Justiça do MT manda prender 63 PMs por suspeita de execução de 24 pessoas para promover batalhões

Segundo investigação da Polícia Civil e Ministério Público, policiais tinham informante que armava supostas reuniões para combinar assaltos e vítimas seriam executadas sem chance de defesa

Unidade da Ronda Ostensiva Tática Móvel (Rotam) da Polícia Militar do Mato Grosso | Foto: reprodução/Facebook/Rotam MT

O Ministério Público Estadual e a Polícia Civil do Mato Grosso deflagraram na quinta-feira (31/3) a operação “Simulacrum” para cumprir 81 mandados de prisão temporária (30 dias prorrogáveis no caso de crimes hediondos) de policiais militares suspeitos de executarem 24 pessoas e simularem confrontos com o objetivo de promover os integrantes da Ronda Ostensiva Tática Móvel (Rotam), Batalhão de Operações Especiais (Bope) e Força Tática do Comando Regional 1, segundo apuração da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP). Também foram cumpridos 34 mandados de busca e apreensão.

A Força Tarefa identificou ligação entre seis ocorrências de mortes por intervenção policial que ocorreram entre 3 de outubro de 2017 e 30 de outubro de 2020, nas quais os PMs alegavam que recebiam informações anônimas sobre grupos que se reuniriam para praticar roubos, mas acabavam tendo os planos interceptados por eles. O número de mandados de prisão não corresponde necessariamente ao número de policiais, já que um mesmo agente pode ter atuado em mais de uma ocorrência.

Elementos como excessivo número de disparos, policiais e viaturas ilesos, ausência de indícios de disparos do lado oposto aos policiais que pudesse identificar confronto, e tiro encostado, ou seja, quando o cano da arma está em contato com o alvo, estavam presentes nesses casos. Além disso, em quatro dessas situações, segundo a Polícia Civil, havia sempre a descrição de um veículo VW Fox, de cor vermelha, que estaria dando apoio aos supostos criminosos e fugia dos locais.

A investigação aponta que, na verdade, um informante dos PMs ficava responsável por levar as vítimas à uma emboscada ao combinar com elas supostos assaltos que nunca aconteciam. As ocorrências seriam armadas com os PMs e o objetivo era atrair pessoas que já tivessem alguma passagem criminal (ou não) para serem executadas. Duas pessoas que foram emboscadas sobreviveram.

Esse informante teria confessado ao DHPP que “transitava bem entre os criminosos e auxiliava nas suas prisões em troca de dinheiro e/ou bens apreendidos, como aparelhos celulares”. Depois, porém, “em vez de prender criminosos ele e os policiais militares passaram a objetivar a matança de supostos bandidos, como forma de promover o nome e o batalhão dos PMs envolvidos”.

No pedido de prisão temporária, a Polícia Civil argumenta que os suspeitos utilizavam do aparato estatal, como acesso a sistema de informação, “para selecionar vítimas com eventuais passagens criminosas para ser executadas, o que necessita ser obstado”. As solicitações foram acatadas pela 12ª Vara Criminal de Cuiabá. Os inquéritos tramitam em segredo de justiça.

Os seis casos são:

  • Vítimas: Kaio Henrique Miranda de Araújo, Franklin Thomé Arruda Ferreira Mendes, Lucas Conceição Silva e Deyverson Ferreira de Oliveira Mota.
  • Ocorrência: 30/10/2020, na Avenida Principal do Distrito Souza Lima, na cidade de Várzea Grande.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: tenente Alisson Rocha Brizola, sargentos Cezar Adriano Prado Gomes e Robson dos Santos, soldados Gederson Barbosa dos Santos, Fernando César de Oliveira, Magno Souza do Nascimento, Israel Xavier Girotto, Nayara Rodrigues Belo, Marcos Gustavo Soares de Oliveira, Rogério Aparecido Teixeira de Lima, Jefferson Alves do Carmo, André Felipe de Carvalho Campos e Anderson Gomes de Castro.

  • Vítimas: André Felippe de Oliveira Silva, Gabriel de Paula Bueno, Jhon Dewyd Bonifácio de Lima, Leonardo Vinycius de Moraes Alves, Oacy da Silva Taques Neto, Willian Dhiego Ribeiro Moraes e dois sobreviventes.
  • Ocorrência: 29/07/2020, Avenida “A” também denominada Rua Júlio Verne, na Região das Chácaras, em Cuiabá.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: sargentos Antônio Vieira de Abreu Filho e Luiz Fernando de Souza Neves, tenente Everton Bespalez, cabos Alex Sandre Souza dos Santos e Ricardo da Silva Duarte, subtenente Antônio José Ventura de Almeida, soldados Eduardo Moreira Lauriano, Jonas Benevides Correia Junior, Berlitz Alves de Oliveira, Lucas Alves Baiatelo e Jonathan Carvalho de Santana.

