Mais de 25 mil presos vão para casa durante pandemia, segundo Depen

    Órgão registra 118 casos suspeitos de coronavírus nas prisões; “efeito da doença é imprevisível pois realidade prisional brasileira é única”, diz especialista

    Mulher em fase de amamentação com o filho em unidade prisional de Minas Gerais: gestantes e mães estão entre as beneficiadas por recomendação do CNJ | Foto: Leo Drumond/Projeto Voz

    O Depen (Departamento Penitenciário Nacional), subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, estima que 25.228 presos estejam cumprindo prisão domiciliar após decisões judiciais que atenderam a recomendações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em meio à pandemia do novo coronavírus. 

    Questionado pela Ponte após o jornal Folha de S. Paulo divulgar que a estimativa de presos liberados chegava a 30 mil, o Depen informou à reportagem que o número de pessoas soltas “alcançava o total de 31.640” na última sexta-feira (3/4), mas foi corrigido após uma das unidades federativas, “que informara dado bruto em torno de 12.000 liberados”, ter atualizado o número para 5.549, o que resultou na redução total dos que cumprem pena em casa. 

    De acordo com o painel de monitoramento do órgão federal, o número de casos suspeitos de contágio pela Covid-19 no sistema prisional brasileiro chega a 118, espalhados entre os estados do Rio Grande do Sul (37), Minas Gerais (34), São Paulo (24) e Santa Catarina (21). Esses dados, porém, estão subnotificados, conforme informações divulgadas pela Ponte na semana passada. 

    Enquanto o levantamento do governo se propõe a apresentar dados atualizados diariamente a partir da “autodeclaração dos gestores prisionais” e divulgou 34 casos suspeitos no estado mineiro, a assessoria de imprensa da Secretaria da Administração Penitenciária do governo Romeu Zema (Novo), informou à reportagem que o número atualizado de presos sintomáticos é “próximo de 50”.

    Além disso, o Depen reconhece que nem todos os estados repassaram suas informações à base nacional, o que poderia justificar a concentração dos casos suspeitos em apenas quatro estados brasileiros. Segundo o órgão, não há casos confirmados de presos contaminados até o momento. 

    O Depen informou não ter os dados sobre a quantidade de testes distribuídos e realizados dentro do sistema prisional. Já as secretarias penitenciárias estaduais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo informaram que todos os casos suspeitos já foram testados e “estão sendo monitorados”, sem informar sobre o prazo de recebimento dos resultados. Até a publicação desta reportagem, o DEAP (Departamento de Administração prisional) de Santa Catarina não se manifestou.

    Além da adoção de medidas judiciais para a transferência de detentos do regime semiaberto ou fechado ao domiciliar – principalmente gestantes ou mães em fase de amamentação, idosos, pessoas que integram grupos de risco para o coronavírus e presos provisórios encarcerados há mais de 90 dias –, as recomendações feitas pelo CNJ incluem medidas de prevenção na realização de audiências judiciais nos fóruns. Audiências de custódia, por exemplo, estão suspensas. O órgão pede também a “racionalização das visitas”, garantindo, no entanto, que os itens de higiene pessoal e suplementos de alimentação, contidos no “jumbo”, cheguem aos presos.

    Para Renata Reis, doutora em políticas públicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em acesso humanitário para América Latina na organização Médicos Sem Fronteiras, entre os mais vulneráveis aos efeitos da pandemia está a população carcerária, sendo o caso brasileiro “especialmente preocupante, tendo em vista que é a terceira maior do planeta”.

    “É uma população confinada em celas superlotadas com ventilação muito limitada, condições de higiene precárias e, às vezes, acesso irregular à água. Além disso, estamos falando de uma população que já tem predisposição a comorbidades como a tuberculose, tendo em vista as condições desses ambientes”, avalia a especialista, que é advogada membra da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) e mestre em políticas sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).

