Militantes negros ocupam Secretaria de Justiça de SP por inclusão no serviço público

    Lei aprovada prevê, entre outras medidas, pontuação diferenciada para negros e indígenas em concursos para cargos no estado, mas para valer, precisa da assinatura do governador

    Militantes da Educafro em protesto pela inclusão de negros no serviço público | Foto por Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    Oito militantes negros da Educafro estão acorrentados na sede da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo como protesto pela falta de regulamentação da lei nº 1.259/2015, que estabelece regras para inclusão de pretos, pardos e indígenas no serviço público paulista. A lei foi aprovada em janeiro de 2015 pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e uma comissão, da qual a Educafro faz parte, foi formada para elaborar a regulamentação da lei, que precisaria ser assinada pelo governador de São Paulo, na época o atual presidenciável pelo PSDB, Geraldo Alckmin. Em carta aberta, a Educafro afirma que “Alckmin alegou que faltavam apenas alguns detalhes e terminou o governo sem assinar. Ele mentiu para a comunidade negra”.

    O atual governador, Márcio França (PSB), ainda de acordo com a entidade, também não cumpriu o prometido pelo antecessor. Frei David santos, diretor Executivo da Educafro, explica que desde a sucessão, quando o tucano decidiu lançar a candidatura à presidência, negociações com o novo governo começaram, sem, no entanto, apontar para um desfecho.

    “Uma vez que foram cinco tentativas [de se reunir com o secretário de Justiça, Márcio Elias Rosa, e com o governador de São Paulo, Márcio França] sem respostas, o grupo decidiu ficar acorrentado na porta da Secretaria. É um ato de um grupo de pessoas corajosas, conscientes de que não dá mais pra deixar passar governo e o povo ficar de lado, sendo enrolado”, afirma o frei.

    Frei David Santos: “Não dá mais para passar governo e o povo negro continuar sendo enrolado” | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    O protesto teve início na tarde desta terça-feira (21/8) e, segundo os manifestantes, só vai acabar quando a lei estiver regulamentada. “Só vamos sair daqui quando o Governo de São Paulo fizer duas coisas: nos apresentar uma cópia do documento dizendo em que pé está a regulamentação da lei. E em segundo lugar, se o governo disser dia tal, hora tal vou receber toda a sociedade para assinar a regulamentação. O Márcio França nem precisa vir aqui. Se quiser vir, terá um abraço educado e respeitoso do grupo. Mas se não puder, não precisa”, afirma Frei David Santos.

    “Não vamos desistir, vamos ficar aqui, não há cansaço que nos vença”, dizem os manifestantes | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    A lei 1.259/2015 prevê uma série de medidas para inclusão de pretos, pardos e indígenas no serviço público paulista. Em linhas gerais, a legislação prevê sistema de pontuação diferenciada, fatores de equiparação – mediante acréscimos percentuais na pontuação final dos candidatos beneficiários, por exemplo, e consideração de títulos – em concursos públicos. Tanto Alckmin quanto França deixaram a cargo do secretário de Justiça, Márcio Elias Rosa, concluir a regulamentação.

    A espera de quase 4 anos e a forma com que as negociações foram conduzidas fizeram com que a militância optasse por protestar na sede da pasta da Justiça. Segundo o militante da Educafro Tiago Nogueira, 36 anos, que oferece apoio ao grupo acorrentado, foram 5 tentativas de reunião com Rosa. “A lei existe, mas para fazer valer precisamos da assinatura. Ela vai beneficiar todo a população negra do estado de São Paulo”, explica.

    Flaviane e Tiago também estão em vigília na Secretaria de Justiça | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    Para Frei David Santos, é inaceitável em um país com 54% da população negra e um estado que tem cerca de 17 milhões de negros – número maior do que no estado da Bahia, onde proporcionalmente há mais negros – essa lei ainda não esteja em vigor. “O povo negro continua sendo colocado para escanteio. Observe quantos negros há no governo Marcio França. E no de Alckmin, a mesma coisa. Não havia secretário ou secretária negra. Tem um grande número de negros entrando na universidade [em decorrência também do sistema de cotas] que estão saindo com um outro capital, absolutamente preparados, com consciência dos seus direitos. Eu tenho certeza que nenhum governo sério vai ter a ousadia de se compor sem colocar em seu secretariado negras e negros capazes”, afirma.

    Militantes da Educafro em protesto pela inclusão de negros no serviço público | Foto por Sérgio Silva/Ponte Jornalismo.

    Outro lado

    Em nota, a Secretaria de Justiça de São Paulo afirma que está analisando a proposta de regulamentação da lei, tendo feito reuniões para solucionar eventuais dúvidas. “O governo reitera o seu compromisso com o tema e reconhece a procedência da postulação, lembrando que o sistema de pontuação diferenciada tratada na lei estadual difere do sistema de cotas tradicionalmente conhecido. Apenas ressalta que o período pré-eleitoral não deve de nenhum modo alimentar falsas divergências a respeito de omissões não existentes e que não contribuem para a construção de políticas afirmativas efetivas”, diz o texto.

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