Ministro da Justiça contraria o da Defesa sobre militares com poder de polícia no RJ

    Torquato Jardim considera aval ‘decorrente e necessário’ para a eficácia da intervenção no estado, que ainda não teve plano apresentado, e estende para ‘todos os agentes federais’ envolvidos na ação

    Torquato Jardim (de gravata laranja) contrariou fala do ministro da Defesa | Foto: Arthur Stabile/Ponte.org

    O Governo Federal bate cabeça quando o assunto é a intervenção militar no Rio de Janeiro. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, desmentiu nesta quinta-feira (22/2) a fala do ministro da Defesa, Raul Jungmann, quanto dar poder de polícia aos militares envolvidos na intervenção. Desde o anúncio da ação, representantes da União sustentam que a atuação ostensiva não seria dada às tropas, sustentação feita por Jungmann e o ministro da Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. Outra grande questão evidenciada na reunião é a ausência de um plano, que ainda está sendo desenhado por todos os envolvidos, e mesmo de uma previsão sobre o impacto de toda a ação para os estados vizinhos. “Não temos certeza de quando e em qual extensão a intervenção no RJ trará consequências para a segurança pública destes três estados”, reconheceu Jardim em sua fala.

    “Não há dúvida de que os poderes inerentes da intervenção federal levam a todos os agentes federais ao poder de polícia, algo decorrente e necessário na eficácia das medidas federais. Se for necessária a edição de ato legislativo ou de qualquer natureza para esclarecer a dúvida perante terceiros, autoridades do aspecto público e judiciário, será feito”, cravou Torquato Jardim, em encontro com secretários de segurança de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.

    Segundo Jungmann, não haveria liberação ao Exército , porém, Jardim apontou como possível através da Lei de GLO (Garantia de Lei e da Ordem) segundo o decreto nº 3.897, de agosto de 2001. “Não implica em nenhuma restrição de direitos e garantias. A ordem jurídica permanece a mesma. As Forças Armadas não detêm poder de polícia”, garantiu o ministro da Defesa no último dia 16, quando anunciada a intervenção no Rio em coletiva de imprensa.

    O artigo 3 do decreto estabelece que, “na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico”, define o documento.

    Representantes da segurança pública do três estados com Jardim (gravata laranja) | Foto: Arthur Stabile/Ponte.org

    Há no site do ministério da Defesa texto sobre o assunto. “Reguladas pela Constituição Federal, em seu artigo 142, pela Lei Complementar 97, de 1999, e pelo Decreto 3897, de 2001, as operações de GLO concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade”, diz página da pasta comandada por Jungmann.

    Consequências imprevisíveis

    A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro motivou o ministro da Justiça a se reunir com os representantes de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Junto dos três secretários de segurança de São Paulo, Magino Alves Barbosa Filho; do Espírito Santo, André Garcia; e de Minas Gerais, Sérgio Barboza Menezes. O ministro admitiu que o governo federal não sabe como a ação militar no Rio de Janeiro afetará os estados vizinhos.

    A reunião também serviu para definir cooperação em âmbito jurídico, financeiro e operacional, entre os três estados. “São os três primeiros vizinhos, os primeiros a serem atingidos. Claro, se a marola virar onda, se a onda virar tsunami, se for necessário em outros estados, reuniões desta natureza também serão realizadas”, admitiu Jardim.

    No encontro ficou definido reforço das polícias nas principais rodovias do três Estados, inclusive nas vias federais – será liberada sustentação jurídica para as PMs locais atuarem em estradas da União. Segundo o secretário de segurança do Espírito Santo, André Garcia, se trata de precaução em meio à busca de “entender o desenho do processo interventivo”.

    “Todas as posturas que estamos adotando até agora de planejamento operacional leva em consideração cautela, prevenção. Não acredito, sinceramente, que haja preocupação quanto a migração de criminosos. Não é essa a primeira preocupação, mas sim, a migração eventual de modalidades criminosas e atuações mais intensas de grupos nas fronteiras”, sustenta Garcia.

    Jardim recebeu de Alves telefone com Geraldo Alckmin na linha | Foto: Arthur Stabile/Ponte.org

    Quanto ao procedimento militar no Rio, o ministro Torquato Jardim apontou três bases em ‘espaços geográficos’: a fronteira (listados Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso) do Brasil com o Paraguai, Argentina, Bolívia, Colômbia e Peru; os três Estados vizinhos, o que motivou a reunião de ontem com os secretários; e o próprio Rio de Janeiro como terceiro ponto.

    “A razão é muito óbvia: os crimes têm, no mínimo, caráter nacional. As organizações criminosas e suas subfacções tem, no mínimo, caráter nacional. Por mais eficaz que seja a ação no Rio de Janeiro, com os órgãos de ES, MG e SP, a eficiência será muito maior se trabalharmos todos juntos”, salienta Jardim, expandindo nacionalmente os impactos da intervenção no RJ.

    Após apresentar os assuntos tratados, o ministro aproveitou um momento para descontração. Questionado sobre o planejamento das reuniões entre ele e os secretários, disse não ter prioridade de local. “Os três estados têm ótimos restaurantes”, disse. A reunião foi interrompida brevemente, quando o secretário paulista Mágino Alves Barbosa Filho atendeu o celular. Era o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pediu para falar com o ministro da Defesa, Torquato Jardim. O tucano quis dar boas vindas ao ministro.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas