Mães homenageiam filhos mortos por policiais com árvore de Natal no Centro do Rio

    “Infelizmente não vamos poder estar com os nossos filhos no dia do Natal, então, a importância dessa árvore pra gente é lembrar o que aconteceu e mostrar o que continua acontecendo”, diz mãe de vítima

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    Mães de vítimas de violência policial em ato da Cinelândia na sexta-feira (16/12). Fotos: Arquivo pessoal

    Diante da impossibilidade da presença dos filhos na celebração do Natal, mães de jovens mortos por policiais no Rio de Janeiro ergueram uma árvore natalina enfeitada com suas fotos na praça da Cinelândia, coração da cidade, na sexta-feira (16). O ato foi organizado pelos próprios familiares e ativistas de movimentos de luta contra a violência de Estado, como a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Mães de Manguinhos e o Movimento Moleque.

    “Infelizmente não vamos poder estar com os nossos filhos no dia do Natal, então, a importância dessa árvore pra gente é lembrar o que aconteceu e mostrar o que continua acontecendo”, diz Maria Dalva Correa da Silva, que pôs na árvore a foto de seu filho Thiago da Costa Correa da Silva, mecânico e estudante assassinado em 2003, aos 19 anos, por policiais militares perto de sua casa, no Morro do Borel, favela na Tijuca, Zona Norte do Rio.

    No episódio, que ficou marcado como Chacina do Borel, também foram mortos pelos PMs o motorista de táxi Everson Gonçalves Silote, de 26 anos, o pintor e pedreiro Carlos Alberto da Silva Ferreira, de 21, e o estudante Carlos Magno de Oliveira Nascimento, de 18, que morava na Suíça com a mãe, mas tinha vindo ao Brasil fazer o alistamento militar obrigatório. “O importante pra nós é mostrar o que o Estado faz com a gente, que mora nas periferias”, afirma Maria Dalva.

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    Ana Paula de Oliveira segura, emocionada, a foto que pôs na árvore de seu filho, Johnatha de Oliveira Lima, morto por um PM da UPP Manguinhos

    Entre as mulheres que enfeitaram a árvore com fotos de seus filhos também estão:

    . Janaína Mattos Alves, mãe de Jhonatas Dalber, morto no Borel em junho deste ano, aos 16 anos, atingido na cabeça enquanto levava nas mãos um saco de pipoca;

    . Fátima dos Santos Pinho, mãe de Paulo Roberto Pinho, espancado e morto por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) de Manguinhos em 2013;

    . Fátima Silva, mãe de Hugo Leonardo dos Santos, morto com dois tiros por PMs da UPP da Rocinha, em abril de 2012;

    . Ana Paula de Oliveira, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, morto aos 19 anos com um tiro nas costas por um policial da UPP de Manguinhos, em maio de 2014.

    Também está na árvore a foto de Rafael da Silva Cunha, morto por um policial civil aos 20 anos de idade, no dia 5 de dezembro de 2006. Há exatamente dez anos sem a presença do filho no Natal, Monica Cunha pôs sua foto próxima ao topo da árvore. Fundadora e coordenadora do Movimento Moleque, que reúne mães de vítimas de violações em instituições socioeducativas, ela acredita que manifestações como essa contribuem para que familiares de vítimas se conscientizem, juntos, de sua realidade social, além de fortalecê-los na luta por justiça.

    “Participar do ato em memória de todos esses jovens assassinados por policiais no estado é uma emoção muito grande, porque esses atos são o que nos dá força pra continuarmos sobrevivendo, para entendermos juntas o que fazem conosco, com a nossa vida e com as nossas famílias. Nos faz entender a que lugar desse estado nós pertencemos, como a sociedade de fato nos olha”, afirma.

    A árvore foi construída por José Luiz Faria da Silva, pai de Maicon da Silva, morto aos dois anos de idade, em 1996, atingido no rosto por uma bala disparada por um policial militar enquanto brincava com outras crianças no Conjunto Amarelinho, favela do Complexo de Acari, Zona Norte do Rio. O caso foi registrado como “auto de resistência”, termo usado quando policiais matam “suspeitos” sob a alegação de estarem se defendendo.

    “Espero que a sociedade tenha consciência, cada vez mais, dessa violência. O que eu mais anseio é que acabe o auto de resistência, que é uma lei de 1969. Ele é o que dá ao policial a condição de entrar numa comunidade e matar”, afirma José Luiz, que ergueu na Cinelândia a pesada estrutura de ferro que ele mesmo construiu, com a força de sua luta por justiça, que já dura 20 anos.

    “Fim” do auto de resistência

    Por reivindicação de movimentos sociais, que defendem que a expressão “auto de resistência” protegia policiais que praticam assassinatos propositalmente em favelas, os órgãos policiais tiveram de passar a registrar tais ocorrências como “homicídio decorrente de oposição à intervenção policial”.

    Na prática, o que mudou foi apenas o fato de que esse tipo de homicídio também passou a ser investigado pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil, o que não ocorria com as mortes registradas como “autos de resistência”, que eram classificadas separadamente nas estatísticas. Entretanto, policiais registram frequentemente os homicídios que praticam como “morte em confronto”, e em muitos casos alteram a cena do crime e “plantam” armas nas mãos das vítimas, que, silenciadas pela morte, não têm como se defender da alegação de que eram bandidos em confronto com policiais.

    Para João Batista Damasceno, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), “a questão da violência policial não se resolve no âmbito normativo, no âmbito do Direito”. “É uma questão de política pública contra uma parcela da população. A mudança da classificação de ‘auto de resistência’ para ‘homicídio em decorrência de intervenção policial’ não altera a política governamental em razão das mortes provocadas pela ação da polícia. Isso porque o Estado vai continuar matando. Pode até classificar diferentemente, mas o tratamento que se continuará dando a esses casos será o mesmo: indiferença diante da dor dos moradores de favelas e periferias”, afirma.

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    Árvore de Natal enfeitada com fotos de vítimas de violência policial em ato na Cinelândia, no Centro do Rio

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