Morre aos 96 anos o jurista Hélio Bicudo, um defensor dos direitos humanos

    Fundamental no combate ao ‘esquadrão da morte’ na ditadura militar, Bicudo foi cofundador do PT e ajudou no pedido de impeachment de Dilma Rousseff

    O jurista Hélio Bicudo em sua casa, em São Paulo | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

    O jurista Hélio Bicudo morreu na manhã desta terça-feira (31/7), aos 96 anos, em São Paulo. Defensor dos direitos humanos, Bicudo é um dos cofundadores do PT (Partido dos Trabalhadores), anos depois deixando o partido e auxiliando no pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ocorrido em 2016. O legado do jurista inclui o combate à violência policial em plena ditadura militar, ao denunciar policiais que faziam parte do chamado ‘esquadrão da morte’ nas décadas de 1960 e 1970.

    Com longa carreira na vida pública, Bicudo trabalhou nas gestões municipais das ex-petistas Luiza Erundina e Marta Suplicy. No MPSP (Ministério Público de São Paulo), ganhou notoriedade pelo combate ao “esquadrão da morte”, que agia sob o lema “para cada policial morto, dez vão morrer”. Como procurador-geral, enfrentou o bando contra a vontade do governador de SP à época, Roberto Costa de Abreu Sodré, então comandante das polícias. Enfrentou também as pressões do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que seria o chefe desses grupos de extermínio. “Os policiais agiam com uma espécie de ‘poder extra-legal’ que conduzia às formas ‘mais graves de violência contra a pessoa humana'”, definia.

    Mesmo com o AI-5 (Ato Institucional número 5, baixado pelo regime militar, que endureceu a repressão e atacou as liberdades individuais) em vigência, Bicudo, ao lado do então promotor Dirceu de Mello, trabalhou para investigar todos os crimes bárbaros que vinham sendo cometidos por agentes do Estado, detalhados no livro “Meu depoimento sobre o esquadrão da morte”, de autoria de Bicudo. “Eu acho que é um episódio importantíssimo e pouco estudado”, diz o promotor Carlos Alberto Pereira Leitão Júnior, neto de Dirceu, em entrevista à Ponte. “[Hélio] Foi uma figura extraordinária. A atuação dele durante o período do esquadrão da morte serve de norte para nós, promotores, e para todos os brasileiros. Ele e meu avô sofreram pressões internas e externas e conseguiram conduzir essa importante investigação. Isso não pode ser esquecido”, afirma.

    Na época, Bicudo e os outros dois promotores que trabalhavam no caso do esquadrão da morte – um deles Dirceu de Mello – sofreram ameaças – o jurista chegou a ter a casa invadida e revirada – e recebiam ligações do Lírio Branco, codinome usado por um anônimo que avisava a imprensa das mortes que aconteciam. O ex-petista falava abertamente sobre o tema, como em uma audiência da Comissão da Verdade da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). “Por que o Abreu Sodré se tornou meu inimigo? Porque ele era um dos chefes da quadrilha”, disse o jurista, em 2014.

    Combatente às mortes praticadas pelas polícias com legado como procurador, Bicudo avalia que o MP perdeu sua origem de servir à sociedade para dar mãos aos políticos. “O Ministério Público precisaria ressuscitar como da sociedade e não representante dos governos. Era preciso prestar atenção nessa questão, e que o MP agisse em consequência”, dizia. Em 2017, SP registrou o ano com maior número de mortos pelas polícias em 21 anos – foram 939 vítimas.

    A família lamentou a morte do advogado, definido por eles como “m dos mais importantes ativistas pelos direitos humanos no País, especialmente enquanto combateu o chamado Esquadrão da Morte, durante a ditadura militar, como promotor público de São Paulo”. “Hélio Bicudo deixa um legado de amor à família e sempre será lembrado por seu profissionalismo e honestidade”, lamentou a nota da família.