  • Vítimas: José Carlos Fernandes Dumont, Cleverson Rodrigo Marques e Silva, Cleber Neves de Andrade e João Vitor Chaves.
  • Ocorrência: 30/06/2020, na Rodovia MT 351, em Cuiabá.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: tenente Thiago Satiro Albino, capitão Ronaldo Reiners, sargentos Patrick Lauro Loureiro de Almeida, Elias José Lopes Schuina e Alexandre dos Santos Lara, cabos Heron Teixeira Pena Vieira, Jonathan Carvalho de Santana e Esmail da Silva Gorgonha, soldados Jairo Papa da Silva, Ícaro Nathan Santos Ferreira, Wilson Ulisses Alves de Souza, Thiago Padilha de Moraes, Benedito Patrício da Silva Júnior e Bruno Pedro Tavares Correa.

  • Vítima: Mayk Sanches Sabino
  • Ocorrência: 25/05/2020, estrada do Morro São Gerônimo (entrada da comunidade São Gerônimo), em Cuiabá.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: cabos Heron Teixeira Pena Vieira e Jonathan Carvalho de Santana, soldados Victor Augusto Carvalho Martins, Wesley Silva de Oliveira, Genivaldo Aires da Cruz, Jairo Papa da Silva, Marcos Antônio da Cruz Santos e Ícaro Nathan Santos Ferreira, sargentos Diogo Fernandes da Conceição e Antônio Vieira de Abreu Filho, subtenente Altamiro Lopes da Silva e tenente Thiago Satiro Albino.

  • Vítimas: Bryan Christian Rodrigues Pinheiro, Kelvin Dias Nascimento, Vanderson da Conceição Pereira, Lucas Matheus Campos Arce e Francisco Junior de Carvalho.
  • Ocorrência: 30/10/2019, na Rodovia MT 351, Km 22, em Cuiabá.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: tenente Maurício Alves Pereira Júnior, subtenente Altamiro Lopes da Silva, sargentos Diogo Fernandes da Conceição, Alersony Christian Gomes de Arruda e Claudio Batista Leal, cabos Heron Teixeira Pena Vieira, Jonathan Carvalho de Santana, Raffael Garcia Marvulle e Leonardo Oliveira Penha, soldados Jairo Papa da Silva, Wilson Ulisses Alves Souza, Edson Willian de Arruda, Jonatas Bueno Trindade, Marcos Antônio da Cruz Santos e Allan Carlos Miguel.

  • Vítimas: Mayson Ricardo de Moraes Dihl, Fabrício Soares Ferreira e Deberson Pereira Oliveira.
  • Ocorrência: 03/10/2017, entre as Rodovias Emanuel Pinheiro e Elder Cândia, em Cuiabá.
  • PMs envolvidos que tiveram as prisões decretadas: tenentes Cleber de Souza Ferreira e Abner James Lopes de Campos, sargentos André Luiz dos Santos Souza e Luciano Baldoino dos Santos, cabos Jonathan Carvalho de Santana e Geraldo Vieira da Silva, soldados Heron Teixeira Pena Vieira, Arlei Luiz Covatti, Jackson Pereira Barbosa, João José Fontes Pinheiro Neto, Jonatas Bueno Trindade, José Roberto Rodrigues da Silva, Tiago de Jesus Batista Borges, Túlio Aquino Monteiro da Costa e Vinicius Santos de Oliveira.

O que diz a polícia

Procurada sobre a operação, a assessoria da PM encaminhou a seguinte nota:

A Polícia Militar de Mato Grosso informa que está acompanhando o desencadeamento da Operação Simulacrum da Polícia Civil em que mandados judiciais de prisão e busca e apreensão estão sendo cumpridos.

A instituição esclarece ainda que nunca coadunou com eventuais desvios de conduta de seus integrantes, porém, não temos conhecimento ainda da totalidade do conteúdo das investigações por parte da Polícia Civil, contudo, os policiais militares que ora figuram nesses mandados possuem boa reputação institucional e relevantes serviços prestados à sociedade mato-grossense.

Desde o início da operação a instituição através da Corregedoria-Geral e dos Comandos Regionais envolvidos estão acompanhando todas as conduções e oitivas. As associações ASSOADE, ACS, ASSOF disponibilizaram equipes jurídicas para acompanhar nossos policiais militares.

A PMMT repudia exposições desnecessárias e abusivas de seus membros, que sequer tiveram direito de defesa e reafirma o compromisso de estar ao lado dos policiais militares garantindo suas prerrogativas em todas as ações legitimas cometidas em serviço e em defesa do cidadão; é imperioso informar que a prisão é medida excepcional, que os investigados são policiais militares com vínculo funcional, têm residência fixa e que nunca se furtaram a responder aos questionamentos da Justiça.

Eventuais excessos serão questionados nas esferas competentes com a certeza de que a instituição é a principal interessada na elucidação do fato e de suas circunstâncias.

Ajude a Ponte!

Outro fator preocupante é o pré-julgamento e execração pública de homens e mulheres que juraram defender a sociedade mesmo com o risco da própria  vida.

A instituição ressalta que  está  colaborando com os trabalhos e fornecendo todo o suporte necessário para que ocorra o deslinde da referida operação da melhor forma possível.

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