”, pontuou. O É de Lei junto com outros coletivos e entidades, como a Craco Resiste e a Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas, se manifestaram contra o fechamento e pela ampliação de serviços de acesso à higiene para essa população.

    A reportagem procurou a assessoria de imprensa da prefeitura que informou, em nota, que vai recorrer da decisão. “O novo equipamento, o SIAT II – Glicério, atende todos os requisitos de Direitos Humanos e oferece melhor atendimento no acolhimento e no tratamento da saúde de usuários de álcool e drogas em situação de vulnerabilidade. O novo equipamento é para salvar vidas”, destacou a pasta.

    A prefeitura destaca que 178 pessoas foram transportadas em ônibus e vans com número de passageiro abaixo da capacidade total e com máscaras, “para evitar exposição a contágio de coronavírus”, e informa que “os usuários que permanecerem na Nova Luz continuarão a contar com os banheiros até a saída dos contêineres, que darão espaço a novos banheiros químicos e pias foram instaladas próxima à Praça Isabel para a higienização das mãos. Quanto à alimentação, há disponível um novo núcleo na região com capacidade para atender 200 pessoas”, diz outro trecho da nota.

    Durante a transferência das pessoas do Atende 2, segundo a Folha de S.Paulo, um homem foi encontrado morto no local. A causa da morte, que teria acontecido fora da tenda, segundo o jornal, foi tuberculose. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou a informação de que havia um corpo no local na manha desta quarta-feira. “A Guarda Civil Metropolitana acionou o Samu que confirmou o óbito da vítima, ainda não identificada. Segundo um agente da GCM, o corpo não apresentava sinais de violência ou agressão física”. O caso foi registrado no 77º DP (Santa Cecília).

    (*) A Ponte evita usar a expressão “cracolândia” para se referir a regiões ocupadas por pessoas pobres no bairro da Luz, em São Paulo, ou em outros locais, por considerá-la imprecisa e preconceituosa. As pesquisas mais amplas sobre o tema, como a Pesquisa Nacional sobre o Crack feita pela Fiocruz em 2016, apontam que as causas da situação de vida dessas pessoas estão muito mais relacionadas com a pobreza e a exclusão social do que com o uso de alguma substância. Entenda: ‘Repórteres que falam em Cracolândia são uma fraude’, diz Carl Hart.

    Reportagem atualizada às 20h03 do dia 8/4 para inclusão da nota da prefeitura de SP e da SSP-SP

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