Marcha da Maconha Zona Sul busca descentralizar debate de política de drogas em SP

    Jovens do extremo sul organizam ato para abrir debate sobre a legalização da maconha e o encarceramento em massa nas periferias; cerca de 100 pessoas marcharam pelas ruas do Grajaú, zona sul de SP, neste sábado (11/5)

    Manifestantes caminharam pelas ruas do Grajaú, zona sul de SP | Foto: Nara/Quilombo Invisível

    Pela segunda vez, jovens da zona sul de São Paulo se organizam para realizar a edição periférica da Marcha da Maconha. Assim como no ano passado, o local escolhido foi o Grajaú, quebrada conhecida pelas rimas do rapper Criolo. No primeiro ano, porém, o ato não conseguiu sequer sair do local de concentração, o Centro de Cultural do Grajaú, por causa da repressão policial – que recebeu os manifestantes com o uso de armas menos letais (bala de borracha e gás lacrimogêneo). Para evitar nova repressão, a organização promoveu discussões e buscou ajuda para realizar o ato. A convocativa do evento trazia as frases “por saúde e paz na quebrada” e “pela legalização, para o nosso povo vivo e fora da prisão!”. A marcha acontece no dia nacional do reggae e teve músicas do estilo musical no encerramento do evento.

    Em entrevista à Ponte, Ayron Nogueira, 20 anos, um dos organizadores da segunda edição da marcha e morador do Grajaú, relata como funcionou o diálogo pré-evento. “Ano passado, no dia da marcha, que teve concentração no calçadão do Centro de Cultura do Grajaú, a repressão policial começou ali mesmo e acabou não rolando a marcha. Depois disso a galera soltou algumas reuniões abertas para quem quisesse colar. Nós da Maloka colamos junto pra organizar. Fizemos reuniões semanais pra correr atrás de dinheiro pra fazer o ato e esse sound no final”, explica o jovem que integra da Maloka Socialista, coletivo criado por jovens negros e periféricos.

    Foto: Nara/Quilombo Invisível

    Cerca de 30 pessoas se reuniram em frente à Escola Estadual Professor Carlos Ayres, local da concentração do ato, localizada na avenida Dona Belmira Marin, principal via que liga todos os bairros do distrito do Grajaú. O destino da marcha era uma praça próxima a outra importante via da zona sul, a avenida Senador Teotônio Vilela, que liga diversos bairros do extremo sul, incluindo Parelheiros, Varginha e Embu. Ao longo do trajeto, que teve início às 16h20 (em referência ao 4h20, horário associado ao uso da maconha), que durou cerca de uma hora, mais pessoas se juntaram ao grupo que, segundo os organizadores, chegou a reunir 100 pessoas.

    Falar da legalização da maconha no território periférico, defende Ayron, é abordar o fracasso da política de drogas, o encarceramento em massa e o genocídio da população negra. “A massa que cola na Marcha da Maconha do centro é da periferia. O debate é importante porque essa política de drogas afeta diretamente a nossa vida, principalmente os jovens negros das periferias. Só fazer um ato sobre maconha nas principais avenidas aqui, já é o início do debate, pois não sofremos repressão durante o trajeto. Temos que conscientizar as pessoas de que essa política de drogas, desde o início, é uma política genocida e que serve para o encarceramento em massa. Se você for pensar nas mulheres que estão presas, a maioria está presa por ligação ao tráfico de drogas, não ao tráfico em si, mas por entrar na cadeia com drogas”, salienta Nogueira à Ponte.

    Foto: Nara/Quilombo Invisível

    Próximo à praça escolhida para encerrar a marcha, há um ponto de concentração de moradores de rua. Por isso, explica Ayron, esse local foi escolhido, pois tratar do debate de drogas é falar de saúde pública. “O ponto de encerramento foi pensado para trazer o debate dos usuários de droga que estão em vulnerabilidade social. Esse ponto é um pico. A guerra às drogas é uma guerra à população preta, que é marginalizada, que é das periferias. A gente quer trazer esse debate para uma questão de saúde pública. Essas pessoas não são só usuárias, muitas delas têm problemas psicológicos. O debate vem pra isso, parar de tratar a repressão como uma questão de segurança e tratar como saúde”, defende o organizador.

    O artesão Bruno Bueno Gonçalves, 30 anos, costumava frequentar outras marchas da maconha e pela primeira vez esteve na do Grajaú. “É a primeira vez que eu venho em um evento assim na região que eu moro. É importante falar que a maconha não é só uma parada recreativa, ela envolve muitas coisas. Ainda tem muito preconceito, mas é importante falar que é sobre a sociedade também, não tem que ser visto de forma criminalizada. Legalizando a maconha, a galera consegue começar a cultivar, tem a autossustentabilidade e não fortalece o tráfico”, conta Bruno, que é morador de Parelheiros.

    Manifestantes durante a marcha | Foto: Nara/Quilombo Invisível

    Para a Ponte, Renan Felipe, integrante do grupo do 3 em 1 Gueto Sounds conhecido como Jah Renan, critica como a repressão e o tratamento em relação à maconha é muito diferente no centro e nas periferias. “A repressão no centro não chega como chega aqui. A gente sabe que aqui é uma quebrada e a polícia reprime mais. O centro tem estrutura, aqui na quebrada não, não tem tanta informação. A gente poder falar isso vai atingir outras pessoas que não estão tão engajadas. A legalização é muito importante, por causa da qualidade, do controle do que vai ser vendido e vai diminuir o tráfico. Eu não quero comprar no tráfico, quero comprar na farmácia, na padaria, como é com o tabaco. Legalizando rola a descriminalização das pessoas que não são criminosas. Tem muita hipocrisia, falam que maconha mata, mas querem legalizar o porte de arma, tá ligado. Esse preconceito é muito institucionalizado e fortalece o racismo”, argumenta Jah Renan.

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