Justiça manda soltar adolescentes detidos em ato contra Bolsonaro em SP

    Ministério Público deu parecer favorável à liberdade dos jovens, que estavam na Fundação Casa, e juiz aceitou; todos responderão por dano, desacato e resistência

    Jovem detido no terminal Bandeira tem a mochila revistada pela PM | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O clima por volta das 13h da tarde desta quinta-feira (1/11) em frente ao Fórum da Infância e Juventude, no Brás, era de indignação e apreensão. As mães do 4 adolescentes detidos no ato contra Bolsonaro, na última terça-feira (30/10), estavam ansiosas para poder abraçar seus filhos novamente. “Eu creio que a verdade vai chegar. Eles [PMs] arrastaram meu filho que estava segurando um saquinho de pão de queijo. Eles abordaram meu filho como se ele fosse um marginal. Eu me sinto inútil, um lixo, por não poder fazer nada diante dessa situação”, desabafa Janete Rodrigues dos Santos, mãe do adolescente que está sendo revistado na imagem que abre a reportagem.

    A espera terminou. Durante oitiva na Promotoria da Infância e Juventude, a promotora Raquel Maria Leone de Almeida Barbosa considerou que não fazia sentido manter a internação dos adolescentes “pela primariedade e circunstâncias pessoais favoráveis”. Nas circunstâncias, pesam o fato de serem estudantes, estarem com as famílias e pelo menos dois deles terem trabalho formal: um é jovem aprendiz em uma montadora e outro trabalha em uma oficina mecânica.

    O juiz da Vara da Infância e Juventude Jayme Garcia dos Santos Junior acatou o parecer do MP e determinou a liberdade dos jovens. As acusações, embora modificadas, foram mantidas e os quatro responderão por dano, resistência e desacato. Anteriormente, os crimes eram dano qualificado, incêndio e desacato”. Os adolescentes foram acompanhados pela advogada Maira Pinheiro, que os assistiu desde a noite de terça-feira (30/10), além dos advogados do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente “Ezequiel Ramin”, e defensores públicos.

    Jovem detido no terminal Bandeira conta que estava sozinho na hora da abordagem comprando um pão de queijo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Segundo a advogada Maira Pinheiro, há diversos pontos questionáveis na acusação. “A ausência de individualização de conduta além de ser ilegal, inviabiliza a defesa. Porque se não está definido quem fez o que, como faço a defesa? É só a palavra deles contra a palavra dos policiais. Alem disso, o que o delegado considerou desacato foram os gritos “eu quero o fim da policia militar” e “racistas, fascistas”, o que é um absurdo, porque não eram críticas direcionadas a um funcionário público no exercício da função específico, como diz a lei, e sim uma crítica a instituição Policia Militar”, explica a advogada, responsável pela defesa dos adolescentes.

    Além das abordagens e detenções em si, as mães dos adolescentes questionam especialmente o fato de os policiais terem misturado as supostas provas e objetos pessoais dos meninos e a insistência do delegado Luis Guilherme Pinheiro em considerar, de acordo com o registro do boletim de ocorrência, a versão policial de que eles foram detidos ao mesmo tempo e que, portanto, estariam agindo juntos.

    Lucilene Nogueira conta que o filho avisou que iria à manifestação e por volta das 23h estaria de volta. Ele não chegou e, apesar de preocupada, o cansaço a venceu e ela dormiu. “Fui acordada com uma ligação 4h da manhã da advogada Maira Pinheiro informando que meu filho estava na delegacia”. Quando chegou ao 78º DP, onde foi feito o registro da ocorrência, Lucilene afirma que foi chamada a reconhecer os objetos do filho. “Estava tudo misturado, tinha mochila que não era de ninguém ali, que nenhuma mãe reconheceu. Eu olhei e vi qual era a mochila dele e tinha três tintas que eram dele mesmo, porque ele é grafiteiro. Mas não encontrei o borrifador que ele usa para pintar e tinham pedras, que ele já disse que não são dele”, explica.

