Ministério Público de SP irá redobrar ações de controle externo sobre violência policial a partir de 2015

    Danilo Cesar

    Em reunião com MP, movimentos sociais reivindicaram a criação de uma comissão para investigar casos de mortes em decorrência das ações das polícias e políticas públicas de combate à violência das forças do Estado
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    Reunião dos movimentos sociais com representantes do Ministério Público de SP | Foto: Setor de Comunicação da Uneafro-Brasil

    Na última quinta-feira (18/12), como parte das ações políticas e da pressão institucional decorrentes do ato público “Ferguson é Aqui – contra o Genocídio da População Negra”, diversos movimentos sociais se reuniram com o alto escalão do Ministério Público de São Paulo para adotar medidas no sentido de aumento do controle externo da violência policial no estado de SP, e adoção de políticas de reparação por parte do Estado em relação às famílias de vítimas.

    Da parte do Ministério Público de São Paulo estiveram presentes na reunião o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Márcio Fernando Elias Rosa, o Subprocurador-Geral de Justiça Institucional, Dr. Gianpaolo Poggio Smanio, o Promotor de Justiça Dr. Eduardo Ferreira Valério, Coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do MP-SP, e a Dra. Patrícia Salles Seguro, Promotora de Justiça Assessora da Procuradoria-Geral. Do lado dos movimentos compuseram a comissão os seguintes representantes: Douglas Elias Belchior, do movimento Uneafro-Brasil; Luciete Silva, do Círculo Palmarino; Danilo Dara, do movimento Mães de Maio; Flávio Jorge, pela Executiva Nacional da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen); Enedina Alves, advogada e integrante da Uneafro-Brasil, Cristina Sanchez, observadora internacional pelo movimento negro colombiano; Ariel Castro Alves, advogado e integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (Conanda); Rildo Marques de Oliveira, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP), e Luiz Carlos Santos, relator da comissão de violência e letalidade policial do Condepe.

    As Exigências dos Movimentos

    Os movimentos foram portando uma Carta-Manifesto, que reunia as principais reivindicações da Articulação Contra o Genocídio da Juventude Negra, Pobre e Periférica, dentre as quais se destaca a criação de uma “Comissão de caráter permanente, composta por um grupo de Promotores do MP, com atribuição de investigar casos de mortes em decorrência da ação das policias, independente das investigações tradicionais”; e a convocação do “poder público estadual [SSP do Governo Estadual] para o diálogo, em conjunto com os movimentos, no sentido de exigir fomento de políticas públicas auxiliares ao combate à violência policial, ao genocídio e à criminalização de jovens pobres e negros”.

    O documento também destaca o recorrente descumprimento, por parte do Ministério Público Estadual, da própria Cartilha de “13 pontos que toda investigação de autos de resistência deve ter”, elaborada pelo Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) do MP-SP, bem como exige a imediata adoção, por parte dos Promotores Estaduais, das recomendações do Conselho Nacional do Ministério Público no que se refere ao “enfrentamento de mortes decorrentes de violência policial. Quais sejam:

    “I. Fortalecer o controle externo da atividade policial através da realização de visitas semestrais às repartições policiais e aos órgãos de perícia.

    II. Recomendar às respectivas Secretarias de Segurança Pública no sentido de inserir um campo específico nos boletins de ocorrência para registro de incidência de mortes decorrentes de atuação policial, assegurando que o delegado de polícia instaure, imediatamente, inquérito específico para apurar esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em flagrante, requisitando o Ministério Público a sua instauração quando a autoridade policial não tiver assim procedido.

    III. Assegurar que o Ministério Público adote medidas para que seja comunicado em até 24 (vinte e quatro) horas, pela autoridade policial quando do emprego da força policial resultar ofensa à vida, para permitir o pronto acompanhamento pelo órgão ministerial responsável.

    IV. Assegurar que sejam adotadas medidas no sentido de que o delegado de polícia compareça pessoalmente ao local dos fatos, tão logo seja comunicado da ocorrência de uma morte por intervenção policial, providenciando o isolamento do local, a realização de perícia e a respectiva necrópsia, as quais devem ter a devida celeridade.

    V. Assegurar que o Ministério Público recomende à Corregedoria da Polícia Civil, para que as mortes decorrentes de intervenção por policiais civis sejam por ela investigadas.

    VI. Assegurar que, no caso de morte decorrente de intervenção policial, durante o exame necroscópico, seja obrigatória a realização de exame interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados, assim como que o Inquérito Policial contenha informações sobre os registros de comunicação e movimentação das viaturas envolvidas na ocorrência.

    VII. Criação e disponibilização de um banco de dados pelo CNMP acerca das mortes decorrentes de intervenção policial, por Estado da Federação, tendo como dados mínimos obrigatórios: nome da vítima, data e horário do fato, município, nome dos policiais envolvidos, local de trabalho dos policiais envolvidos, número do respectivo inquérito policial, se foi feita a comunicação imediata ao Ministério Público, se o delegado de polícia compareceu pessoalmente ao local do fato, se foi realizada a perícia no local, se foi realizada a necrópsia, situação do Inquérito Policial (em diligências, arquivado ou denunciado), com dados a partir de 2015, a ser alimentado pelos respectivos Ministérios Públicos.”