    Ela destaca, além do cenário para os presos que já têm doenças crônicas, a questão da prevenção, já que são justamente os itens básicos trazidos pelos familiares que muitas vezes ajudam a sobrevivência do detento. “Como sabemos, as visitas sendo suspendidas acabam diminuindo o acesso dessas pessoas a materiais de higiene pessoal levados por seus familiares, por exemplo. Então, quem vai suprir essa necessidade?”, questiona.

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    Em entrevista à Ponte na última quinta-feira (2/4), a socióloga Thandara Santos, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e integrante do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da Universidade de Brasília, também manifestou preocupação com relação à suspensão de visitas, pelo mesmo motivo apontado por Renata. “[O Ministério da Justiça e Segurança Pública] tem capacidade de fazer orientações muito mais consistentes e estruturantes aos estados, como realizar triagens qualificadas dos visitantes, a partir de possíveis indícios e sintomas, garantindo que os insumos necessários cheguem às pessoas presas”.

    Para Moro, prisão é domicílio do preso

    Para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, não existe previsão legal para a liberação de presos em caso de pandemias e “não há nos normativos publicados pelo governo uma recomendação de concessão de regime domiciliar de forma generalizada para presos”.

    A afirmação está em artigo publicado no dia 30 de março no jornal O Estado de S.Paulo e assinado com o diretor-geral do Depen Fabiano Bordignon. A Ponte havia procurado o ministério e questionado a avaliação de Moro sobre o tema, mas, em nota, o órgão federal informou que as preocupações do ministro já foram publicizadas.

    “Essas medidas, que não são punitivas e visam a preservação de vidas, podem eventualmente ser reavaliadas no decorrer da pandemia. Não há, porém, nenhum motivo para, no momento, promover a libertação generalizada dos presos, o que nos faria ter que enfrentar, concomitantemente aos desafios decorrentes da pandemia e de suas consequências econômicas, uma crise na segurança pública”, afirmam Bordignon e Moro no texto.

    Ainda de acordo com o mesmo artigo, o poder executivo editou regras para definir o acesso às unidades prisionais, com recomendação de suspensão de visitas e a segregação, dentro das próprias unidades, de casos suspeitos. “Os presos devem permanecer nas unidades prisionais e sem acesso a visitantes. O ‘fique em casa’ defendido como medida universal, para os presos deriva em ficar nas prisões, domicílio precípuo dessa população”.

    Além disso, Moro e seu subordinado ressaltaram que, até o momento, “há somente a confirmação de um óbito de preso no mundo”, na França, em decorrência do novo coronavírus. “Considerando o panorama de 35 países do levantamento, com população prisional de mais de 4 milhões de presos (sem a China), temos atualmente uma morte, 27 presos infectados e 508 casos suspeitos”.

    O argumento é contestado por Renata Reis, da Médicos Sem Fronteiras, para quem as políticas públicas voltadas ao sistema prisional devem ser adaptadas de acordo com a realidade de cada país. “A gente precisa trabalhar em cima dos fatos, tendo em vista que não há paralelo entre a situação prisional brasileira e a de outros países do norte global, onde a pandemia está descontrolada”, pontua.

    “Ainda que na realidade desses outros países, que estão vivendo a pandemia de forma muito severa, não sejam recorrentes os episódios [de contaminação por coronavírus] entre as populações confinadas, isso não é garantia de que o mesmo acontecerá no Brasil”, alerta Renata.

    Para conter o avanço da Covid-19 dentro do sistema prisional, a especialista destaca a importância do uso de equipamentos de proteção individual por agentes penitenciários e a garantia de utensílios de higiene e roupas limpas à população carcerária. 

    Embora a organização global Médicos Sem Fronteiras tenha experiência em atuação com presídios em períodos de epidemias como sarampo, cólera e ebola, a pesquisadora afirma que ainda não é possível traçar paralelos entre os efeitos do coronavírus e outras pandemias, caso o novo vírus se propague de forma generalizada pelo sistema prisional.

    “Há unidades que são absolutamente superlotadas, então imaginar uma pandemia como essa dentro desses ambientes é dramático. Mas ainda não dá para prever o que poderia acontecer. Por isso, a prevenção nesses casos é tão essencial”, conclui.

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