Motoboy negro é condenado a 9 anos de prisão e mãe defende inocência: ‘estou sem chão’

    Thiago Henrik foi acusado de três roubos após fugir de abordagem policial por não ter carteira de habilitação; decisão teve como base reconhecimento irregular

    Thiago Henrik está preso desde agosto do ano passado | Foto: arquivo pessoal

    O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o motoboy Thiago Henrik Rangel Leite, 19 anos, a nove anos e 26 dias de prisão em regime fechado por dois dos três roubos pelos quais acusado em agosto do ano passado, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

    O julgamento aconteceu nesta terça-feira (3/3) e, além da pena de prisão, Thiago terá que pagar multa fixada em 56 dias-multa (baseada no salário mínimo) estipulada pelo juiz em “valor unitário mínimo”, ou seja, aproximadamente R$ 1.860,00 (leia aqui sentença completa).

    Desde o início, tanto a família quanto o próprio Thiago alegam inocência. Ele contou que foi preso após fugir de uma abordagem policial na rua Honório Serpa, na zona sul da capital paulista, por estar sem carteira de habilitação e documentação da moto que dirigia e acabou reconhecido, de forma irregular, por quatro das seis vítimas de uma sequência de assaltos no mesmo dia.

    “Estou sem chão, não tenho nem palavras”, lamentou à Ponte a mãe de Thiago, Melissa Rangel Leite. “Ele não sabe ainda, eu o visitei no domingo, não sei nem o que dizer”, disse, abatida.

    O juiz Leonardo Fernando de Souza Almeida, da 2ª Vara Criminal do Foro de São Bernardo do Campo, seguiu o entendimento do Ministério Público ao condenar Thiago por dois dos três roubos, já que, com exceção de duas vítimas que não o reconheceram na delegacia como autor do crime, as outras quatro apontaram o rapaz como o assaltante.

    Todas as vítimas informaram que o reconhecimento de Thiago foi feito com ele sozinho, sendo que as quatro pessoas que o reconheceram também não fizeram anteriormente a descrição do suspeito, o que contraria os procedimentos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal.

    Dois deles que foram desrespeitados no caso de Thiago: o pedido de que a vítima descreva a pessoa antes de ver qualquer suspeito; o suspeito ser colocado ao lado de outras pessoas com características físicas semelhantes para então ser reconhecido.

    Mesmo assim, o magistrado entendeu que, como os reconhecimentos foram ratificados em audiência, as vítimas não teriam a intenção de incriminá-lo falsamente. No entanto, no momento do reconhecimento, as vítimas disseram que ele estava com roupas diferentes das usadas pelo assaltante.

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    O juiz também levou em consideração os depoimentos dos policiais e a localização de pertences das vítimas, que estavam escondidos em uma árvore de uma praça perto do local do crime.

    “Os policiais informaram que o réu os conduziu ao local em que estavam os outros objetos roubados, alem de um outro capacete, não havendo qualquer justificativa para se imaginar que os policiais tivessem inventado tal fato”, destaca o magistrado em um trecho da sentença.

    Segundo os PMs, o celular com o GPS ligado de uma das vítimas estava no bolso de Thiago e ele teria apontado onde estava o restante dos pertences. O rapaz nega, já que também foi agredido durante a abordagem. “Os seus depoimentos não podem ser tidos por suspeitos até que haja prova de que efetivamente almejavam prejudicar o réu, o que não foi provado”, escreveu Souza Almeida.

    A pena de Thiago também foi aumentada porque ele estaria com uma arma de fogo, de acordo com depoimento das vítimas. Porém, nenhuma arma foi encontrada com ele no momento da prisão.

    À reportagem, a advogada Ana Micaela Simons Jacomini, que defende Thiago, declarou que está aguardando o resultado do pedido de liberdade provisória e que vai recorrer da sentença. “Não tem lógica o juiz condenar por dois roubos sendo que os três foram sequenciais, foi um crime continuado”, contestou. “Além disso, o reconhecimento das vítimas não é prova absoluta e suficiente para uma condenação”, completou a defensora.

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