Movimentos questionam atuação do MP em casos de violência policial

    Rede de Resistência pediu criação de um departamento para controle da atividade policial e Mães de Maio denunciaram promotora que acusou movimento sem provas

    Alessandra Cunha (de vermelho), da Favela do Moinho, fala diante de parlamentares e do procurador-geral (ao microfone)

    Mães que perderam filhos nas mãos da Polícia Militar, militantes negros e coletivos das periferias participaram de uma audiência pública com o procurador-geral de justiça de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio, chefe do Ministério Público Estadual, para cobrar uma atuação mais efetiva do MP no controle da atividade policial. Após ouvir as críticas, Gianpaolo respondeu que o MP dá encaminhamento a todas as denúncias recebidas e que parte dos problemas levantados na audiência estava além do poder de atuação dos promotores.

    Realizada na última quinta-feira (14/9), na sede do Ministério Púbilco Estadual, no centro da cidade de São Paulo, a audiência reuniu representantes de movimentos sociais com a cúpula do MP e representantes das Comissões de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Na semana passada, os parlamentares vieram à capital paulista apurar denúncias de violações: além da reunião com o procurador-chefe, deputados e senadores visitaram a Ocupação Mauá, na Luz, que está ameaçada de despejo, ouviram representantes da população de rua e se reuniram com apoiadores do grupo de 18 jovens que foram presos antes de um protesto contra o governo Michel Temer (PMDB) e denunciados por associação criminosa.

    “A criação de uma Promotoria específica para o controle externo das atividades policiais que abranja todas as polícias” foi pedida em um documento redigido por representantes da Rede de Proteção e Resistência, formada por entidades, movimentos sociais e coletivos das periferias de São Paulo que buscam criar estratégias de resistência pacífica à violência policial.

    No documento, a Rede pede que os promotores encarregados de investigar episódios de violência policial sigam “o princípio da imparcialidade política e ideológica”. Segundo a proposta, “um promotor que se coloca publicamente com falas de que ‘bandido bom é bandido morto’ deveria estar fora da composição da Promotoria do controle das atividades policiais”. Representando a Rede, a militante Valdênia Paulino, presidenta do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) de Sapopemba, na zona leste, citou como exemplo o promotor Rogério Zagallo, que já recebeu punição do Conselho Nacional do Ministério Público por incitar a violência policial e pedir que a polícia matasse manifestantes.

    A audiência na sede do Ministério Público também foi marcada pela fala emocionada de parentes de jovens mortos pela PM, começando por Alessandra Moja Cunha, líder comunitária da Favela do Moinho. Ela contou que teve um irmão e um cunhado mortos pela polícia e que, desde 2014, viu a violência do Estado se intensificar no bairro onde vive. Nos últimos dois meses, viu dois jovens da comunidade serem assassinados: Leandro de Souza Santos, que teria sido torturado a marteladas antes de morrer, e  Lucas Miranda da Silva, morto na Brasilândia. “Não acredito mais na polícia, não acredito em mais nada. Só acredito na transformação do povo pelo povo”, disse.

    Mãe de uma das vítimas da chacina de Osasco, na Grande SP, que começa a ser julgada hoje (18/9), Zilda Maria Paula relatou que a comunidade havia passado por um toque de recolher e repetiu uma frase comum entre mães de vítimas da violência: “eu estou morta desde que meu filho morreu”. Ecoando as palavras de Zilda, uma das lideranças das Mães da Leste, Solange de Oliveira, se apresentou como “uma das mães morta-vivas da periferia” — o filho dela, Victor, foi morto por um policial civil durante um roubo e, embora ele estivesse armado, a mãe defende que o jovem tentou correr, e não atirar contra o policial. Ela reclamou de a investigação sobre a morte do jovem ter sido arquivada pelo MP. “Meu filho morreu duas vezes”, disse.

    Representando as Mães de Maio, a advogada Dina Alves denunciou o comportamento da promotora Ana Maria Frigério Molinari, que, sem apresentar provas, afirmou, numa audiência criminal em 2015, que o grupo seria ligado ao tráfico de drogas. Em um vídeo gravado da audiência — publicado inicialmente pela Ponte, mas retirado do ar por censura judicial —, a promotora dizia que que, quando atuava no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), havia recebido a informação de que o grupo Mães de Maio seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).  “Essa promotora criminaliza todo o movimento das Mães de Maio, que é um movimento sério, reconhecido internacionalmente. Por extensão, criminaliza outras mães que tiveram os filhos mortos pelo Estado”, denunciou Dina, exigindo uma retratação do Ministério Público.

    Resposta do MP

    Em resposta a Dina, o procurador-geral disse que desconhecia as afirmações feitas pela promotora. “O vídeo que eu assisti não faz essa acusação às Mães de Maio. O vídeo que eu assisti faz uma crítica à atuação do Gaeco em casos da Baixada Santista que envolvem policiais militares”, afirmou. Sobre os 493 mortos por policiais e grupos de extermínio em maio de 2006, um massacre que levou à criação do grupo Mães de Maio, Gianpaolo Poggio Smanio defendeu a atuação do MP. “Os promotores acompanharam todos os casos que foram denunciados e conseguimos levar 21 casos ao Judiciário. Outros casos foram arquivados porque não foi possível encontrar autoria”, afirmou. No ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a federalização desses crimes por entender que as investigações em São Paulo haviam cometido “falhas e omissões gravíssimas”.

    Ao final da audiência, Gianpaolo reconheceu que o encontro havia revelado “casos graves”, mas ressaltou que vários deles não poderiam ser resolvidos pela atuação dos promotores. “O Ministério Público tem o seu limite de atuação. Nós não somos chefes da polícia. A polícia tem sua chefia própria”, disse, e acrescentou: “não será com o Ministério Público que resolveremos todos os problemas”. Defendeu que todas as demandas recebidas pela instituição são encaminhadas e atendidas. “Aqui não tem nenhuma demanda parada”, disse.

    O deputado Paulo Teixeira (PT) também reclamou do tom das críticas ao Ministério Público. Disse que é necessário “separar o joio do trigo” na crítica às instituições: “Eu não consigo falar que uma instituição seja assim ou assada. As instituições têm pessoas boas e ruins”.

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