    Paula, Lucilene e Janete se conheceram na madrugada da quarta-feira, na delegacia | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Lucilene conta que uma amiga do filho, que estava com ele antes da detenção, entrou em contato com ela para explicar o que houve. “Ela confirmou que estava junto dele descendo para o metrô após a manifestação, quando a polícia mandou parar e levou só ele”, revolta-se. “Se foram abordagens distintas, por que colocar tudo em um b.o.? . Tudo estava com todo mundo? A mochila do meu filho estava aberta e tinha coisa dentro que não era dele, por exemplo. A touca ninja? Sabe o que é? É isso aqui [enquanto fala abre a bolsa e mostra o gorro preto de lã]”.

    Moradora de Heliópolis, Paula Marques da Silva saiu voando de casa, quando soube do ocorrido, e chegou na delegacia antes do registro do boletim de ocorrência e relata exatamente a mesma coisa de Lucilene: havia muitos objetos, garrafas que os policiais afirmaram serem coquetéis molotov, pedras e tudo misturado. “O  meu filho estava com a chave de casa que ninguém sabe onde está, o celular e uma bandana. Só. O delegado disse que havia um desses panos de desenho de caveira, mas meu filho disse que não é dele”, afirmou.

    O filho da Paula foi detido na Praça Roosevelt quando estava sentado com outras duas pessoas e, segundo ela, uma viatura do Choque passou pelo grupo com PMs com as armas do lado de fora, encarando. “Eles continuaram onde estavam e então os policiais deram um ‘cavalo de pau’ e voltaram. Meu filho se assustou e tentou correr porque estava com medo, assustado. Levou um tiro de bala de borracha mesmo rendido, levou uma gravata, um murro no queixo que fez ele cair e aí foi algemado”, conta Paula.

    Na delegacia, Paula relatou que enfrentou problemas. “Eu fui agredida, porque eu queria ver meu filho e ninguém falava o que estava acontecendo. Quando cheguei, eu vi portas abertas e fui olhar, procurar meu filho. Aí fui abordada por um policial que disse: ‘você não pode entrar aqui’ e me empurrou contra a parede. Eu reagi. Ele me segurou forte e me arrastou de lá de dentro. Estou com duas marcas roxas”, diz, mostrando os braços. Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informa que “qualquer queixa relacionada aos procedimentos dos membros da Polícia Militar deve ser feita na Corregedoria da PM para que haja apuração dos fatos”.

    Paula Marques mostra os hematomas do apertão que levou do policial na delegacia | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte

    A Ponte apurou junto a outros participantes do protesto que os PMs estavam gravando e fotografando com os próprios celulares o rosto de alguns manifestantes, para, segundo uma ativista, enquadra-los quando estivessem vulneráveis, ou seja, após a dispersão, indo para o metrô ou mesmo sozinhos.

    “Aparentemente, pelos relatos dos jovens e com base no B.O., eles foram acusados aleatoriamente por todos os danos e tumultos ocorridos no final da manifestação, como uma forma da PM mostrar serviço. Nesses episódios os policiais dificilmente conseguem individualizar as condutas e acabam pegando alguns manifestantes, sem apresentarem provas concretas contra os mesmos. A criminalização e repressão às manifestações será crescente diante da atual conjuntura política nacional e estadual”, analisa o advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) Ariel de Castro Alves.

    Falta de apoio

    A Frente Estadual pelo Desencarceramento divulgou, nesta quarta-feira, uma nota criticando os organizadores do ato por não terem prestado auxílio aos detidos. “Queremos manifestar nossa solidariedade aos familiares dos cinco jovens bem como expressar nossa preocupação com a falta de cuidado em relação à segurança dos manifestantes no ato e ao desamparo por eles vivenciados. É fundamental que em um  momento de escalada do autoritarismo exista uma rede de proteção para garantir que os manifestantes possam exercer seu direito à luta”, diz trecho da nota.

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