    O promotor Carlos Alberto Pereira Leitão Junior afirma que, assim como o avô, Hélio Bicudo é inspiração para a geração dele e para as futuras. “Precisamos sempre ter em mente que os graves crimes praticados por agentes do Estado devem ser investigados com rigor, frisando-se a importância do Poder de Investigação do Ministério Público para a responsabilização dos culpados. A atuação do promotor de justiça deve ser sempre norteada pelo princípio de imparcialidade, o promotor deve sempre ser livre para conduzir suas investigações, conduzir os seus trabalhos, sempre em nome da defesa do ordenamento jurídico, da ordem democrática e dos direitos fundamentais”.

    O sub-procurador geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, atualmente subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais, lembrou a militância de Bicudo nos direitos humanos e o definiu como democrata. “Demonstrou coragem e pioneirismo ao desbaratar o esquadrão da morte no auge da ditadura militar, período em que o Ministério Público era ainda um apêndice do Poder Executivo”, afirmou.

    Para o advogado membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do Condepe, Ariel de Castro Alves, o jurista foi um dos maiores defensores dos direitos humanos da história do Brasil e deixou um importante legado na defesa dos Direitos Humanos. “Para além do esquadrão da morte, combateu a violência policial e atuou na conquista dos direitos civis e sociais na Constituição Federal de 1988. Suas palestras e aulas foram fundamentais pra minha formação na área de direitos humanos”, afirmou.

    Quebra política

    Hélio Bicudo fundou o PT e auxiliou na redemocratização. Uma de suas atuações foi como vice-prefeito de São Paulo na chapa de Marta Suplicy, em 2001. Antes, foi secretário em 1989 durante a prefeitura de Luiza Erundina, atualmente deputada federal pelo Psol. “Éramos amigos, não tínhamos só relação funcional. O Hélio contribuiu bastante em um governo que experimentava pela primeira vez esta função, de gerenciar a cidade em uma legislação modificada pela Constituição de 1988, logo após a redemocratização. Ele foi fundamental para darmos conta”, relembra a parlamentar à Ponte.

    O jurista deixaria o PT (Partido dos Trabalhadores) na esteira das investigações do Mensalão, em 2005. Anos depois, participaria ativamente do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, causando um racha definitivo com as suas origens na legenda. Até o momento, a executiva nacional do partido não se pronunciou com relação à morte do ex-filiado. O silêncio é visto com estranhamento pela ex-prefeita.

    “O PT ficou de fato muito magoado com ele em relação ao favorecimento direto no impeachment, mas não se justifica o ressentimento das pessoas. Espero que o PT se manifeste a respeito. Ele foi um nome de prestígio na construção do partido, não era um militante qualquer, tinha história, compromisso com a democracia e, particularmente, com os direitos humanos. Foi um momento de infelicidade”, define Erundina, solidarizando-se com a família.

    Também ex-petista, a senadora Marta Suplicy (MDB) lamentou a morte de seu antigo vice. “Minhas condolências e sentimento à família de Hélio Bicudo pela perda de um brasileiro democrata e grande defensor dos direitos humanos”, escreveu nas redes sociais.

    Uma das ferrenhas defensoras e autoras do impeachment de Dilma, a advogada Janaina Paschoal postou uma mensagem na conta dela no twitter lamentando a morte do colega: “Parte um Herói brasileiro! Meus agradecimentos ao nosso Grande Helio Bicudo! Todo meu amor! Toda minha admiração! Toda minha gratidão! Sem ele, eu não teria conseguido. Que Dona Déa o receba com flores. Peço a cada um uma oração, conforme a respectiva religião, em sua intenção”, escreveu Janaina, que tem sido cotada para ser vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência.

    O presidente Michel Temer também se pronunciou: “O Brasil perdeu hoje Hélio Bicudo, um homem notável. Ao longo de sua vida, pudemos conhecer toda sua trajetória de defesa dos valores democráticos. Minhas sinceras condolências aos seus familiares”.

    Outros movimentos favoráveis ao impeachment, como o MBL e o Vem Pra Rua, também lamentaram a morte de Bicudo a que chamaram de peça fundamental para a construção democrática, em referência ao afastamento de Dilma.

    Na noite desta terça-feira* (31/7), a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, enviou condolências à família de Hélio Bicudo, conforme informou a assessoria de imprensa da legenda.

    *Reportagem atualizada às 21h04 do dia 31/7

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