    Compromissos do MP-SP

    Depois de ouvir a todos os representantes dos movimentos sociais presentes na reunião, o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Márcio Fernando Elias Rosa reiterou seu posicionamento público contra a adoção de mais medidas e políticas punitivas como alternativas viáveis para o combate da violência. “O tratamento dos conflitos pela via punitiva não deu certo no mundo. Não dá certo na relação de pai para filho; não dá certo entre as pessoas, e não dá certo entre estado e sociedade. Temos que buscar alternativas”, ressaltou o Procurador.

    Em seguida, Dr. Márcio Elias comprometeu-se com as seguintes medidas, a serem adotadas imediatamente – logo após o recesso do Judiciário, ou seja, no início de 2015:

    1 – Intermediar o diálogo entre movimentos e o novo Secretário de Segurança Pública do Estado, Dr. Alexandre de Moraes, já desde o início de sua gestão, comprometendo-se junto ao Subprocurador Dr. Gianpaolo Poggio a marcar um encontro entre o novo Secretário, o MP-SP e os movimentos presentes naquela reunião, ainda na primeira metade de Janeiro de 2015;

    2 – Também junto ao Subprocurador de Justiça Institucional, Dr. Gianpaolo, comprometeu-se a realizar uma reunião conjunta com todas as Promotorias Criminais e demais relacionadas ao tema, reafirmando a elas o papel do Ministério Público no que tange à aplicação das orientações constantes na Cartilha Nacional “O MP no enfrentamento a mortes decorrentes de violência policial” feita pelo CNMP, bem como reiterar a importância de se seguir a Cartilha de “13 pontos que toda investigação de autos de resistência deve ter”, elaborada pelo Grupo de Atuação Especial Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) do próprio MP-SP;

    3 – O acompanhamento especial e individual de cada um dos casos emblemáticos de violência policial, apresentados pelos movimentos, constantes na Carta-Manifesto, que reunia as principais reivindicações da Articulação Contra o Genocídio da Juventude Negra, Pobre e Periférica: os casos das mortes do jovem Thiago Silva, assassinado no último dia 10/12/2014 no Jd. São Luís; de Bruno Lúcio da Rocha, desaparecido no dia 20/10/2014 na região do Parque Bristol (extremo sudeste de São Paulo), e depois encontrado morto a tiros no Hospital Saboya; a suspeita da atuação de grupos de extermínio ligados à polícia na região de Carapicuíba; o caso da atriz e produtora cultural Luana Barbosa, atingida por um tiro durante uma blitz policial no dia 27 de junho de 2014; além dos casos de prisões abusivas de Alderina Felícia dos Santos, 72 anos; Maria Claudia dos Santos Rocha, 38 anos e Nilza Teixeira;

    4 – O Procurador Geral Dr. Márcio Elias também se comprometeu a determinar o acompanhamento dos principais casos de violência policial encaminhados ao MP-SP daqui em diante, por intermédio do Condepe-SP, da parte dos movimentos presentes na reunião.

    5 – Determinou a criação de um grupo de trabalho, por meio do Promotor de Justiça Dr. Eduardo Ferreira Valério, Coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do MP-SP, e da Dra. Patrícia Salles Seguro Dra. Ação imediata, no sentido de receber sugestões e elaborar propostas concretas de medidas, “ações coletivas” e possíveis políticas públicas para assegurar o direito a indenizações e reparações, bem como ao acompanhamento psicossocial aos familiares de vítimas do Estado. Dentre outras propostas, foi levantada a “Política de Reparação Integral às Vítimas Diretas, Colaterais e Conexas da Violência e Abuso de Poder de Agentes do Estado Democrático”.

    6 – E, por fim, a Procuradoria Geral do MP-SP se comprometeu com a construção de uma agenda comum de ações que visem o enfrentamento da violência policial já a partir de janeiro de 2015 (portanto coincidindo também com o início da gestão do novo Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, Sr. Alexandre de Moraes). A começar com uma nova reunião entre MP-SP e os movimentos, visando ouvir sugestões sobre o que poderia ser uma eventual nova Promotoria de Segurança Pública e/ou uma verdadeira renovação da Cartilha de “13 pontos que toda investigação de autos de resistência deve ter”, elaborada pelo Grupo de Atuação Especial Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) do próprio MP-SP.

    Os movimentos saíram da reunião relativamente satisfeitos: “Trata-se de uma iniciativa inédita de diálogo direto com o movimento negro e com os movimentos sociais, a qual, se de fato sair do papel, significará um verdadeiro avanço na luta contra o genocídio da população negra e pobre de São Paulo, bem como no amparo, assistência e a devida reparação das vítimas e seus familiares”, afirmou Douglas Belchior da UneAfro-Brasil. “Nós apenas lamentamos que, muitas vezes, tenhamos que atuar muito mais na redução de danos e respostas a violências absurdas por parte de agentes do estado, ao invés de conseguirmos avançar em políticas realmente preventivas e construtivas de uma outra sociedade mais justa, democrática e pacífica”, concluiu o ativista.

    A Ponte Jornalismo seguirá acompanhando os desdobramentos regionais do encontro, assim como já tem buscado acompanhar com atenção as novas orientações nacionais a todos Ministérios Públicos estaduais no que tange à prevenção, o combate e a reparação das mortes ocorridas em decorrência de violência policial.

     

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    9 anos atrás

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